Em situações sensíveis como a crise do Afeganistão, um passo em falso pode virar um desastre de relações públicas de escala planetária. Ou alçar ao panteão dos heróis da causa aqueles que fazem o movimento correto na hora certa.
A última semana proporcionou exemplos de erros e acertos envolvendo celebridades.
De um lado, a supermodelo e atriz britânica Lily Cole, que abusou da insensibilidade ao publicar no Instagram fotos usando a burca. De outro, a atriz Angelina Jolie, que fez jus ao histórico de engajamento em questões sociais para estrear em grande estilo na plataforma, com posts dedicados à situação das mulheres no país.
O mais novo deles, que entrou no ar nesta quinta-feira (26/8), é um vídeo produzido com a BBC, estrelado pela apresentadora Yalda Hakim (para quem o porta-voz do Taleban ligou enquanto ela apresentava um telejornal e deu uma longa entrevista). O tema é a opressão feminina e as barreiras para que continuem a estudar. Na primeira meia hora, tinha quase 330 mil visualizações. Em menos de 24 horas já contabilizava quase 1,6 milhões.
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Em comum entre Lily Cole e Angelina Jolie, apenas o uso do Instagram. Mas foi diametralmente oposta a forma que cada uma escolheu para associar-se aos acontecimentos no Afeganistão pela rede social.
Lily Cole, insensibilidade
Quando as tropas do Taliban já chegavam a Cabul e crescia o temor pelo fim da liberdade das mulheres no país prestes a voltar ao domínio da lei islâmica Sharia, Lily Cole postou duas fotos vestindo o traje que se tornou símbolo de opressão.
Poderia ter sido um manifesto, mas não foi. A intenção era promover seu novo livro sobre mudanças climáticas, com o convite “vamos abraçar a diversidade em todos os níveis”.
Mesmo que a postagem não tenha tido intenção de pegar carona em um tema em evidência para uma ação de marketing, foi desastrosa por não levar em conta os riscos de reação negativa.
O mais impressionante, porém, foi a lentidão da resposta. Cole levou quatro dias para se desculpar. E, ao fazê-lo, disse que “seu coração se partiu ao ler sobre o que estava acontecendo no Afeganistão”.
A não ser que estivesse vivendo em Marte, é difícil crer que não soubesse o que se passava no país, com a imprensa e as redes sociais falando exaustivamente sobre as projeções sombrias para as afegãs.
Também é surpreendente que tal erro tenha sido cometido por Cole. Diferentemente de muitas modelos que deixam os estudos para seguir carreira, ela graduou-se em História da Arte pela Universidade de Cambridge em 2011. É ativista de causas ambientais.
Conhecimento não lhe falta, nem maturidade, pois tem 33 anos. Mas faltou bom-senso. E talvez um bom assessor de comunicação.
Ela até tentou remediar, postando conteúdo de apoio a mulheres afegãs. Mas não vai ser fácil consertar o estrago.
Angelina Jolie, legitimidade
Já Angelina Jolie acertou a mão. Era uma das poucas celebridades globais fora do Instagram.
O momento de estrear na rede social tão associada a moda, glamour e culto a personalidades foi coerente com as atitudes da atriz, embaixadora da Boa Vontade da Agência de Refugiados da ONU.
A forma também foi irretocável. Ao postar a carta recebida de uma jovem afegã, Jolie disse estar usando seu espaço para dar voz aos que foram impedidos pelo Taleban de se manifestarem pelas redes sociais.
Na carta, intitulada “medo do Taleban, a jovem relata sua apreensão pela possibilidade de as mulheres não poderem mais estudar e trabalhar. Conta que acha que sua escola será fechada. E diz que “seu sonhos se foram”.
A mensagem em que a atriz explica o motivo de ter escolhido a carta de uma menina afegã como primeiro post no Instagram incorporou um dos principais elementos de sucesso em comunicação, senão o principal: legitimidade.
Angelina Jolie falou de suas impressões ao visitar o país duas semanas antes do ataque às Torres Gêmeas, quando conversou com pessoas submetidas ao rigor do Taleban. Nada mais convincente do que a experiência pessoal.
A aprovação da atitude da atriz foi quase unânime. Uma das poucas a questionar o ato foi a escritora paquistanesa Fatima Bhutto, que classificou a tomada de posição de Angelina Jolie como “hipocrisia”, por não incluir também as palestinas e as mulheres oprimidas da Cachemira.
Mas a percepção positiva foi esmagadora. A conta passou de nove milhões de seguidores em três dias. O post inaugural teve mais de 3,6 milhões de likes. Entre os que comentaram estão fãs anônimos e entidades como a Anistia Internacional.
Os dois posts seguintes de Angelina Jolie trataram do drama dos migrantes obrigados a deixar o local onde vivem devido a conflitos, com referência à situação da Etiópia, e a questão das mulheres.
Sinal de que a conta não vai mesmo ser um canal para saber sobre o batom da moda ou a grife usada em uma festa. E vai consolidar a imagem da atriz como uma das que usa sua popularidade para ajudar a melhorar o mundo.
Uma aula de relações públicas de verdade, em todos os sentidos.
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