Finalizando uma trilogia da era Trump nos Estados Unidos (EUA), os jornalistas americanos Bob Woodward e Robert Costa lançam nesta terça-feira (21/9) o livro Peril (“Perigo”, na tradução do inglês), que após os títulos anteriores de Woodward, Fúria e Medo, descreve os últimos dias do republicano como presidente da maior potência militar e política do planeta.

Woodward integra o Post há 50 anos, e entrou para a história com a revelação do caso Watergate, que lhe rendeu um prêmio Pulitzer e motivou a renúncia do presidente Richard Nixon em 1974. Costa é repórter de política do jornal desde 2014. 

As primeiras páginas do livro antecipadas para a imprensa americana renderam manchetes, revelando um telefonema que tentou nada menos do que evitar uma guerra entre China e EUA em pleno ano de 2021.

General temeu que China declarasse guerra aos Estados Unidos

O caso do general Mark Milley, que faz parte dos chefes do Estado-Maior americano, mostra o quão tensa a situação se tornou na reta final das eleições americanas, com Trump incendiando seguidores com a teoria de uma falsa eleição roubada, situação que teve seu expoente na invasão do Congresso americano, em janeiro, que deixou cinco mortos.

“As coisas podem parecer instáveis”, disse o presidente, general Milley, ao general Li Zuocheng, da China, em 8 de janeiro, dois dias depois que seguidores de Trump invadiram o Capitólio para tentar impedir a certificação da derrota eleitoral do republicano. “Mas essa é a natureza da democracia, General Li. Estamos 100% estáveis. Está tudo bem, está tudo bem. A democracia pode ser desleixada às vezes.”

A partir de informações de 200 fontes, Woodward e Costa remontam episódios como o que fez o general telefonar a seu equivalente chinês para evitar o início de um conflito armado, possibilidade então real, segundo dados de inteligência.

A revelação do livro, publicada pelos principais veículos da imprensa americana obrigou o Pentágono a emitir uma nota, confirmando o fato e afirmando que “o general Mark Milley estava desempenhando as funções de seu cargo — não contornando a autoridade presidencial — quando falou com seu homólogo chinês ”.

Trump, ao saber das revelações trazidas pelo livro dos jornalistas americanos, falou ao canal Newsmax que jamais planejou atacar a China e que, se foi como descrito, o general teria cometido um ato de traição ao expor os EUA.

“Ato de traição”

O senador republicano Marco Rubio, da Flórida, atacou o general: “Foi um ato de traição que representou um grave risco para nossa segurança e nossa ordem constitucional.” Em entrevista à National Public Radio (NPR), os jornalistas autores do livro narraram os bastidores da decisão do chefe militar:

“Milley analisou a [informação de] inteligência sugerindo que os chineses acreditavam que os EUA estavam se preparando para atacar naquele momento, e ele temia uma situação perigosa em que poderia haver um erro de cálculo ou um ataque preventivo da China.

Na época, havia tensões sobre exercícios militares no Mar da China Meridional. Essas tensões foram agravadas pela retórica beligerante de Trump em relação à China durante a campanha. Portanto, [Milley] tentou amenizar esses temores dizendo que os EUA não tinham planos de atacar a China.”


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Ex-prefeito de NY, Giuliani é aliado ferrenho que Trump faz bullying

Segundo a narrativa apresentada em Peril, a retórica das eleições fraudadas nos EUA tem um centro na figura do ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. 

Segundo o livro, ele passava os dias atualizando uma contagem de declarações juramentadas de pessoas atestando a fraude na eleição, fato jamais provado em nenhuma das tentativas republicanas até agora nos EUA.

O relato de Costa e de Woodward –  que há décadas integra todas as listas dos jornalistas mais influentes do mundo – cita Trump dizendo a conselheiros que, sim, Giuliani é “louco”, mas “nenhum dos advogados sãos pode me representar porque foram pressionados”. 


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O ex-prefeito foi retratado no livro anterior da dupla, Medo, em um episódio que mostra Trump fazendo bullying no fiel escudeiro, que havia defendido o chefe em diversos programas de TV após fitas revelarem Trump possivelmente descrevendo episódios de assédio sexual.

“Rudy, você é um bebê! Eu nunca vi uma defesa pior para mim em minha vida. Eles [os jornalistas dos EUA] tiraram sua fralda ali mesmo. Você é como um bebezinho que precisava ter a fralda trocada. Quando você vai ser homem?” A “cornetada” de Trump teria ocorrido durante um voo de avião.

Nos dias que antecederam a publicação do livro, os autores foram destaque nos pricipais jornais e programas de TV, devido às revelações feitas na obra. 

 Para  jornalistas americanos, contra-ataque de Trump é onde mora o “perigo”

O terceiro livro de Woodward e Costa sobre Donald Trump acaba sendo também sobre o presidente Joe Biden e como ele se tornou o sucessor de Trump. A retirada das tropas do Afeganistão, algo que gerou desgaste para a atual gestão, foi assinada por Trump, revela a publicação.

Em sua frase final, os jornalistas americanos ponderam sobre o destino do próprio experimento dos EUA: “Trump poderia trabalhar sua vontade novamente? Haveria limites para o que ele e seus apoiadores poderiam fazer para colocá-lo de volta no poder? O perigo permanece.”

Voltar ao poder é a meta absoluta de Trump, como comenta no livro Brad Parscale, um ex-gerente de campanha trumpista: “Não acho que ele [Trump] veja isso como um retorno. Ele vê isso como vingança.”

O presidente acumula mágoas em relação a uma parte da imprensa, e sempre reclamou da revista Vogue por não ter dedicado uma capa à sua mulher, Melania, quebrando uma tradição que seria retomada com Jill Biden. 


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Livro é resultado de mais de 200 entrevistas 

Na apresentação do livro, a editora Simon & Schuster ressalta que o período de transição retratado no livro foi muito mais do que apenas uma crise política doméstica.

Woodward e Costa entrevistaram mais de 200 pessoas no centro da turbulência, resultando em mais de 6 mil páginas de transcrições ” levando os leitores às profundezas da Casa Branca de Trump, da Casa Branca de Biden, da campanha de 2020 e do Pentágono e do Congresso, com relatos vívidos de testemunhas oculares do que realmente aconteceu”, diz a apresentação da obra. 

Segundo a editora, o livro traz material inêdito como transcrições de chamadas confidenciais, diários, e-mails, notas de reuniões e outros registros pessoais e governamentais. 

Peril foi lançado apenas na versão em inglês, e está disponível para compra online nas principais livrarias eletrônicas. 

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