Mais de 60 entidades defensoras dos direitos humanos e das liberdades de expressão e de imprensa dirigiram ao Governo Real do Camboja um manifesto conjunto questionando a eficácia da Instituição Nacional de Direitos Humanos (INDH) que o país pretende criar.
A declaração admite que uma nova INDH é necessária para investigar os abusos frequentes no país. Mas dizem não confiar que o modelo proposto pelo governo seja independente, eficaz e confiável.
“Nós pedimos ao governo que priorize a reparação da situação dos direitos humanos no Camboja antes de estabelecer a nova INDH, para garantir que sua criação seja motivada por um interesse genuíno em proteger direitos humanos.”
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No início de agosto, o Camboja anunciou um comitê para “promover a ética do jornalismo e os padrões profissionais” na imprensa local.
A medida, porém, foi vista de forma negativa por entidades defensoras da liberdade de imprensa, pela possibilidade de o painel ser utilizado para intimidar e repreender a cobertura crítica ao primeiro-ministro Hun Sen.
O Camboja é uma monarquia constitucional. O Poder Executivo é exercido pelo governo real, em nome e com o consentimento do monarca, Norodom Sihamoni, que ocupa o trono desde 2004. O governo é constituído pelo Conselho de Ministros, chefiado pelo primeiro-ministro.
O Partido do Povo Cambojano tem dominado o cenário político desde os confrontos armados de 1997 na capital, Phnom Penh.
Opressão a jornalistas e ativistas
O texto do manifesto contra o novo órgão acusa a nova instituição de entrar em contradição com a situação política e social do Camboja, considerando que o governo “fere os direitos humanos, com opressão a jornalistas, a defensores dos direitos humanos e a políticos da oposição”.
As entidades acreditam que o anúncio da nova INDH serve mais como uma jogada de relações públicas do como uma medida que de fato prioriza os direitos humanos:
“Estamos preocupados que, no contexto atual, o estabelecimento de uma INDH seja um mero exercício de relações públicas, destinado a aplacar críticas e condenações internacionais do histórico negativo do Camboja em direitos humanos.”
Nova instituição deveria seguir acordos internacionais sobre direitos, diz manifesto
O texto explica também que, ao instaurar uma INDH, é preciso seguir os princípios dos Acordos de Paris, assinados em 1991 com o objetivo de acabar com a guerra civil iniciada em 1979 depois da invasão vietnamita, que colocou em lados opostos as forças do governo do Camboja e o Khmer Vermelho e outras facções da Resistência Nacional do Camboja.
Estes acordos foram assinados por representantes de 19 países e membros das diferentes facções cambojanas. Entre os princípios estabelecidos está a independência de entidades responsáveis pela manutenção da democracia. Segundo o manifesto, isso não vem ocorrendo no Camboja:
“Todas as instituições que deveriam ser independentes acabaram sendo inativas ou completamente controladas pelo governo, fazendo supor que a nova INDH venha a ter o mesmo destino”.
O primeiro esboço da nova Instituição Nacional de Direitos Humanos foi proposto em 31 de maio. Uma reunião foi realizada para debater a proposta, com a presença e contribuição de membros do Comitê de Direitos Humanos do Camboja (CHRC).
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), uma das signatárias do manifesto, declarou que o governo deve primeiro resolver as questões internas sobre direitos humanos antes de de implementar o novo órgão.
“A IFJ pede que o Camboja trate das questões de direitos humanos e de liberdade de imprensa, a fim de garantir que os direitos dos cidadãos cambojanos sejam respeitados agora e no futuro.”
A declaração foi assinada por organizações como Associação Cambojana de Jornalistas, Instituto Cambojano para a Democracia, Centro Cambojano da Mídia Independente e Associação Cambojana para o Desenvolvimento e Direitos Humanos.
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