Levantamento da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) publicado nesta terça-feira (27/7) mostra em números a postura do governo brasileiro, em especial do presidente, de atacar a imprensa rotineiramente.
De acordo com o estudo, o presidente Jair Bolsonaro e sua família aumentaram a ofensiva contra a imprensa em 2021. Durante os primeiros seis meses do ano, o número de ataques do chefe de Estado brasileiro contra a imprensa aumentou 74% em relação ao segundo semestre de 2020.
Entre janeiro e junho, Bolsonaro atacou a imprensa verbalmente 87 vezes — uma média de mais de três ofensivas semanais.
Leia também: Brasil é o país da América Latina com mais ataques difamatórios à imprensa, diz estudo
No mesmo período, Carlos Bolsonaro, vereador da cidade do Rio de Janeiro, foi autor de 83 ataques à imprensa (um aumento de 84,4% em relação ao segundo semestre de 2020), enquanto o deputado federal Eduardo Bolsonaro diminuiu o ritmo e atacou a mídia nacional 85 vezes (queda de 41,37% em relação ao final do ano de 2020, quando havia cometido 145 ataques).
Ao todo, a equipe da RSF identificou que o “sistema Bolsonaro”, como classifica a organização, foi responsável por 331 ataques à imprensa no Brasil, um aumento de 5,41% em relação ao segundo semestre de 2020. Na avaliação da RSF, “os ataques do presidente e seus apoiadores contra jornalistas se intensificaram e diversificaram, atingindo às vezes um nível inimaginável de vulgaridade e violência”.
Presidente adotou insultos grosseiros no discurso
O presidente Bolsonaro iniciou o ano de 2021 de modo estrondoso. No dia 27 de janeiro, durante um evento, cercado por apoiadores e falando sobre gastos públicos do governo federal com leite condensado, recomendou aos jornalistas “enfiar as latas de leite condensado no rabo”. Foi ovacionado e aplaudido pela multidão, e sobretudo por seu ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo.
Em 5 de fevereiro, durante sua transmissão semanal no Facebook Live, subiu o tom sobre o mesmo tema, mostrando uma grande lata de leite condensado, segundo ele, “mais adequada para a imprensa fake news”.
Leia também: Bolsonaro entra para lista dos predadores mundiais da liberdade de imprensa, da RSF
No dia 21 de junho, durante viagem ao Estado de São Paulo, o presidente perdeu totalmente a compostura durante entrevista e mandou uma jornalista calar a boca. A profissional da TV Vanguarda, afiliada ao grupo Globo, o questionou sobre ele não estar usando máscara ao chegar ao local de sua visita.
Questionado em 25 de junho sobre suspeitas de fraude pelo governo federal em torno da compra de vacinas contra a Covid-19, mais uma vez perdeu o controle, dirigindo-se à jornalista Victória Abel, da Rádio CBN: “Volta para a universidade, depois para o ensino médio, depois para o jardim de infância, então você pode renascer!”. Na mesma entrevista coletiva, pediu aos repórteres que parassem de fazer perguntas estúpidas.
Os ataques também vieram de outros postos do governo federal. Entre os ministros mais ofensivos, Onyx Lorenzoni, secretário-geral da Presidência da República, e Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, se destacam com, respectivamente, 18 e 7 ataques registrados no período.
No Twitter, quase 80% dos ataques do “sistema Bolsonaro” são contra imprensa
O Twitter continua sendo a plataforma de escolha para as ofensivas do “sistema Bolsonaro”, aponta a RSF, sendo quase 80% desses ataques direcionados à imprensa.
Por sua vez, o presidente consegue limitar sua própria exposição a críticas na plataforma, bloqueando a maioria das contas incômodas que o seguem no Twitter, incluindo a da RSF em português, bloqueada após a publicação do relatório de ataques de 2020.
De acordo com estudo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Bolsonaro é a autoridade pública brasileira que mais bloqueia contas de jornalistas no Twitter.
O presidente foi punido várias vezes pela plataforma em 2020, sobretudo por ter desrespeitado a política da plataforma sobre medidas de isolamento durante a Covid-19.
Lives do Facebook, um palanque sem obstáculos para o presidente
Todas as semanas, do Palácio Presidencial da Alvorada, Bolsonaro fala ao vivo no canal do Facebook da Presidência, por mais de uma hora, sobre assuntos de sua escolha.
Das 24 lives semanais do primeiro semestre de 2021, o presidente atacou frontalmente a mídia em 19 delas. Assim, 58,62% dos ataques de Jair Bolsonaro a jornalistas ocorreram durante essas intervenções ao vivo no Facebook, comparados a 21,84% no Twitter e a 19,54% feitos durante atos e atividades públicas.
Leia também: Rede global lança guia para jornalista montar banco de dados de apoio a investigações; veja dicas
“Nesse espaço, Jair Bolsonaro constrói novas narrativas sobre temas polêmicos. Brinca com os fatos, afirma ‘suas verdades’ e fabrica desinformação para servir aos seus próprios interesses e aos de seu governo, responsabilizando sistematicamente a imprensa por todos os males do país”, afirma a RSF.
As lives de 14 de janeiro e 12 de fevereiro foram apagadas e bloqueadas pelo YouTube, que transmite os vídeos ao vivo, e classificou os comentários de Bolsonaro como desinformação. Em 21 de julho, pelos mesmos motivos, a plataforma decidiu excluir 14 dessas lives de sua plataforma, transmitidas entre 2020 e 2021.
O Brasil ocupa a 111ª colocação no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2021 elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras, tendo entrado para a zona vermelha do índice pela primeira vez. Em 2 de julho de 2021, a RSF incluiu o presidente Bolsonaro em sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.
Leia também
Hoje 50 mil, logo 50 milhões de celulares monitorados, diz Snowden sobre indústria da espionagem