Pode não servir de consolo, mas para quem reclama da polarização da sociedade brasileira, é bom saber que não estamos sozinhos. E que a pandemia está deixando um legado de divisões profundas até em países politicamente estáveis. 

Um estudo feito pelo instituto americano Pew Research Center constatou que seis em cada dez pessoas de 17 países desenvolvidos − o Brasil não está entre as nações pesquisadas − relataram que as divisões nacionais pioraram desde o início do surto.

Em 12 dos 13 países examinados, o sentimento de divisão aumentou significativamente entre 2020 e 2021 − em alguns casos em mais de 30 pontos percentuais. Ao todo, 61% das pessoas pesquisadas acreditam que estão mais divididas por diferenças de pensamento. Apenas 34% sentem-se mais unidas.

Americanos são os mais divididos

O estudo demonstra que adequar o discurso público e corporativo ao que pensa a “maioria” é um sonho cada vez mais distante. O trabalho é baseado em mais de 18 mil entrevistas feitas entre fevereiro e maio. 

A desunião maior foi encontrada nos Estados Unidos: 88% dos americanos dizem que estão mais divididos do que antes da pandemia, a maior proporção que sustenta essa opinião em todos os lugares pesquisados. A maioria dos canadenses também afirmou que seu país está mais polarizado.

Na Europa, a maioria em sete das nove nações pesquisadas disse que a sociedade está mais polarizada do que antes do coronavírus.

A discórdia é maior na Holanda, Alemanha e Espanha, onde cerca de oito em cada dez relataram mais divisão. Já na Suécia e no Reino Unido, cerca de quatro em cada dez acreditam que estão mais unidos do que antes do surto, segundo o Pew.

A Asia é a região onde a união se demonstrou maior, com Singapura liderando o ranking. 

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Covid, motivo de discórdia 

O estudo aponta que as divisões se manifestam na forma como as pessoas veem as limitações sociais que enfrentaram durante a pandemia, como ordens para ficar em casa ou para usar máscaras

No geral, cerca de quatro em cada dez expressam a opinião de que o nível de restrições à atividade pública tem sido razoável. Uma parcela quase igual acredita que deveria haver mais restrições para conter o vírus. Uma minoria  acha que deveria haver menos restrições.

Na região da Ásia-Pacífico, 63% do público acha que as restrições à atividade social foram na medida certa. Na América do Norte e  Europa Ocidental, por outro lado, as pessoas acreditam com mais frequência que as restrições não foram suficientemente amplas.

O estudo revelou que ideologicamente, na maioria das nações, aqueles que se identificam à direita do espectro político são mais propensos do que aqueles à esquerda a condenar restrições para conter o vírus.

Nos EUA, 52% dos conservadores são contra medidas de controle; apenas 7% dos liberais dizem o mesmo.

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O estudo apontou também avaliações mistas das implicações econômicas da pandemia. Em média,  46% dos entrevistados afirmaram que sua economia está se recuperando dos efeitos do surto do coronavírus, demonstrando força de seu sistema econômico. 

Mas uma proporção quase igual acredita que as dificuldades de recuperação da economia expõem os pontos fracos de sua economia como um todo. Essa visão negativa é mais prevalente entre aqueles que queriam menos restrições durante a pandemia.

Covid e política 

A divisão aprofundada pela pandemia refletiu-se na inclinação política. A pesquisa do Pew associa a visão sobre as medidas de isolamento social ao apoio maior a partidos de direita.

Na Holanda, 42% dos entrevistados com opiniões favoráveis sobre o partido de direita Fórum para a Democracia (FvD) dizem que deveria ter havido menos restrições à atividade pública durante o surto de coronavírus. Apenas 17% das pessoas com visões desfavoráveis em relação ao FvD compartilham dessa opinião.

Divisões semelhantes aparecem entre apoiadores e não apoiadores da Alternativa para a Alemanha, Lega e Forza Italia, na Itália, Vox, na Espanha, Partido pela Liberdade, na Holanda, Democratas, da Suécia, Solução, na Grécia, e Reforma, no Reino Unido.

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A “Lua de Mel” de 2020 acabou 

O Pew Center comparou as opiniões de 2021 com as de uma pesquisa semelhante feita em 2020, logo após o início da pandemia, e percebeu que a percepção sobre a forma como os governos lidaram com a crise piorou na maioria dos países.

Na Alemanha, a proporção de alemães que afirmam que seu país fez um bom trabalho no tratamento do surto de coronavírus caiu 37 pontos percentuais, de 88% em julho de 51% em maio de 2021. As avaliações positivas também caíram dois dígitos na Holanda, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Itália, França, Bélgica e Espanha.

