Londres – A poucas horas de o governo do Reino Unido encerrar a evacuação de funcionários e colaboradores de Cabul, uma reportagem publicada pelo jornal The Times nesta sexta-feira (27/8) expôs falhas graves na proteção dos afegãos que trabalhavam para os britânicos no Afeganistão.
Em uma visita a embaixada na capital na última terça-feira (24/8), o veterano correspondente de guerra Anthony Loyd achou em meio a cinzas de um churrasco uma lista com nomes, endereços e contatos de sete funcionários da representação diplomática, bem como currículos de candidatos a emprego como intérpretes. Ele estava acompanhado de membros do Talibã e não pegou os documentos, mas conseguiu fotografá-los.
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Antes revelar o caso, um furo de reportagem que deve entrar para a história das matérias sobre conflitos, Lloyd tentou contato com os que faziam parte da lista, incluindo um alto funcionário da embaixada.
Ligações feitas para números nos documentos abandonados revelaram que alguns dos listados já tinham sido evacuados para o Reino Unido nos últimos dias. Mas o destino de pelo menos dois candidatos a empregos como intérpretes permanece desconhecido, de acordo com o jornal.
O The Times disse que entregou os detalhes de três funcionários afegãos e seus oito familiares ao Ministério das Relações Exteriores e acertou um prazo de 24 horas antes de a reportagem ser publicada, dando tempo para que o governo evacuasse as famílias em risco.
Na noite de quinta-feira (26/8), o Ministério informou à agência Reuters que havia resgatado três famílias afegãs listadas nos documentos encontrados pelo The Times.
Deixados para trás
A denúncia feita pelo jornalista eleva as pressões sobre a política de retirada de afegãos que nos últimos anos ajudaram as missões estrangeiras virou uma pedra no sapato do Reino Unido e também dos Estados Unidos (EUA), acusados de privilegiarem seus cidadãos e deixarem para trás os colaboradores que agora viraram alvo do Talibã por terem contribuído com as nações ocidentais.
A equipe da embaixada havia sido orientada a fragmentar e destruir todos os dados que pudessem comprometer os trabalhadores locais como parte dos protocolos de evacuação, mas os documentos encontrados pelo repórter atento mostram que isso não ocorreu, deixando os profissionais vulneráveis a represálias do grupo extremista que agora comanda o país.
O Ministério das Relações Exteriores reconheceu o erro e defendeu a equipe, justificando que o abandono da embaixada foi feito “no ritmo da deterioração da situação em Cabul”.
Mas o Comitê de Relações Exteriores do Parlamento anunciou que está abrindo um inquérito sobre a resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros à situação no Afeganistão. O secretário de Relações Exteriores, Dominic Raab, deve ser interrogado por parlamentares em 1º de setembro.
Anthony Loyd
O autor da reportagem, Anthony Loyd, é um premiado correspondente e começou a cobrir conflitos para o The Times na guerra da Bósnia, em 1993. Já recebeu 14 prêmios importantes e foi três vezes nomeado Repórter Estrangeiro do Ano.
Entre sua matérias de grande impacto está uma entrevista com a jovem Shamima Begum, uma das “noivas do Estado Islâmico”, em 2019. Ela estava grávida e fez um apelo para ser perdoada e voltar ao Reino Unido, desencadeando uma crise em torno da política britânica a respeito de pessoas aliciadas por extremistas.
Na reportagem sobre os documentos encontrados no Afeganistão, ele contou que achou-os entre as cinzas de um churrasco no quintal de um prédio de residência da embaixada britânica.
“No início, enquanto eu acompanhava uma patrulha do Talibã pelo do bairro diplomático abandonado de Cabul em busca de um retrato da Rainha, as folhas de papel empoeiradas pareciam comuns em meio à bagunça geral da retirada da embaixada britânica […].
Foi só quando me abaixei para examinar os documentos mais de perto que percebi seu significado. Enquanto a patrulha do Talibã prometia proteger a embaixada e qualquer retrato da Rainha que encontrassem dos saqueadores, os diplomatas britânicos haviam deixado as informações pessoais de alguns de seus funcionários afegãos na embaixada — seus nomes, endereços e números de telefone, bem como aqueles de candidatos a empregos – jogados no chão enquanto a cidade caía nas mãos do Talibã.”
Ele revelou alguns trechos dos currículos, que comprometem a vida de quem os escreveu:
“Um jovem afegão, que se candidatou a um emprego na embaixada neste verão, listando orgulhosamente em seu currículo sua experiência anterior de trabalho para os militares dos Estados Unidos em Helmand, merecia que seu nome, número de telefone e endereço completo fossem deixados pela embaixada para o Talibã para ler?”
E contou como foi o contato com alguns dos afegãos da lista, que expressaram medo e riscos na tentativa de chegar à área ocupada pelos britânicos no aeroporto de Cabul.
Perseguição à mídia
Nos primeiros dias após a tomada de Cabul, em 15 de agosto, o grupo extremista lançou uma operação de relações públicas para tentar reconstruir sua imagem e prometeu não retaliar contra funcionários do governo, soldados e pessoas que trabalharam para governos ocidentais no Afeganistão.
No entanto, a mídia local e ativistas relataram que o Talibã conduziu buscas domiciliares e prendeu jornalistas e afegãos que trabalhavam com governos estrangeiros.
A mídia internacional também noticiou que o Talibã apreendeu equipamentos de identificação biométrica e softwares deixados pelas tropas dos EUA e os estava usando para identificar aliados afegãos dos americanos no país.
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