Depois de apontar que a hostilidade do Governo Trump em relaรงรฃo ร imprensa contribuiu para a atual onda de repressรฃo da mรญdia global, o que resultou em nรบmero recorde de prisรตes de jornalistas em 2020, o CPJ (Comitรช para a Proteรงรฃo de Jornalistas), organizaรงรฃo com sede em Nova York que promove a liberdade de imprensa desde 1981, elaborou uma sรฉrie de recomendaรงรตes ao futuro presidente Joe Biden. O objetivo รฉ restabelecer a lideranรงa dos Estados Unidos na promoรงรฃo da liberdade de imprensa no mundo.
A principal recomendaรงรฃo รฉ que Biden considere a liberdade de imprensa como um foco da nova polรญtica externa norte-americana, alรงando o tema ao contexto mais amplo de apoio ร democracia, aos direitos humanos e ร liberdade polรญtica no mundo.
O efeito Trump contra a liberdade de imprensa global
Os ataques persistentes, agressivos e personalizados do presidente Trump a jornalistas individualmente e ร imprensa como instituiรงรฃo foram apontados pelo CPJ como uma caracterรญstica definidora do mandato dele.
A organizaรงรฃo afirma que apesar de Trump nรฃo ter conseguido concretizar suas propostas mais perigosas โ como prender jornalistas ou “tornar mais fรกcil” processรก-los por difamaรงรฃo โ sua linguagem teve fator decisivo para corroer a confianรงa do pรบblico na mรญdia, com impacto particularmente devastador durante a pandemia.
A influรชncia americana, sobretudo devido ao peso de redes como a CNN e jornais de alcance global como New York Times, Washington Post e Wall Street Journal, vai muito alรฉm das fronteiras do paรญs. Atitudes respeitosas que andaram em falta nos รบltimos quatro anos, combinadas com aรงรตes concretas como as que o CPJ sugere, tรชm o potencial de mudar a tendรชncia que se formou durante a administraรงรฃo do presidente que deixa o cargo em janeiro.
Nรบmero recorde de jornalistas presos no mundo em 2020
A retรณrica do presidente Trump causou um estrago tremendo fora dos Estados Unidos, encorajando ditadores a reprimirem a mรญdia de seus paรญses e a denunciarem os jornalistas crรญticos como geradores de fake news, enquanto prendiam um nรบmero recorde de profissionais.
Pelo quinto ano consecutivo, governos repressivos prenderam mais de 250 jornalistas. Mas em 2020 o total chegou a 274, superando o recorde anterior de 272, registrado em 2016, segundo a pesquisa global anual do CPJ, que toma por base o dia 1ยบ de dezembro de cada ano.
China, Turquia, Egito e Arรกbia Saudita foram os que mais prenderam
Em meio ร pandemia, os governos atrasaram julgamentos, restringiram visitas e ignoraram o aumento do risco ร saรบde na prisรฃo. Pelo menos dois jornalistas morreram atrรกs das grades apรณs contraรญrem a doenรงa.
A China, que prendeu vรกrios jornalistas por sua cobertura da pandemia, manteve-se na lideranรงa do ranking pelo segundo ano consecutivo. Em seguida aparece a Turquia, que continua a processar jornalistas em liberdade condicional e a prender outros. O Egito completa o pรณdio, nรฃo medindo esforรงos para manter aprisionados jornalistas que nรฃo foram condenados por nenhum crime, ร frente da Arรกbia Saudita.
Alguns paรญses tiveram em 2020 um aumento expressivo do nรบmero de jornalistas presos, como nos casos da Etiรณpia, onde a agitaรงรฃo polรญtica degenerou-se em conflito armado, e da Bielorrรบssia. Nesta, as prisรตes se sucedem durante os protestos que ocorrem desde a reeleiรงรฃo do presidente Aleksandr Lukashenko, hรก 26 anos no poder e conhecido como o รบltimo tirano da Europa.
Omissรฃo na defesa de jornalistas norte-americanos no exterior
O CPJ tambรฉm acusou o Governo Trump de ter falhado na defesa da liberdade de imprensa de jornalistas ou de organizaรงรตes de mรญdia sob ameaรงa no exterior. Os exemplos citados incluem a falta de medidas eficazes por parte das autoridades quando repรณrteres do The New York Times foram presos no Egito, ou quando a China expulsou dezenas de repรณrteres dos principais veรญculos dos Estados Unidos.
