A liberdade de expressão no Egito está sendo posta à prova em um caso envolvendo o jornalista Hossam Bahgat. Ele pode pegar dois anos de prisão por um tweet postado em dezembro passado, criticando o ex-presidente da Autoridade Eleitoral Nacional do Egito e acusando-o de corrupção durante as eleições parlamentares.

O julgamento de Baghat foi marcado esta semana para novembro. Ele é acusado de insultar a instituição, espalhar notícias falsas e usar indevidamente as mídias sociais. 

Se condenado, ele pode ainda ter que pagar uma multa de 500 mil libras egípcias (cerca de R$ 168 mil), de acordo com a lei de crimes cibernéticos. Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), o fato de Bahgat já ter sido encaminhado para julgamento é incomum pela celeridade, pois nos últimos dez anos o Egito prendeu jornalistas por meses e até anos enquanto aguardavam julgamento. 

Não é a primeira vez que Bahgat enfrenta problemas legais. Em 2011, o jornalista, que é diretor executivo da Iniciativa Egípcia para Direitos Pessoais, foi acusado de receber financiamento estrangeiro ilegalmente. Em 2016, um tribunal do Cairo congelou os ativos de Bahgat e o proibiu de viajar.

Em 2015, o jornalista foi preso por três dias, acusado de disseminar fake news.  Ele havia publicado uma reportagem para o site Mada Masr sobre o julgamento militar de oficiais egípcios acusados de planejar a derrubada do governo. Bahgat enfrenta acusações de ambos os casos até hoje, demonstrando os riscos à liberdade de expressão no país. 

O pais está em 166º lugar no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres sem Fronteiras. 

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O CPJ conversou com o jornalista antes do julgamento. Ele falou sobre os desafios que os profissionais de mídia enfrentam no Egito e a situação da liberdade de imprensa no país. 

A entidade perguntou por que o jornalista manteve online o post que gerou todo o processo. Bahgat acredita que não tenha violado nenhuma regra, mas está mais cauteloso no que se refere a redes sociais.

Segundo o jornalista, as autoridades egípcias utilizam tweets antigos contra os profissionais de imprensa para abrir processos, ameaçá-los e desencorajar parcerias econômicas. 

Bahgat destaca que o tweet, apesar de não ter violado nenhuma lei, “provocou os responsáveis ​​da Autoridade Eleitoral Nacional”. 

“Ficou claro que se trata de uma decisão política de cima, e não apenas uma ordem judicial de um Ministério Público Estadual que apura um caso. Minha única explicação para isso é que as autoridades querem me enviar uma mensagem ou me punir por minhas atividades no jornalismo e nos direitos humanos.”

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“Qualquer um segurando uma câmera corre riscos”

Para o jornalista, o trabalho da imprensa egípcia tem sido muito difícil nos últimos anos. Ele destaca que “hoje em dia, qualquer pessoa que seja vista segurando uma câmera corre riscos”.

Além disso, as reportagens de campo estariam expondo jornalistas a grandes riscos: “Muitos foram presos enquanto cobriam eventos. Mesmo as fontes, incluindo funcionários, têm medo de falar publicamente”, diz Bahgat. 

O jornalista explica também que a mídia enfrenta a ausência de uma lei que garanta o direito de acesso à informação, grandes dificuldades econômicas pelas quais as organizações de imprensa passam atualmente, e o enfraquecimento do sindicato dos jornalistas nacionais, principalmente em relação à proteção dos profissionais.

“Hoje, cada passo dado em direção à produção de jornalismo independente no Egito se tornou muito difícil, senão impossível.”

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O repórter conta que, no Egito, é muito comum que jornalistas sejam colocados em prisão preventiva sem serem condenados por qualquer crime, enquanto aguardam julgamento. Por conta disso, o país se tornou um dos piores carcereiros da liberdade de imprensa no mundo, segundo o CPJ.

A chamada “política da porta giratória” também é uma forma de garantir que jornalistas e presos políticos nunca saiam da prisão, diz Bahgat.

“Isso significa que as autoridades podem apresentar acusações adicionais contra as pessoas detidas, para estender sua prisão preventiva enquanto se aguarda as investigações dessas novas acusações.”

O maior desafio aos jornalistas no Egito, segundo Bahgat, é a falta de publicações independentes onde a imprensa possa publicar seus trabalhos, capazes e dispostas a compartilhar conteúdos “poderosos”, que desafiam as autoridades.

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Ele lembra o bloqueio seletivo a sites malvistos pelo governo, prática vigente no país há vários anos, o que “desencoraja muitos jornalistas a perseguir pautas e investigações para notícias”.

Hossam Bahgat atuou como jornalista de 1998 a 2002, quando migrou para o setor de direitos humanos. Em 2013, voltou a fazer jornalismo, publicando frequentemente no Mada Masr, um dos sites de notícias bloqueados no Egito.

Seu foco é o jornalismo político e investigativo, abordando questões como processos militares e corrupção no governo. 

“Meu trabalho é conhecido porque tento investigar certos assuntos dos quais os jornalistas costumam ser alertados para ficarem longe”, diz Bahgat. “O estado da liberdade de imprensa no Egito é muito pior do que era em 2013 (ano em que um golpe de Estado derrubou o presidente Mohamed Mursi), por isso não é tão fácil publicar qualquer coisa”.

Um dos maiores carcereiros do mundo para jornalistas 

Em seu relatório anual que mede a liberdade de imprensa no mundo, a organização Repórteres sem Fronteiras classificou a situação no Egito de “cada vez mais alarmante”.

“O país é agora um dos maiores carcereiros de jornalistas do mundo, com alguns passando anos detidos sem serem acusados ​​ou julgados, e outros sendo condenados a longas penas de prisão ou mesmo prisão perpétua em julgamentos iníquos em massa.

Desde que o general Abdel Fattah el-Sisi tomou o poder em um golpe em 2013, um processo de “sisificação” está em andamento na mídia. O governo empreendeu uma caça às bruxas contra jornalistas suspeitos de apoiar a Irmandade Muçulmana e comprou os maiores grupos jornalísticos, a ponto de agora controlar todo o panorama da mídia e impor uma repressão completa à liberdade de expressão.
 
Segundo a RSF, a Internet é o único lugar onde as informações independes podiam circular, mas mais de 500 sites foram bloqueados desde o verão de 2017, incluindo muitos sites de notícias, e cada vez mais pessoas estão sendo presas por causa de suas postagens nas redes sociais, como o caso de Bahgat.

“Muitos meios de comunicação foram forçados a fechar porque não conseguiram sobreviver economicamente depois de serem privados de visibilidade online. Um arsenal legislativo draconiano representa uma ameaça adicional à liberdade da mídia.

Segundo uma lei contra o terrorismo adotada em agosto de 2015, os jornalistas são obrigados, por motivos de segurança nacional, a relatar apenas a versão oficial dos ataques “terroristas”. Em 2018, novas leis de crimes cibernéticos e mídia consagraram o controle do governo sobre a mídia e possibilitaram processar e prender jornalistas e fechar sites para compartilhar informações on-line relatadas de forma independente.”

A organização afirmou que mídia estrangeira também é visada, com artigos sendo bloqueados online ou atacados por autoridades, e repórteres sendo expulsos ou proibidos de visitar o Egito.

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