Uma equívoco em uma reportagem que em condições habituais seria resolvido com uma errata – em que a publicação corrige o texto   e se desculpa com os leitores pela falha – virou foi motivo para jornalistas serem presos na Índia, país em que a liberdade de imprensa vem sendo cada vez mais desafiada pelo governo do presidente Narendra Modi. 

O caso envolveu um editor e um repórter de um jornal do maior grupo de mídia do país, o Dainik Bashkar, que em julho teve seus escritórios invadidos pela polícia como parte de uma investigação sobre suposta sonegação de impostos. 

Sandeep Sharma e Sunil Brar foram detidos pela polícia estadual da província de Haryana devido a um erro sobre o local onde ocorrera a prisão de um suspeito de terrorismo, gerando protestos de entidades de defesa da liberdade de imprensa preocupadas com o agravamento das perseguições a veículos independentes no país e também a redes sociais. 

Endereço errado

No dia 19 de setembro, o Dainik Bhaskar publicou uma reportagem sobre a prisão de quatro suspeitos de terrorismo que estariam por trás de uma conspiração que aconteceu em Punjab em agosto, quando uma estrada foi atacada com explosivos.

A notícia identificou incorretamente o lugar em que os suspeitos foram presos como “perto do depósito da Indian Oil Corporation no distrito de Ambala”, em vez de “Vila Mardon Sahib”. A distância entre os dois locais é de 20 quilômetros.

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Apesar de retificar o erro no dia seguinte, os jornalistas foram presos sob o argumento de infração de artigos do Código Penal indiano.

A detenção ocorreu com base nos artigos 153 (provocar arbitrariamente com a intenção de causar tumulto), 177 (fornecimento de informações falsas), 504 (insulto doloso com intenção de provocar violação da paz) e 505 (declarações que criem ou promovam inimizade, ódio ou má vontade entre classes).

Um policial alegou que Sharma e Brar informaram mal o público e tentaram criar pânico com a reportagem. Sharma foi atuado. Brar foi preso e liberado mediante pagamento de fiança 

“Após a leitura do documento de prisão preventiva e da cópia do jornal produzida pelo Oficial de Investigação, este tribunal é da opinião de que não havia nada (do tipo) que pode criar inimizade entre as classes”, afirmou a Justiça.

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Líderes políticos criticaram a prisão.

O líder do Congresso, Rohit Jain, disse que a prisão foi feita contra as instruções da Suprema Corte. Ele alegou que a polícia não havia notificado o jornalista antes de prendê-lo.

Chitra Sarwara, líder da Frente Democrática de Haryana, e o líder do BSP, Prakash Bharti, alegaram que a polícia violou as normas da democracia. “É um ataque à liberdade de imprensa”, disseram.

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) e sua afiliada indiana, a União de Jornalistas da Índia (IJU) condenaram o uso indevido do poder do Estado para intimidar a imprensa e sufocar a divulgação de matérias de interesse nacional.

O Dainik Bhaskar noticia frequentemente a má gestão da Covid-19 na Índia. O grupo publica edições de jornais nos idiomas hindi e guzerate em vários estados do país.

Escritórios do diário foram invadidos em julho sob múltiplas acusações de sonegação de impostos, num caso visto por opositores do primeiro-ministro Narendra Modi como perseguição política. 

Na época, o grupo postou uma mensagem em seu site associando os ataques a matérias que criticavam a forma como o governo lidou com a Covid-19 durante a segunda onda da pandemia no país. 

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No início do mês, após um comício do partido do premiê, Bharatiya Janata (BJP), redações e emissoras de TV foram atacadas por manifestantes em Tripura.

O presidente da IJU, Geetartha Pathak, afirmou que “erros factuais menores podem ocorrer na mídia noticiosa, e é dever da mídia reconhecê-lo e corrigi-lo. Abrir um processo contra esse tipo de erro, mesmo após a correção do erro, é apenas uma tática de intimidação”.

O governo Modi vem dando passos na direção de um maior controle da mídia, e elaborou uma nova lei de comunicação com poder de responsabilizar redes sociais pelo conteúdo que seus usuários postam.

O Twitter até agora foi a rede mais impactada, com caso chegando à Suprema Corte da Índia e um pedido de prisão emitido para o mais alto executivo da empresa no país.

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