Londres – O grupo editorial alemão Axel Springer assinou um acordo para adquirir por cerca de US$ 1 bilhão o Politico, veículo especializado nos bastidores do poder que se tornou uma das fontes de notícias mais influentes do mundo. Mas como a publicação, fundada em 2007 em Washigton pelo empresário de mídia Robert Allbritton chegou a valer tanto em tão pouco tempo?
O Politico é apontado como a publicação que redefiniu o jornalismo político na internet. Ele surgiu no momento em que as notícias digitais começavam a ganhar força e soube acompanhar a sua evolução, ao mesmo tempo em que inseriu novidades que fizeram o setor evoluir.
Com a rapidez digital, o Politico se diferenciava pela velocidade e pelos furos. E a maioria das primeiras reclamações que recebeu, lembra Joshua Benton em artigo no Niemann Lab, eram contra sua obsessão por novidades durante 24 horas e com notícias de última hora o dia todo! Além disso, a publicação introduziu os resumos matinais enviados por e-mail. Iniciativas que soam familiares hoje em dia?
Na última década, é inegável que o jornalismo político tradicional foi se aproximando do modelo inaugurado pelo Politico. Muitas das startups de notícias que o seguiram carregam uma quantidade do DNA do Politico, sendo o Axios o exemplo mais óbvio. E o modelo se espalhou também para as redações dos veículos tradicionais, com a contratação de ex-funcionários do Político.
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Negócio cresceu durante a pior década para o negócio de notícias
Apesar de tudo, a publicação não é uma unanimidade. No artigo do Niemann Lab, Joshua Benton enfatiza que muitos odeiam a publicação por representar o pior que a Internet fez com as notícias, enquanto outros (entre os quais se inclui) a amam e reconhecem seu valor, conforme destacou:
“Você tem que aplaudir uma empresa de notícias que pode empregar bem mais de 300 jornalistas fazendo um trabalho de qualidade e construir um negócio que vale mais de US$ 1 bilhão durante a pior década da história moderna para o negócio de notícias tradicionais.”
Grupo comprador já detinha 50% do Politico Europe
A Axel Springer já detinha 50% do controle da operação europeia desde 2014. No ano seguinte, chegou a oferecer US$ 250 milhões para comprar a operação global, mas a oferta foi recusada.
Com a nova investida e a oferta quadruplicada, a aquisição foi finalmente anunciada nesta quinta-feira (26/8), incluindo o site de notícias de tecnologia Protocol.
O fundador Robert Allbritton continuará como editor do Político e do Protocol, que permanecerão separados das marcas Insider e Morning Brew, as outras de propriedade da Axel Springer nos Estados Unidos.
Allbritton disse que a “aventura com o Politico foi a jornada de uma vida”, ao responder pelo Twitter às congratulações de John Harris, editor que ele tirou do Washington Post para começar o Politico e trabalha com ele desde 2007:
Além de um bilhão de motivos financeiros, Allbritton atribuiu a decisão de vender o Politico às maiores chances que a publicação terá para crescer associada a uma empresa global como a Axel Springer. E não dispensou elogios aos compradores:
“Propriedade é uma questão de responsabilidade e as chances de crescer são maiores do que comigo como proprietário de uma empresa familiar. E de certa forma, eles são mais americanos do que a maioria dos americanos hoje em dia. São a favor da liberdade de imprensa e abertamente pró-aliança transatlântica.”
Quem é o grupo que comprou
A Axel Springer é uma empresa de mídia e tecnologia sediada em Berlim. Com operações em mais de 40 países, tem mais de 16 mil funcionários distribuídos pelo mundo. O grupo começou como uma organização de mídia impressa tradicional e se transformou na empresa digital líder na Europa.
A parceria com o POLITICO em joint ventures começou em 2014, quando as duas empresas lançaram o POLITICO Europe. A publicação com sede em Bruxelas tornou-se desde então uma fonte indispensável de informação na EU. O sucesso provocou o aumento contínuo tanto da redação como das receitas, que mantêm a operação lucrativa desde 2019.
