Pelo menos 180 jornalistas de vários países foram espionados por usuários do sistema Pegasus, uma ferramenta desenvolvida pela empresa israelense de vigilância cibernética NSO. O software infecta celulares, tanto iPhones quanto dispositivos Android, para permitir que os operadores da ferramenta extraiam mensagens, fotos e emails, gravem chamadas e ativem microfones secretamente.
A ferramenta é usada por governos, e o levantamento sobre espionagem aponta para pessoas que seriam alvos de Arábia Saudita, Índia, Hungria, Emirados Árabes e Marrocos, entre outros.
Roula Khalaf, editora do jornal Financial Times (FT), foi uma das jornalistas hackeadas, revelou o jornal The Guardian. Ela se tornou a primeira editora na história da publicação no ano passado, mas já vinha sendo espionada desde 2018.
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A análise sugere que o telefone de Khalaf foi selecionado como alvo pelos Emirados Árabes. Na época, ela ocupava o cargo de era editora adjunta do FT. O jornal classificou a vigilância da jornalista como “inaceitável”.
Jornalistas de grandes veículos foram grampeados, aponta levantamento
Os profissionais de imprensa grampeados participam de veículos como Wall Street Journal, CNN, The New York Times, Al Jazeera, France 24, El País, Associated Press, Le Monde, Bloomberg, Agência France-Presse, The Economist, Reuters e outros. Governos de ao menos dez países estão sendo acusados de usar o sistema para fins de espionagem.
A NSO vem alegando que os governos aos quais licencia o Pegasus estão contratualmente obrigados a usar a ferramenta de espionagem para combater “crimes graves e terrorismo”.
O programa já foi notícia anteriormente no Brasil. De acordo com reportagem publicada pelo UOL em maio, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), teria tentado articular a compra do Pegasus sem consultar órgãos brasileiros de inteligência.
Esquema mundial foi revelado neste fim de semana
A informação foi revelada por um relatório da Forbidden Stories – organização que monitora o trabalho de jornalistas ameaçados, presos ou assassinados–, e distribuída a publicações com o apoio da Anistia Internacional.
As descobertas da investigação começaram a ser publicadas neste domingo (18/7) por 17 veículos de diferentes países, como o britânico The Guardian, o americano The Washington Post, o francês Le Monde, o alemão Die Zeit e o israelense Haaretz.
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O vazamento contém uma lista de mais de 50 mil números de telefone que, acredita-se, foram identificados como de “pessoas de interesse” por clientes da NSO desde 2016.
Além das quase duas centenas de jornalistas grampeados, defensores dos direitos humanos, políticos, advogados, diplomatas e chefes de Estado foram grampeados, aponta o material divulgado.
Familiares de jornalista foram monitorados, diz análise
A lista de jornalistas hackeados por usuários do Pegasus inclui também familiares, amigos e a noiva do jornalista Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post assassinado após entrar no consulado saudita em Istambul, em 2018.
Outros nomes revelados são o da premiada jornalista azerbaijana Khadija Ismayilova, o repórter Szabolcs Panyi, do Direkt36, um meio de comunicação investigativo húngaro, o jornalista freelance marroquino Hicham Mansouri, o diretor do site investigativo francês Mediapart Edwy Plenel, e os fundadores da mídia independente indiana The Wire, uma das poucas organizações de notícias do país que não depende de dinheiro de entidades empresariais privadas.
Há informações ainda de que repórteres locais e âncoras de televisão de renome tiveram os celulares hackeados.
“Os números mostram vividamente que o abuso é generalizado, colocando em perigo a vida dos jornalistas, de suas famílias e associados, minando a liberdade de imprensa e cercando a mídia crítica”, disse Agnes Callamard, secretária-geral da Anistia Internacional.
Ferramenta está na mão de “tiranos”, afirma federação
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) condenou as tentativas de interferir nas comunicações privadas dos profissionais de comunicação. A entidade ainda reforçou a necessidade de jornalistas usarem vigilância extra para proteger seus dados.
Para a federação, o episódio demonstra a necessidade de leis que protejam a inviolabilidade das comunicações dos jornalistas.
Tim Dawson, presidente do grupo de especialistas em vigilância da IFJ disse:
“O software Pegasus está sendo usado como um algoritmo para minar a democracia. Contatos confidenciais fornecem a base para o melhor jornalismo — que expõe desperdício, incompetência e corrupção. A privacidade dos repórteres, as comunicações, seja por email, aplicativos de mensagem ou telefone, devem ser sagradas.
Permitir que tiranos, déspotas e os inimigos da liberdade tenham acesso a ferramentas como Pegasus é o equivalente do século 21 a destruir prensas de impressão e invadir estações de TV”.
*colaborou Inês Dell’Erba
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