A variante Delta do coronavírus, que causa preocupação até mesmo em países com altas taxas de vacinação, está sendo usada em campanhas antivacina por grupos como o Qanon, surgido nos Estados Unidos e que se espalhou pelo mundo em 2020 aproveitando as incertezas da pandemia.
A agência de checagem de fatos First Draft divulgou nesta segunda-feira (28/6) um boletim apontando que, após a divulgação de novos casos da mutação da Covid-19, que causa a doença mesmo em algumas pessoas já vacinadas, militantes que são contra a vacinação passaram a questionar a validade da imunização.
Postagem em uma página do QAnon, Great Awakening (Grande Despertar, em tradução livre), sugeriu enganosamente que, como cerca de metade dos adultos com teste positivo para a variante Delta em Israel foram totalmente vacinados, as vacinas são “inúteis”.
Israel, que na última semana registrou duas mortes por Covid-19, tem atualmente uma média de 142 novos casos por dia da doença. O país está próximo de imunizar 60% da população com duas doses da vacina.
À medida que os países dão o alarme sobre a variante Delta, narrativas são também recicladas, como detectou a First Draft. No Bitchute, portal que armazena vídeos, a conta Fearless Nation (Nação Sem Medo, em tradução livre), com mais de 10.000 assinantes, postou um clipe divulgando a teoria da conspiração de que a variante é uma “falsa bandeira”.
Afirma que “todos, de Joe Biden a médicos, estão aproveitando a oportunidade para aplicar a injeção experimental Covid-19 em jovens adultos. Mas de Israel ao Reino Unido, surgem tendências fazendo com que muitos questionem essa narrativa”.
Segundo a OMS, a Delta circula por 92 países. No Brasil, 11 casos já foram detectados, com a confirmação de uma morte.
Estatísticas têm mostrado que poucos indivíduos vacinados desenvolveram a Covid-19 de forma grave, ressalta a First Draft. A OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que “a vacina por si só não irá parar a contaminação em comunidade”, e recomenda a continuidade dos cuidados relativos à doença.
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Em resposta à orientação da agência, a apresentadora do programa de TV Fox Nation, nos EUA, Tomi Lahren, disse: “Nos enganar uma vez, que vergonha. Nos enganar duas vezes?! Não vai acontecer!”, em um tweet compartilhado 2.000 vezes.
Now the WHO recommends masks again. Shock. We will NOT COMPLY! Fool us once, shame on you. Fool us twice?! Not gonna happen!!!
— Tomi Lahren (@TomiLahren) June 27, 2021
Teoria conspiratória sobreviveu ao fim da presidência de Donald Trump
O QAnon é um movimento de extrema-direita que surgiu há quatro anos. Tem como guru uma figura anônima e misteriosa que só se manifesta em mensagens enigmáticas pela internet e atende pelo nome de Q (assinatura que pode ser de uma ou mais pessoas). Daí o nome, que vem da junção de Q com Anônimos.
Só que o todo-poderoso venerado é Donald Trump. Nem a derrota dele nas eleições e a posse de Joe Biden, que contrariu a tese de que algo ainda aconteceria para evitar a transição, fez com que o movimento desaparecesse.
Atuando como uma rede viral de apoio ao Partido Republicano, o QAnon defende que Trump foi eleito para proteger os norte-americanos e comandar uma guerra secreta (a Operação Storm) contra uma elite mundial de pedófilos adoradores de Satanás (a cabala) que trafica e abusa impunemente de crianças, além de sumir com elas (geralmente em túneis).
Os adeptos mais radicais do movimento adicionam as práticas de canibalismo e a extração de uma substância do sangue das crianças para o prolongamento da vida e a manutenção da juventude.
Segundo eles, esses malfeitores, posicionados à esquerda do espectro político, fariam parte do “estado profundo” (deep state), distribuídos não apenas no governo, mas também no mundo dos negócios e entre celebridades de Hollywood e jornalistas, que estariam todos juntos conspirando para derrubar Trump.
Em maio, a organização não governamental americana Public Religion Research Institute, que pesquisa as ligações entre políticas públicas, cultura e religião, divulgou uma pesquisa mostrando como a parcela da população alinhada ao Partido Conservador acredita mais nas teses do QAnon.
Nas três perguntas (se a mídia e o governo seriam controlados por um grupo ligado a Satanás; se há uma “grande tormenta” se aproximado para restaurar os líderes e se americanos patriotas devem recorrer à violência para salvar o país), a parcela de conservadores que concorda é muito mais alta. No caso do uso da violência, chega a quase o dobro da média da população.
Depois que as grandes plataformas digitais começaram a banir conteúdo e perfis associados ao QAnon, sobretudo após a invasão do Capitólio, em Washington, que teve adeptos do QAnon diretamente envolvidos, eles migraram para redes sociais com menos moderação. Uma delas foi a Gaia, dedicada à ioga. Ela exibe vídeos sobre terapias alternativas e esoterismo, alguns condenando a vacina e questionando a existência da Covid-19.
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