A entrevista histórica dada ontem (17/8) pelo Taleban revelou não apenas os planos do grupo para sua nova temporada no poder no Afeganistão — já chamada por alguns jornais de “Taleban 2.0”.
O encontro com os jornalistas serviu também para revelar pela primeira vez o rosto do porta-voz do grupo, que durante os últimos anos operou sempre nas sombras, apenas como uma voz do outro lado da linha telefônica, a exemplo da entrevista para a BBC no fim de semana.
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Zabihullah Mujahid nunca tinha aparecido em público antes, ou mesmo para uma câmera. Por mais de uma década, ele apareceu na televisão com o rosto oculto. Os jornalistas que já tinham falado com ele não esconderam sua surpresa assim que ele entrou na sala.
Sharif Hassan, repórter do New York Times que cobriu a coletiva em Cabul, foi um dos que tuitou para comentar que era a primeira vez que via a face do porta-voz com quem falara nos últimos anos:
The photo of Zabihullah Mujahid, the Taliban spokesman, who was more responsive and active than the entire team of Ghani’s spokespeople — for over a decade. I have spoken with him & texted him a lot. But this is the first time I am seeing his face. pic.twitter.com/6fzRio6QIU
— Sharif Hassan (@MSharif1990) August 17, 2021
“Eu falei e troquei muitas mensagens com ele. Mas é a primeira vez que vejo sua face.”
Especulações de que porta-voz sem rosto poderia ser mais de uma pessoa
Durante anos, especulou-se que o porta-voz sem rosto poderia ser mais de uma pessoa.
Alguns sugeriram que o homem sentado na frente das câmeras nesta terça-feira parecia muito jovem para ser a mesma pessoa respondendo às perguntas feitas ao longo de quase duas décadas.
Lyse Doucet, principal correspondente internacional da BBC, disse que essas dúvidas já ocorriam há tempos:
“Há anos especula-se que poderia ser um nome inventado, que poderia haver muitos “Zabihullahs” que se revezavam. Agora estamos todos aceitando que este é o Zabihullah Mujahid. Talvez não seja?
Muitos outros repórteres tuitaram sobre a surpresa de conhecer Mujahid, incluindo o veterano jornalista da BBC, John Simpson.
I’ve know the Taliban spokesman at today’s press conference in Kabul for many years. Zabihullah Mujahid is a relatively moderate, pleasant man. But he’s seeking to calm the world’s fears, & he only speaks for one part of the Taliban movement.
— John Simpson (@JohnSimpsonNews) August 17, 2021
Ele disse que se relacionava com o porta-voz havia muitos anos, e que ao vê-lo pela primeira vez o considerou “um homem relativamente moderado e agradável”.
Na entrevista, porta-voz usou cadeira de diretor do governo assassinado pelo Taleban
A coletiva teve vários símbolos. O primeiro deles é que Mujahid estava sentado na cadeira que até recentemente pertencia a Dawa Khan Menapal, diretor do centro de mídia e informação do Afeganistão.
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Menapal foi assassinado por integrantes do Taleban no início deste mês.
Na época, Mujahid confirmou a responsabilidade do grupo e disse que Menapal “foi morto em um ataque especial”.
Primeira resposta na entrevista oficial do Taleban foi dada a uma mulher
Outro fato que chamou a atenção foi Mujahid ter aceitado responder a perguntas dos jornalistas e de que a primeira resposta dele tenha sido dada justamente a uma mulher.
Uma repórter da TV Al-Jazeera quis saber se o Taleban voltaria a trancar as mulheres em casa e impediria as meninas de ir à escola. Em tom suave, o porta-voz respondeu:
https://twitter.com/BBCYaldaHakim/status/1427650062843322379?s=20
“O Emirado Islâmico está comprometido com os direitos das mulheres. Elas são muçulmanas e ficarão felizes em viver dentro de nossa estrutura de Sharia.”
Mas em seguida o porta-voz se inquietou. Um jornalista afegão que disse ter sido torturado pelo Taleban perguntou por que se deveria confiar neles. Foi a hora do representante do grupo radical pedir “mais perguntas” à imprensa internacional.
Repórter da BBC estranha mudança de tom para versão “paz e amor” dos extremistas
Yalda Hakim, da BBC, diz que ficou “chocada” ao ver pela primeira vez o rosto de um homem com quem ela falava há mais de uma década — e principalmente pela mudança de tom para tentar apresentar ao mundo uma nova face amigável dos fundamentalistas religiosos do Taleban.
Hakim diz que esse comportamento é muito diferente das mensagens que costumava receber dele:
“Por anos ele enviou declarações sanguinárias e agora de repente ele é um amante da paz, se senta lá e diz que não haverá represálias? É difícil compatibilizar.”
Na “evolução” do Taleban, há espaço para o perdão aos inimigos
O tom conciliatório permeou a fala de Mujahid. Numa das respostas, ele assegurou que o Taleban não quer inimigos internos ou externos.
Perguntado sobre qual a diferença entre a primeira temporada do grupo no poder e a nova versão 2.0, se ambos seguem a mesma lei religiosa muçulmana centenária, a Sharia, ele respondeu:
“Se a questão é baseada em ideologia e crenças, não há diferença. Mas quando se trata de sabedoria, maturidade e visão, há diferença. É uma espécie de evolução.”
Logo depois de tuitar sobre a surpresa de conhecer a face de Mujahid, o repórter Hassan, do New York Times, considerou muito boa a decisão anunciada pelo porta-voz do perdão do Taleban a todos. Mas perguntou:
Zabihullah Mujahid says the #Taliban have forgiven everyone. A very good decision. But the Q is when will the Taliban ask for forgiveness? They have also harmed a lot of people. Indiscriminate suicide & complex attacks by them have killed & maimed huge no of #Afghans since 2001.
— Sharif Hassan (@MSharif1990) August 17, 2021
“A questão é: quando o Taleban vai pedir perdão?”
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