Mas a organizaรงรฃo considera como o fracasso mais flagrante do Governo Trump a sua resposta ao assassinato do colunista Jamal Khashoggi, do The Washington Post, em 2018, dentro da embaixada da Arรกbia Saudita em Istambul. Quanto a esse caso, o CPJ recomenda que Biden torne pรบblicas as descobertas das agรชncias de inteligรชncia dos EUA sobre o crime.
As principais recomendaรงรตes para virar a pรกgina
O CPJ pede que Biden faรงa um pronunciamento eloquente em defesa da liberdade de imprensa no mundo, ressaltando que a democracia nรฃo pode funcionar sem uma mรญdia global independente e que uma imprensa livre รฉ necessรกria para compreender e resolver questรตes geopolรญticas complexas.
A organizaรงรฃo recomenda que esse pronunciamento reconheรงa o papel que os jornalistas desempenham no fornecimento de informaรงรตes confiรกveis que as pessoas em todos os lugares precisam para responsabilizar seus lรญderes. E que ele seja uma questรฃo de princรญpio, e nรฃo de conveniรชncia. โOs Estados Unidos devem enfrentar seus adversรกrios, mas tambรฉm desafiar seus amigosโ, ressalta o documento.
Nomeaรงรฃo de um enviado presidencial para a liberdade de imprensa
A organizaรงรฃo recomenda a nomeaรงรฃo imediata de um enviado presidencial para a liberdade de imprensa, reportando diretamente ao Secretรกrio de Estado e com poderes para falar sobre violaรงรตes cometidas contra jornalistas em todo o mundo. O perfil para o cargo seria o de um jornalista com histรณrico de defesa do tema, motivaรงรฃo para comparecer a julgamentos e trabalhar para libertar jornalistas presos injustamente.
Criaรงรฃo de um escritรณrio de liberdade de imprensa dentro do Departamento de Estado
Um escritรณrio dedicado ao tema seria uma das medidas para fortalecer o apoio do Departamento de Estado ร liberdade de imprensa. O CPJ recomenda que o prรณximo governo envie uma diretiva ร s embaixadas dos Estados Unidos em todo o mundo, determinando que a liberdade de imprensa seja uma prioridade da polรญtica externa, e dando poderes aos diplomatas para tomarem as medidas adequadas para promovรช-la nos paรญses em que atuam.
Tambรฉm pede que a divulgaรงรฃo das informaรงรตes e indicadores sobre liberdade de imprensa passe a ser destacada nos relatรณrios anuais de direitos humanos do Departamento de Estado.
Sob o novo Governo Biden, o CPJ recomenda que os Estados Unidos voltem a integrar o Conselho de Direitos Humanos da ONU; restabeleรงam a adesรฃo e o financiamento da Unesco; e apoiem o trabalho dos relatores especiais de Naรงรตes Unidas, OSCE (Organizaรงรฃo para a Seguranรงa e Cooperaรงรฃo da Europa) e OEA (Organizaรงรฃo dos Estados Americanos).
Fortalecimento interno da liberdade de imprensa para dar o exemplo ao mundo
Tomando por base os mais de 900 ataques a jornalistas documentados pelo US Press Freedom Tracker durante a recente onda de protestos no paรญs, a maioria deles realizados por autoridades policiais, o CPJ pede que o futuro presidente apoie os esforรงos para responsabilizar e punir seus responsรกveis.
Solicita tambรฉm que a nova administraรงรฃo de Biden comprometa-se em atender aos pedidos de informaรงรฃo, apoie as diretrizes do Departamento de Justiรงa que protegem fontes confidenciais e prometa nunca usar a Lei de Espionagem para processar jornalistas ou denunciantes.
A independรชncia editorial das mรญdias financiadas pelo governo e gerenciadas pela USAGM (Agรชncia dos Estados Unidos para a Mรญdia Global), incluindo Voice of America, Radio Free Asia e Radio Free Europe / Radio Liberty, รฉ outra recomendaรงรฃo de destaque do CPJ.
Por fim, a organizaรงรฃo recomenda que o Governo Biden apoie a busca por soluรงรตes que garantam a sustentabilidade da mรญdia local e comunitรกria, e para resolver as questรตes de desinformaรงรฃo, discurso tรณxico e assรฉdio online nas plataformas de mรญdias sociais.
Depois do pesadelo com Trump, se Biden atendesse a pelo menos metade das recomendaรงรตes do CPJ, jรก seria um sonho.