A Axel Springer atua no ramo das notícias (com títulos como Insider, Welt e Bild, o jornal mais lido da Alemanha) e também no de portais de classificados (com marcas como StepStone Group e AVIV Group). A meta anunciada é a de se tornar líder do mercado global em conteúdo digital e classificados digitais.
No começo, edição impressa para quem não acessava notícias online
Qual foi um dos problemas que um site de notícias sobre política teve que enfrentar em 2007? As pessoas que detinham o poder na política ainda não estavam passando seus dias online. Então o Politico foi lançado com uma edição impressa, distribuída em Washington – e ainda a mantém em 2021.
Além de servir para tornar a marca conhecida nos bastidores do poder, a edição impressa gerou uma receita inicial que ajudou no início da trajetória até a consolidação do digital.
Mais de um ano após o lançamento, quando o Politico já estava tendo grande sucesso de audiência online, a edição impressa ainda respondia por 60 por cento de sua receita total.
Aposta em boletins matinais por email
Em junho de 2007 a publicação lançou o Politico Playbook, um boletim matinal enviado por e-mail, que prometia “uma espiada útil nas notícias que chegam todos os dias”. Seu formato já se parecia muito com as newsletters enviadas atualmente. Não demorou muito para que o Playbook se tornasse o e-mail que movimentava a Casa Branca, consolidando o sucesso do Politico.
Pensar em um boletim informativo como um produto editorial distinto e autônomo ainda não era muito comum naquela época, e a ideia permanece até hoje como uma das ferramentas mais comuns utilizadas por qualquer dos atuais editores de notícias.
Em 2010, o pulo do gato: o lançamento do Politico Pro
O Politico (que nos primórdios chamava-se The Politico) começou como um site de conteúdo gratuito, e, ao contrário da maioria dos sites de notícias que oferecem reportagens políticas de alto nível nos Estados Unidos, não passou a cobrar pelo acesso ao conteúdo, como passaram a fazer o New York Times, o Washington Post ou o Wall Street Journal.
Numa das melhores análises sobre o sucesso da publicação, Joshua Benton destacou no Niemann Lab que a empresa preferiu lançar em 2010 o Politico Pro.
Em vez de cobrar um valor pequeno de todos os leitores como fizeram os concorrentes, a empresa preferiu lançar em 2010 o Politico Pro, e passou a cobrar um valor bem alto de pessoas com mais dinheiro para gastar, como grupos comerciais, lobistas, empreiteiros e bancos.
Com atualizações frequentes de alto valor, minuto a minuto, a assinatura premium levou o Politico a um outro patamar. Uma pequena fração dos leitores capazes de pagar pelo serviço passou a responder por metade de toda a receita da publicação.
Expansão com compra de outras publicações
Não demorou para que o Politico passasse a comprar editoras menores alinhadas com seu produto principal. Em 2013, comprou a Capital New York para tentar chegar a Nova York e aos mercados de finanças e mídia.
No ano seguinte, comprou um site chamado European Voice (em parceria com o grupo Axel Springer), que tornou-se o ponto de partida para o que se tornaria o Politico Europe.
E em 2020 comprou a E&E News, voltada para a cobertura de energia e meio ambiente, que se encaixa bem em seu modelo Pro.
Também se expandiu geograficamente, tanto no exterior (além da Europa, com uma nova franquia no Canadá) e nos estados (Califórnia, Flórida, Nova Jersey, Nova York, Illinois, Massachusetts), embora nem todas essas iniciativas tenham funcionado.
Lucro dez vezes maior por ter começado do zero
No ano anterior ao lançamento do Politico, em 2006, seu fundador Robert Allbritton chegou a considerar a compra de um veículo já existente em Washington, o The Hill. O preço pedido de US$ 40 milhões, porém, fez com que Allbritton optasse por construir uma nova publicação do zero.
Coincidentemente, o anúncio da venda das duas publicações aconteceram neste mês de agosto. Na semana passada, o The Hill foi vendido por US$ 130 milhões.
Caso tivesse optado pela compra do The Hill, Allbritton teria lucrado US$ 90 milhões na operação. Começando do zero, vai lucrar mais de dez vezes com a opção escolhida. Não é só do mundo da política que Allbriton entende.
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