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Facebook rebate críticas por sigilo sobre pesquisas internas mostrando danos do Instagram a jovens

Foto: Nghia Nguyen/Unsplash

Londres – Quatro dias depois de o Wall Street Journal ter revelado trechos de pesquisas internas do Facebook constatando impacto negativo sobre a imagem corporal e sobre o bem estar emocional de jovens no Instagram, o vice-presidente de assuntos globais da plataforma publicou neste sábado (18/9) um post em seu blog criticando duramente o jornal americano. 

Nick Clegg, um ex-político de expressão no Reino Unido, que em 2018 assumiu a área de assuntos governamentais da rede social e radicou-se nos Estados Unidos, disse ser “absolutamente falso” que o Facebook conduza pesquisas e depois ignore-as sistemática e deliberadamente se as descobertas forem inconvenientes para a empresa”. 

As revelações feitas pelo Wall Street Journal, que repercutiram em todo o mundo, referem-se a pesquisas internas realizadas nos últimos dois anos. Um dos slides visto pelo jornal dizia: “tornamos os problemas de imagem corporal piores para uma em cada três adolescentes”. 

Em seu comunicado, Clegg diz: 

Nick Clegg (foto: Twitter)

“Muito se falou sobre o Facebook esta semana. Artigos publicados pelo Wall Street Journal enfocaram algumas das questões mais difíceis que enfrentamos como empresa – desde moderação de conteúdo e desinformação de vacinas até distribuição algorítmica e bem-estar dos adolescentes. 

Essas são questões sérias e complexas e é absolutamente legítimo sermos responsabilizados pela maneira como lidamos com elas. Mas essas reportagens contém caracterizações errôneas deliberadas do que estamos tentando fazer e conferem motivos incrivelmente falsos à liderança e aos funcionários do Facebook.  “

Ele reclamou da “escolha de citações seletivas de pedaços individuais de material vazado de uma forma que apresentou questões complexas e matizadas como se houvesse apenas uma resposta certa”. 

E procurou relativizar as sugestões de que o Facebook não teria tomado atitudes para minimizar os problemas apontados pelos estudos.

Clegg defendeu que algumas ideias de correção podem gerar resultados piores. E que o fato de que nem toda ideia que um pesquisador levanta é posta em prática “não significa que as equipes do Facebook não estão continuamente considerando uma série de melhorias”.

“Ao mesmo tempo, nenhum desses problemas pode ser resolvido apenas pelas empresas de tecnologia, e é por isso que trabalhamos em estreita parceria com pesquisadores, reguladores, legisladores e outros”, disse o vice-presidente. 

Nick Clegg procurou ainda minimizar o impacto das conclusões dos estudos internos, argumentando que a comunidade de pesquisa ainda não tem uma visão estabelecida sobre a interseção entre mídia social e bem-estar.

“A verdade é que a pesquisa sobre o impacto da mídia social nas pessoas ainda é relativamente incipiente e está evoluindo, e a própria mídia social está mudando rapidamente. Alguns pesquisadores argumentam que precisamos de mais evidências para entender seu impacto sobre as pessoas. 

Cada estudo tem limitações e ressalvas, portanto, nenhum estudo individual será conclusivo. Precisamos contar com um corpo cada vez maior de pesquisas multidisciplinares e contribuições de especialistas.”

Ele afirma que “o que seria realmente preocupante é se o Facebook não fizesse esse tipo de pesquisa”. E critica a imprensa pelo tratamento dado às revelações, dizendo que a empresa continuará investindo em pesquisas para melhorar os produtos. 

O que dizem as apresentações 

As apresentações a que o Wall Street Journal teve acesso reúnem resultados de entrevistas em profundidade, enquetes online e sondagens diárias em 2019 e 2020, demonstrando o grau de conhecimento do Facebook sobre o impacto do Instagram na saúde mental de seus usuários. 

Um dos slides afirmava: “Os adolescentes culpam o Instagram pelo aumento na taxa de ansiedade e depressão. Esta reação foi espontânea e consistente em todos os grupos. ”

De acordo com o relatório, os pesquisadores alertaram que “a página Explore do Instagram, que oferece postagens com curadoria de usuários, pode levar a um conteúdo que pode ser prejudicial”. 

E que “o aplicativo também tem a cultura de postar apenas as melhores fotos e momentos, e funciona como um produto viciante”.  

“Aspectos do Instagram se exacerbam para criar uma tempestade perfeita”, disse a pesquisa, de acordo com o Journal.


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Essas pesquisas nunca tinham sido tornadas públicas pelo Facebook. Em manifestações oficiais, os executivos sempre destacaram apenas o lado favorável. 

Em março, Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, afirmou que as mídias sociais tinham mais probabilidade de ter efeitos positivos para a saúde mental. Em maio, Adam Mosseri, responsável pelo Instagram, disse ter visto uma pesquisa sugerindo que seus efeitos sobre a saúde mental dos adolescentes eram provavelmente “muito pequenos”.

TikTok reage com pacote de medidas 

O Instagram não é a única rede social a lidar com problemas envolvendo seus efeitos sobre jovens. Esta semana, o TikTok anunciou um pacote de medidas em reação a situações envolvendo suicídio e distúrbios alimentares entre usuários da plataforma.

O impacto dos vídeos curtos postados na rede social é significativo, pois em alguns países ela já supera o YouTube em tempo de visualização. 

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E a empresa teve que tirar do ar dois desafios que causavam problemas. Um deles provocou ferimentos em pessoas que tentavam se equilibrar sobre caixas de leite. O outro levou jovens a vandalizarem banheiros de escolas nos Estados Unidos.

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Um político na liderança 

O impacto das grandes plataformas digitais sobre a sociedade e seu poder gigante tem feito com que legisladores e governos de vários países avancem em leis e regulamentações para equilibrar o jogo. 

A escolha de um importante político britânico pelo Facebook para liderar sua área de assuntos globais há três anos é um sinal de que a empresa estava se preparando para lidar com pressões de ordem legislativa e governamental. 

Ex-parlamentar do partido Liberal Democrata e formado pela Universidade de Cambridge, Nick Clegg chegou a ser jornalista do Financial Times, e entrou para o Parlamento Europeu em 1999. Elegeu-se parlamentar no Reino Unido e foi vice-primeiro ministro entre 2010 e 2015. 

O trânsito de Clegg no Parlamento Europeu é um ativo importante para o Facebook, pois o bloco discute uma legislação severa para as plataformas digitais desde o ano passado. 

Também no Reino Unido há uma lei em debate, com a expectativa de que seja votada ainda este ano. O fundamento é o conceito de “duty of care” (dever de cuidar), que dá ao Estado a obrigação de interceder em questões que afetem pessoas vulneráveis, como crianças. 

No início de setembro, um estudo revelou que o lobby das Big Techs na Europa é o maior de todos, superando o investimento de indústrias pesadas como farmacêutica e energia. 

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