Morte de fotógrafo premiado com Pulitzer mostra agravamento da crise no Afeganistão
Luciana Gurgel
A morte do fotógrafo indiano Danish Siddiqui em um fogo cruzado enquanto cobria uma batalha entre forças de segurança afegãs e militantes do Taleban no dia 16 de julho confirma o alerta feito pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) ao publicar seu índice anual de liberdade de imprensa no mundo, em abril.
“A paz definitiva está longe de estar assegurada [no Afeganistão] e as garantias de liberdade de imprensa e proteção de jornalistas dos últimos 18 anos estão agora ameaçadas.”
Siddiqui, de 41 anos, era um fotojornalista veterano e membro da equipe da Reuters que ganhou o Prêmio Pulitzer em 2018 por suas imagens da crise Rohingya em Mianmar. Ele chefiava a fotografia da agência na Índia, e viajara ao Afeganistão para uma reportagem antes da retirada das tropas americanas, marcada para 11 de setembro.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 32 profissionais de imprensa foram mortos no Afeganistão entre 2018 e 2021. Este ano, a RSF contabilizou a perda de 14 jornalistas e quatro profissionais de apoio no país, que ficou em 122º no ranking de liberdade de imprensa entre 180 nações.
O Taleban não assume a autoria do disparo que matou o repórter fotográfico. “Não sabemos dizer de quem foi o disparo que matou o jornalista. Não sabemos como ele morreu”, disse o porta-voz do Taleban, Zabiullah Mujahid, na sexta-feira (16/7).
Violência cresce no país e jornalistas pedem socorro
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) manifestou “séria preocupação” com o bem-estar dos jornalistas locais com o aumento das ameaças e ataques a meios de comunicação locais, bem como ao trabalho de correspondentes estrangeiros.
A IFJ disse ter recebido vários apelos de ajuda de jornalistas querendo fugir do Afeganistão.
Segundo a RSF, embora as negociações de paz entre o Taleban e o governo afegão, iniciadas em setembro de 2020, tenham oferecido a esperança de uma trégua, a violência contra jornalistas e meios de comunicação aumentou significativamente — seis jornalistas e profissionais da mídia foram vítimas de assassinatos seletivos desde o início de 2020, diz a entidade.
O nível atual de violência e o número de jornalistas mortos são, no entanto, um pouco menores do que em 2018, ano mais mortal para a mídia no Afeganistão desde a queda do regime do Taleban, em 2001.
Fotógrafo morreu em tiroteio durante emboscada
A Reuters informou que Danish Siddiqui estava em um comboio de forças afegãs emboscado por militantes do Taleban perto de um posto de fronteira com o Paquistão.
A captura da fronteira é vista como um objetivo decisivo para o Taleban. Com a retirada das tropas estrangeiras após 20 anos de conflito, os militantes do grupo estão retomando territórios em todo o país, gerando temores de uma guerra civil.
O correspondente do The New York Times na Ásia, Mujib Mashal, acompanhou a chegada do corpo do fotógrafo a Déli, na Índia.
Photographer Danish Siddiqui’s body reaches home in Delhi for a final farewell with family. pic.twitter.com/jB1JxxMfZ4
O presidente da Reuters, Michael Friedenberg, e a editora-chefe, Alessandra Galloni, disseram em um comunicado:
“Danish foi um excelente jornalista, um marido e pai dedicado e um colega muito querido. Nossos pensamentos estão com sua família neste momento terrível.”
O perfil do Clube de Imprensa da India (Press Club of India) publicou imagens do funeral do repórter fotográfico.
Taleban faz ameaças diretas a meios de comunicação
No dia 14 de julho, a Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJFA) relatou que Fazlullah Erfan, editor-chefe dos programas de rádio Gag-e-Islah, ficou gravemente ferido em uma explosão que tinha como alvo um veículo da polícia em Jalalabad. A entidade informou à IFJ que a maioria dos jornalistas deixou a cidade durante o conflito.
A AIJFA também revelou que na semana passada ameaças do Taleban foram dirigidas a pelo menos oito meios de comunicação, incluindo a Badghis National Radio and Television, a TV Obur e as rádios Hanzaleh, Simim, Ghazali, Nariman e Baghis Voice.
A RSF afirmou no ranking de liberdade de imprensa, publicado em abril, que o governo e a Comissão Coordenadora de Segurança de Jornalistas e Meios de Comunicação reforçaram as medidas de proteção. Mas a projeção não era otimista:
“Apesar da resistência, as jornalistas continuam vulneráveis em um país onde estão entre os principais alvos da propaganda fundamentalista, que circula amplamente em várias regiões.
Há muita preocupação de que as liberdades básicas, incluindo a liberdade das jornalistas, possam ser sacrificadas em prol de um acordo de paz.”
Depois da morte de Siddiqui, o presidente do Afeganistão, Mohammad Ashraf Ghani, reiterou o compromisso do país com a liberdade de expressão e a proteção da mídia e dos jornalistas.
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