No momento em que a União Europeia discute regulamentações mais rígidas para as empresas de tecnologia, um estudo feito por dois institutos especializados em relações governamentais e transparência demonstrou que o lobby das Big Tech já é o que mais gasta para influenciar as decisões políticas na região.
Google, Facebook e Microsoft são as empresas que lideram os investimentos.
O relatório mostra que os gastos da indústria digital com o lobby europeu atingiram o recorde histórico de 97 milhões de euros (R$ 600 milhões) por ano. A quantia é maior do que a aplicada por setores como farmacêutico, automotivo e financeiro.
O cálculo do valor foi feito no estudo ‘A rede de lobby, a rede de influência das Big Tech na UE’ assinado por dois institutos especializados no tema, o Corporate Europe Observatory e o LobbyControl.
Margarida Silva, investigadora do Corporate Europe Observatory, manifestou preocupação com os altos volumes investidos:
“De uma perspectiva democrática, esses imensos orçamentos de lobby são preocupantes.
Eles têm um objetivo: resistir a quaisquer regras que possam afetar o modelo de negócios e as margens de lucro das Big Tech.”
Leia também
Esforço é liderado por dez empresas
O estudo mapeou 612 empresas, grupos e associações empresariais que fazem lobby ativo, em maior ou menor escala, para influenciar as novas políticas de economia digital da União Europeia.
Os resultados demonstram que os esforços são liderados por apenas dez empresas, que juntas respondem pela terça parte (€ 32 milhões) do gasto total do lobby de tecnologia.
As principais são Google, Facebook, Microsoft, Apple, Huawei, Amazon, IBM, Intel, Qualcomm e Vodafone. As três primeiras são que mais têm investido, superando a marca de US$ 5 milhões cada uma.
Uma comparação dos gastos com lobby das 10 maiores empresas de diferentes setores mostra que as Big Tech agora já têm mais poder de lobby na União Europeia do que qualquer outro setor.
Poder do lobby pode diluir propostas em andamento
O aumento de pressão ocorre em meio às discussões do Digital Services Act (DSA) e do Digital Markets Act (DMA) que buscam limitar o poder das Big Tech na União Europeia. Max Bank, porta-voz da LobbyControl, alertou:
“A indústria digital está em pé de guerra contra as regulamentações da União Europeia, que são necessárias para limitar o poder de mercado excessivo das Big Tech. E seu poder de lobby concentrado ameaça diluir essas propostas.”
Leia também
Maioria das reuniões dos que decidem foi com lobistas das Big Tech
O estudo comprova que o lobby das Big Tech vem dando resultado, garantindo acesso privilegiado aos funcionários de alto nível à frente das regulamentações.
Os pesquisadores demonstraram que das 270 reuniões realizadas por esses funcionários com poder de decisão desde novembro de 2019, a grande maioria delas delas (75%) foram com lobistas a serviço das Big Tech.
Várias decisões já impactadas
O mapeamento mostra que no ano passado o lobby das Big Tech conseguiu impactar várias decisões da União Europeia relacionadas à economia digital.
Entre as normas impactadas, os pesquisadores incluem o Regulamento Geral de Proteção de Dados, a Diretiva de Privacidade Eletrônica , a Diretiva de Direitos Autorais e uma proposta de Lei de Inteligência Artificial, ainda em andamento.
Leia também
Influência também por meio de associações e terceiros
As dez gigantes tecnológicas que dominam o lobby digital europeu também se organizam coletivamente em associações empresariais, que desempenham papel destacado no jogo de influência.
Essas associações, que fazem lobby em nome das dez Big Tech têm um orçamento que ultrapassa o gasto de lobby de 75% das empresas digitais menores somadas.
O lobby das Big Tech também financia uma ampla rede de terceiros para divulgar suas mensagens, incluindo grupos de reflexão, pequenas e médias empresas, start-ups e consultorias jurídicas e econômicas.
Esses fluxos de financiamento na maioria das vezes não são divulgados, encobrindo conflitos de interesse e dificultando a identificação do valor total investido.
Empresas norte-americanas são as protagonistas
Os pesquisadores demonstraram que os maiores protagonistas dessa batalha de influência na economia digital europeia são as empresas norte-americanas.
Do total de empresas fazendo lobby ativo na União Europeia, pelo menos 20 por cento têm sede nos Estados Unidos, enquanto menos de 1 por cento têm escritórios na China ou em Hong Kong.
Narrativas apelam para inovação e ameaças geopolíticas
O estudo demonstra que o lobby acompanha a narrativa atual das Big Tech de apoiar ostensivamente as novas regras – mas apenas aquelas cuidadosamente selecionadas pela indústria, utilizando como argumentação o cuidado para que não se sufoque a inovação.
Em seguida, combinam essa abordagem com tentativas de reformular as propostas indesejadas como uma ameaça, não para seus próprios lucros, mas para os consumidores e para a sobrevivência das pequenas e médias empresas do setor.
Como última tática, o lobby busca despertar temores geopolíticos, alertando que a regulamentação a que se opõe fará com que a Europa fique atrás dos Estados Unidos e, acima de tudo, da China.
Margarida Silva, do Corporate Europe Observatory, alerta para os riscos dessas narrativas:
“Os esforços para regular a economia digital têm o potencial de oferecer uma Internet melhor. É crucial que vozes independentes se envolvam, para garantir que o lobby das Big Tech não consiga moldar o futuro da tecnologia”.
Leia também
Poder das “Big Techs” é uma das quatro maiores ameaças à democracia, mostra estudo global