Uma coalizão de entidades de defesa dos direitos humanos, justiça racial e responsabilidade na internet, liderada pelo grupo Real Facebook Oversight Board, lançou nessa terça-feira (16/2) nos Estados Unidos uma campanha para exigir do Facebook ação mais enérgica no controle da desinformação e discurso de ódio na plataforma em língua espanhola. O grupo uniu-se a parlamentares americanos a poucos dias de Mark Zuckerberg comparecer ao Congresso para participar de uma audiência da comissão que investiga a atuação da empresa de mídia digital.

A iniciativa #Ya Basta Facebook! (Já basta, Facebook) conclamou a gigante digital a adotar medidas imediatas, criticando-a por julgar que há um tratamento desigual em relação às fake news em inglês, levando desinformação extrema e discurso de ódio de forma descontrtolada a comunidades de língua espanhola:

“A fim de lidar com a desinformação desenfreada em espanhol nos Estados Unidos, convocamos o Facebook a identificar publicamente um gerente em nível executivo para supervisionar a política e a aplicação de moderação de conteúdo em espanhol nos EUA;  a explicar publicamente o processo de tradução do algoritmo e moderação de conteúdo e a compartilhar os materiais de treinamento usados para revisar se o conteúdo viola a política existente. ”

Uniram-se à iniciativa as organizações Center for American ProgressFree Press e National Hispanic Media Coalition. A liderança é do projeto Real Facebook Oversight Board, criado em setembro de 2020 pela britânica The Citizens como reação ao conselho superior criado pela própria plataforma para lidar com problemas, que julgam incapaz de cumprir esse objetivo.

A entidade reúne jornalistas, gente de cinema, juristas e cientistas e artistas. Uma das fundadoras é Carole Cadwalladr, jornalista britânica autora da matéria que denunciou o escândalo da consultoria Cambridge Analytica. 

Entre as peças da #Ya Basta Facebook! está um vídeo provocativo, destinado a compartilhar as preocupações e informações com formuladores de políticas. Ele apresenta exemplos de lacunas de desinformação no idioma espanhol, variando de questões de tradução − não levando em conta gírias, dialetos e contexto − até a verificação deficiente de sites de notícias em espanhol e ampla desinformação voltada para latinos.

O grupo afirma que, mesmo depois de Mark Zuckerberg ter prometido resolver esses problemas, a situação piorou no segundo turno das eleições do estado da Geórgia. Os representantes das entidades foram duros com a empresa e com seu fundador:

“O Facebook continua a ignorar nossas preocupações e está deixando uma coisa perfeitamente clara: a segurança e a dignidade da comunidade Latina não são sua prioridade. Quando dizemos ‘Ya Basta, Facebook’, estamos chamando Mark Zuckerberg e a liderança do Facebook a responderem pelas vidas perdidas e pelo ódio e assédio sofridos como resultado de seu registro vergonhoso de gerenciamento de conteúdo em espanhol” , disse Brenda Victoria Castillo, presidente e CEO da National Hispanic Media Coalition

“Mark Zuckerberg deve abordar a questão da desinformação da língua espanhola nos EUA e discurso de ódio no Facebook perante o Comitê de Energia e Comércio e identificar publicamente um cargo de diretoria para supervisionar a moderação do conteúdo em espanhol dos EUA”, disse Jessica Cobian, gerente de campanhas do Technology Policy do Center for American Progress. 

“ Exigimos responsabilidade real do Facebook. Nossas demandas são claras, com um plano realista e prático para o Facebook. Ya Basta, Facebook − isso precisa acabar”, disse Carmen Scurato, assessora sênior de políticas da Free Press. 

“Não há desculpa para a moderação de conteúdo deficiente em espanhol. Aqui na Califórnia, estado natal do Facebook, mais de 1 em cada 4 residentes fala espanhol. O Facebook foi avisado e decidiu lucrar com o ódio e as mentiras em vez de manter as pessoas seguras e informadas”, disse Jessica J. González, co-CEO da Free Press. 

Em uma coletiva de imprensa na terça-feira (16/3), o grupo fez referência a um relatório do grupo de defesa Avaaz que descobriu que o Facebook sinalizou 70% das postagens enganosas ou falsas em torno da Covid-19 em inglês,  mas apenas 30% das postagens semelhantes em espanhol.

Brenda Victoria Castillo acredita que parte do problema deve-se à falta de representação no Facebook. Ela acha que, embora sediada na Califórnia, onde os latinos formam 40% da população, a empresa tem pouca ou nenhuma representação latina em seus cargos de alta direção.