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O Reino Unido, que implementou uma das campanhas de vacinação mais rápidas do mundo, é o único lugar onde as classificações melhoraram. Em 2020, 46% dos britânicos avaliaram positivamente sua resposta nacional; na pesquisa deste ano 64% o fizeram. 

A confiança econômica está relacionada à forma como as pessoas avaliam o modo como seu país está lidando com a pandemia. Em todos os públicos pesquisados, aqueles que pensam que a situação econômica atual é boa têm mais probabilidade de dizer que a resposta de sua sociedade à Covid-19 tem sido boa. 

O inverso também é verdadeiro: aqueles que pensam que a situação econômica atual é ruim também tendem a avaliar sua resposta nacional negativamente. Essa diferença é mais ampla na Grécia, onde 92% dos que afirmam que a situação econômica atual é boa e 48% dos que afirmam que a situação econômica atual é ruim avaliam a resposta do coronavírus grego positivamente, uma diferença de 44 pontos percentuais.

Número de mortes afetou percepção

O Pew Center identificou uma forte relação entre a avaliação sobre a gestão da pandemia e o número de mortes relacionadas ao vírus no país.  

Singapura, Nova Zelândia e Taiwan registraram, cada um, menos de 100 mortes por Covid-19 (em 15 de maio de 2021). Esses países registraram algumas das avaliações mais positivas das resposta à pandemia, com mais de nove em cada dez pessoas afirmando que sua sociedade fez um bom trabalho ao lidar com o surto. 

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Na outra ponta do espectro, os Estados Unidos sofreram mais de meio milhão de mortes em meados de maio, quando parte das entrevistas da pesquisa foi realizada. Menos da metade dos americanos disse que seu país fez um bom trabalho na gestão da crise de saúde pública. 

O impacto na vida real 

 

O estudo do Pew constatou o que muitos sentem na pele: uma média de 65% dos entrevistados em 17 países afirma que suas vidas mudaram muito ou bastante como resultado do surto de coronavírus, variando de 33% na Nova Zelândia a 87% na Coréia do Sul.

Cerca de sete em cada dez americanos e canadenses acreditam que a pandemia mudou suas vidas pelo menos um pouco, enquanto cerca de três em cada dez dizem que suas vidas não mudaram muito ou nada. 

Entre os nove públicos europeus pesquisados, uma média de 65% afirma que suas vidas mudaram. A maioria desses nove públicos tem essa opinião, incluindo mais de oito em cada dez na Grécia. Já na Alemanha, 43% acham que a vida não mudou muito. 

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As respostas ao impacto do surto na vida das pessoas são mais variadas entre os seis públicos da Ásia-Pacífico incluídos na pesquisa. Menos de quatro em cada dez na Austrália e na Nova Zelândia acreditam que a pandemia mudou suas vidas, mas a maioria em Taiwan, Singapura, Japão e Coréia do Sul dizem que suas vidas foram afetadas.

Dois países se destacaram pela percepção de relativamente poucas mudanças como resultado da pandemia: Austrália e Nova Zelândia. Isso pode ser explicado pelo fato de que durante o período em que as entrevistas foram feitas,  ambos tinham aberto suas fronteiras, permitindo viagens sem quarentena.

A percepção de que a vida não mudou muito durante a pandemia cai drasticamente fora da Austrália e da Nova Zelândia. A segunda maior parcela a sustentar essa opinião são os alemães (43%).

Os jovens são os mais afetados pelas transformações, segundo a pesquisa. 

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Preço a pagar

No jornalismo e na comunicação, essa polarização tem consequências. Ataques a organizações sérias e a jornalistas idôneos pelos que discordam da cobertura dos fatos, no estilo “mate o mensageiro”, viraram caso de polícia. Redações e jornalistas passaram a ser atacados em países europeus. 

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Os ataques deterioram a confiança na mídia em escala global. Para profissionais de marketing e comunicação, cuidados redobrados ao planejar ações de propaganda ou de relações públicas não têm sido suficientes, a julgar pela quantidade de reações negativas a campanhas cheias de boas intenções.

Um exemplo recente é o do comercial estrelado por Beyoncé e Jay-Z para a grife Tiffany.

Tudo parecia perfeito: um quadro do artista socialmente engajado Jean-Michel Basquiat ao fundo, ela a primeira negra a usar o famoso diamante Tiffany celebrizado no pescoço de Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo.

Mas a cantora e a marca viraram alvo de ataques por ativistas desconfortáveis com o endosso a uma joia associada à escravidão.

A pandemia está demorando a ir embora − há quem diga que nunca irá de vez. Mesmo que vá, é provável que as rupturas por ela causadas persistam.

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