O Facebook respondeu em nota, assinada pelo porta-voz Kevin McAlister, dizendo que a empresa está “tomando medidas agressivas para combater a desinformação em espanhol e em dezenas de outros idiomas”. E que “uma parte importante para obter informações precisas é trabalhar com as comunidades, e é por isso que estamos fornecendo anúncios gratuitos para organizações de saúde para promover informações confiáveis ​​sobre as vacinas contra a Covid-19”. Mas não fez referências às medidas propostas como parte da campanha #Ya Basta Facebook!

O jornalista Gilberto Scofield, Diretor da agência de checagem de fatos Lupa, acha a iniciativa oportuna:

“Há algum tempo estamos alertando o Facebook de que ele precisa de fato aplicar as suas políticas de combate a discurso de ódio e desinformação em seus ecossistemas no Brasil,  como ocorre por exemplo nos EUA”, disse. 

Zuckerberg no Congresso

Zuckerberg testemunhará perante o Comitê de Energia e Comércio da Câmara dos Representantes dos EUA na quinta-feira, 25 de março. E não deve encontrar ambiente favorável. O congressista Tony Cardenas, da California, antecipou o que vem pela frente para o fundador do Facebook: 

“Vamos fazer perguntas muito diretas a Mark Zuckerberg, oficialmente, na frente de todos, sobre o compromisso da empresa em proteger os usuários que falam espanhol. Esperamos mais do que respostas retóricas − esperamos respostas reais e específicas.”

Os autores da campanha acham que o Conselho de Supervisão do próprio Facebook não tem mandato ou autoridade para lidar com essas questões e não está regulamentado de forma significativa. O Oversight Board patrocinado pelo Facebook começou a trabalhar oficialmente em 22 de outubro de 2020 com vinte membros, sendo cinco deles dos Estados Unidos e um do Brasil, o advogado Ronaldo Lemos. O Facebook critica o Real Facebook Oversight Board e afirma que a iniciativa prejudica seus esforços.

O vídeo da campanha 

Você acha que o Facebook está falhando com a desinformação em inglês? Você não vai acreditar no que está acontecendo em espanhol! Essa é a principal mensagem do vídeo de 95 segundos da campanha #Ya Basta Facebook, divulgada pelo Real Facebook Oversight Board.

 

Ele  começa com cenas de telejornais mostrando a desinformação desenfreada nas últimas eleições norte-americanas e a sabatina de Mark Zuckenberg no Senado dos Estados Unidos. E enfatiza a repreensão que lhe feita pelo senador democrata Richard Blumenthal: “Na minha opinião, vocês precisam melhorar!”

Depois de informar que muitos hispânicos recorrem ao WhatsApp para obter notícias e informações, o vídeo mostra a gravação de uma mulher propagando em espanhol a mentira de que o então candidato Raphael Warnock (que acabaria sendo eleito como o primeiro senador negro da Georgia) teria se encontrado em 1995 com Fidel Castro. Em seguida apresenta várias postagens em espanhol no Facebook com afirmações absurdas de que o movimento Black Lives Matter seria uma organização terrorista e que o autor dos disparos numa manifestação do grupo em Winscosin teria agido com “força letal justificável”.

Outra postagem mostra os homens armados que se postaram diante de suas propriedades durante manifestações do grupo chamando-os de “homens valentes que defendem a bandeira americana” e criticando os “brancos imbecis” que se desculpam diante dos “idiotas esquerdistas” do grupo Black Lives Matter.

Ao final, o vídeo pede que o Facebook implemente imediatamente o plano de ação do grupo, que busca fazer com que a plataforma passe a atuar sobre a desinformação em espanhol. Junto com o Real Facebook Oversight Board, assinam o apelo a NHMC (National Hispanic Media Coalition), a Free Press e o Center for American Progress.

Pressões anteriores 

O problema da desinformação em espanhol não é novo e nem surpresa para o Facebook. Em setembro passado, antes das eleições presidenciais, 20 entidades enviaram a Mark Zuckerberg uma carta apontando os problemas e cobrando soluções. Dizem não ter recebido resposta. Em um dos trechos, os signatários afirmaram:

“Escrevemos para expressar nossa profunda decepção com a inação de sua empresa em relação à segmentação, manipulação e privação de direitos de usuários Latinos em sua plataforma. Apesar dos repetidos esforços dos grupos abaixo-assinados em alertar para a questão, ao longo deste ciclo eleitoral o Facebook fez muito pouco para conter campanhas de desinformação em idioma espanhol que tentam influenciar e dividir os eleitores latinos. Como campanhas de desinformação continuam a proliferar, imploramos ação urgente  para resolver este problema que se perpetua”. 

Desinformação em português não contemplada 

O jornalista Gilberto Scofield, Diretor da Lupa, agência de checagem de fatos, acha a campanha oportuna:

“Há algum tempo estamos alertando o Facebook que ele precisa de fato aplicar as suas políticas de combate a discurso de ódio e desinformação em seus ecossistemas no Brasil,  como ocorre por exemplo nos EUA”. 

O plano de ação 

No plano de ação proposto pela iniciativa, os autores fazem uma detalhada lista de exigências destinadas a aprimorar o controle de discurso de ódio, desinformação e aumentar a transparência do Facebook em relação ao conteúdo em espanhol.

Exigimos que o Facebook aja imediatamente em nosso plano de ação de desinformação em espanhol:

    • Contratar e apresentar publicamente um executivo em nível de alta direção para supervisionar a política e a aplicação de moderação de conteúdo em espanhol dos EUA.
    • Explicar publicamente o processo de tradução dos algoritmos de moderação de conteúdo, incluindo como os algoritmos são treinados e auditados para garantir a detecção proativa, relatórios e processamento de conteúdo em espanhol.
    • Esclarecer se os moderadores de conteúdo do Facebook avaliam o conteúdo no idioma, traduzido ou ambos. 
    • Explicar exatamente quantos moderadores de conteúdo em espanhol nos Estados Unidos a empresa emprega, bem como o número geral de moderadores de conteúdo nos Estados Unidos. Em cada caso, fornecer a divisão entre funcionários diretos e contratados envolvidos na moderação.
    • Compartilhar publicamente os materiais usados para treinar moderadores de conteúdo em espanhol nos Estados Unidos.

O Centro para o Progresso Americano, a Free Press e a National Hispanic Media Coalition são membros fundadores do Change the Terms, um conjunto de recomendações e políticas corporativas modelo para as empresas online adotarem nos esforços para conter discurso de ódio em suas plataformas. Os esforços do Facebook para reduzir discurso de ódio e  desinformação devem ser reproduzidos em espanhol e em outros idiomas nos quais o Facebook opera. As seguintes áreas temáticas e etapas de ação para o Facebook alinham-se às nossas recomendações sobre questões de fiscalização, treinamento, transparência, equipe e governança: 

Execução

    • O Facebook deve aplicar com eficácia os Padrões da Comunidade  para todo o conteúdo bilíngue e em espanhol a uma taxa proporcional do conteúdo em inglês.

Avaliação e Treinamento

    • Os moderadores de conteúdo em espanhol devem ser culturalmente competentes nas questões sociais e políticas que afetam a comunidade de língua espanhola, bem como receber treinamento antirracista.
    • O Facebook deve compartilhar todos os materiais de treinamento de moderação de conteúdo, incluindo os documentos de perguntas mais comuns e padrões de implementação.
    • Como os problemas de tradução para o espanhol são frequentes e podem ser delicados dependendo do contexto cultural e dialetos, o Facebook deve auditar e testar regularmente seu algoritmo de aprendizado de máquina para garantir eficácia e precisão.

Transparência 

    • Exigimos que o Facebook desenvolva tecnologia para atingir paridade em suas práticas de moderação de conteúdo em vários idiomas, incluindo o espanhol.
    • O Facebook deve esclarecer como está treinando seus mecanismos de inteligência artificial para detecção de discurso de ódio destinados a pesquisar proativamente por conteúdo em espanhol.
    • O Facebook deve esclarecer como identifica o conteúdo em espanhol à luz das violações das Diretrizes da comunidade ou dos Termos de Serviço e se usa seu software de tradução para esses fim.
    • A empresa deve incorporar todos os dados de moderação de conteúdo em espanhol em seus relatórios de transparência.
    • Deve também incluir a moderação de conteúdo em espanhol como parte integrante de quaisquer avaliações futuras de auditoria independente.

Governança e Autoridade

    •  O Facebook deve identificar publicamente um profissional em nível de alta gerência encarregado dos esforços no sentido de moderar discurso de ódio, desinformação e desinformação em espanhol nos Estados Unidos.
    • O Facebook deve priorizar candidatos culturalmente competentes que sejam fluentes em dialetos do espanhol dos EUA para esta posição.

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