Por Silvia Higuera
Uma campanha liderada por 18 associações de meios de comunicação de todo o continente americano começou no dia 21 de setembro com o objetivo de defender o pagamento por conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais.
Por meio da declaração “Convocação dos meios de comunicação das Américas para a defesa dos valores do jornalismo profissional no ecossistema digital“, as organizações signatárias, que representam pelo menos 40 mil meios de comunicação, fazem um apelo veemente às “organizações supranacionais e os países da região para colocar na agenda e priorizar o valor dos conteúdos jornalísticos nas plataformas digitais, a fim de garantir as condições para remunerações justas e razoáveis por parte das plataformas”.
O comunicado destaca que embora os meios jornalísticos tenham mais audiência do que nunca, as receitas que financiavam o jornalismo profissional são absorvidas por intermediários que concentram mais de 80% da publicidade digital do mundo. E que com essa situação, a sustentabilidade do jornalismo corre perigo.
O valor do conteúdo é universal
Para Jorge Canahuati, presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) – uma das organizações signatárias que liderou a iniciativa e que representa cerca de 1,3 mil publicações do Hemisfério Ocidental – a questão do valor do conteúdo é antiga, mas também universal e se aplica a todas os meios, independentemente da origem ou tamanho.
Por essa razão, disse ele à LatAm Journalism Review, as organizações foram forçadas a “expressar nossos princípios diante da vulnerabilidade dos meios de comunicação no contexto digital, para que vejam como o valor informativo que geram é capitalizado por outros atores”.
As remunerações “justas e razoáveis”, indicadas no comunicado, só vão ser alcançadas por meio de um acordo entre as duas partes, disse Canahuati.
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Esse acordo, segundo ele, não é possível se não houver informações suficientes e transparentes sobre questões como os benefícios recebidos por quem usa os conteúdos ou os públicos que alcançam, para citar alguns.
O comunicado também menciona outras questões relacionadas ao ecossistema digital que as organizações também consideram que deveriam ser colocadas na agenda pública para debate: concentração publicitária e algoritmos.
Em relação à publicidade, a declaração afirma que é “fundamental evitar práticas abusivas”.
Segundo o documento, as plataformas “são árbitros e jogadores principais”, acrescentando que, quando ocorrem essas práticas abusivas, devem ser investigadas e punidas.
Algoritmos
Para as organizações signatárias, a questão dos algoritmos é vital, pois eles condicionam a distribuição do conteúdo e, portanto, sua chegada à sociedade.
“Em última análise, queremos que esta declaração seja um estímulo para criar um amplo diálogo público entre as plataformas, os meios, e a sociedade em geral”, disse Canahuati.
A declaração faz menção a diversas iniciativas aprovadas ou em estudo em algumas partes do mundo.
Uma delas é o Código de Negociação de Mídia e Plataformas Digitais aprovado na Austrália em 25 de fevereiro, que estabelece “mecanismos de arbitragem obrigatória” para garantir que as plataformas remunerem os meios de imprensa.
Além disso, cita a Lei de Mercados Digitais que está em discussão na União Europeia, bem como a autorização que a News Media Alliance vem gerenciando no âmbito do Congresso dos Estados Unidos para poder negociar diretamente com as plataformas.
“Esperamos que as plataformas acelerem seus programas de apoio aos meios e também os tornem mais inclusivos, para que beneficiem não só, e de forma limitada, as maiores publicações, mas também aquelas que cobrem pequenas comunidades que precisam se manter incorporadas à vida democrática”, disse Canahuati.
Desertos de notícias
Os “desertos de notícias”, que também aumentaram devido ao fechamento de meios de comunicação locais devido à crise econômica, são mencionados no comunicado. Por isso, segundo Canahuati, está sendo pedindo um tratamento “mais igualitário” entre os meios e as plataformas.
“Esta é uma questão essencial para a democracia, que como todos podemos entender, jamais poderia existir sem um jornalismo profissional que torne públicos os problemas que diferentes setores da sociedade querem manter ocultos”.
Tanto o comunicado quanto Canahuati reconhecem algumas tentativas das plataformas de valorizar o trabalho jornalístico, bem como o impacto que podem ter na distribuição de jornalismo de qualidade.
“Reconhecemos que o Google e o Facebook lançaram programas de licenciamento de conteúdo para produtos específicos em alguns países, assim como outras iniciativas de ajuda financeira para meios em todo o continente”.
“São passos na direção certa, mas ainda precisam ser estendidos a mais países da região e a mais meios dentro de cada país. E os valores ainda estão longe de serem proporcionais aos benefícios obtidos pelas plataformas”.
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Declaração de Salta
A declaração termina convocando para o cumprimento de um dos princípios estabelecidos na Declaração de Salta da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) para alcançar um equilíbrio entre liberdade de expressão, direito autoral e propriedade intelectual:
“Precisamos promover um ecossistema digital saudável e equilibrado, em que a opacidade dos algoritmos não acabe por decidir quais informações são relevantes para uma pessoa ou sociedade, e no qual a desinformação possa ser combatida com jornalismo profissional e de qualidade.
Para isso, são necessários meios sustentáveis, que recebam o valor que geram em benefício da comunidade.”
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Resposta das plataformas
Em resposta à declaração, porta-vozes do Facebook e do Google disseram à LJR que ambas as empresas continuarão a trabalhar com meios e organizações para fortalecer o jornalismo na região.
Eles citaram como exemplos as iniciativas de treinamento que oferecem tanto para jornalistas quanto para outros profissionais da imprensa na América Latina e no resto do mundo, mas não fizeram menção específica ao pagamento por conteúdo.
“Temos trabalhado com organizações jornalísticas na América Latina, incluindo a Sociedade Interamericana de Imprensa e outros signatários desta declaração, como ADEPA, ANJ e Wan-Ifra, para ajudar a construir uma indústria sustentável”, disse Claudia Gurfinkel, diretora de parcerias de notícias do Facebook na América Latina.
“Os veículos de notícias compartilham seu conteúdo no Facebook para aumentar o alcance de suas histórias e seus sites, conectar-se com novos públicos, explorar formatos digitais e monetizar. Estamos investindo mais de um bilhão de dólares em jornalismo globalmente e continuaremos a colaborar para apoiar o papel fundamental que desempenha na democracia”, acrescentou Gurfinkel.
Um porta-voz do Google afirmou que “apoiar o jornalismo de qualidade é importante para o Google:
Temos uma longa trajetória trabalhando diretamente com muitas das associações envolvidas, ajudando seus membros a expandir seus negócios e melhorar o relacionamento com seu público por meio de produtos, licenciamento de conteúdo, programas e treinamentos da Google News Initiative.
Como uma das empresas que mais forneceu apoio financeiro para construir um jornalismo de qualidade, acreditamos em uma responsabilidade compartilhada para garantir um futuro robusto para a indústria de notícias e estamos totalmente comprometidos em fazer nosso trabalho para isso”.
As organizações signatárias são: Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA), Organização Ibero-americana de Telecomunicações (OTI), Grupo de Diarios América (GDA), Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), Meios de Comunicação de Canadá (NMC, Canadá), Aliança de Mídia (NMA, EUA), Aliança de MeiosMx (México), Associação de Mídia de Honduras (AMC, Honduras), Associação de Mídia de Jamaica (MAJ, Jamaica), Sociedade Dominicana de Jornais (SDD, República Dominicana), Associação de Meios de Informaçāo (AMI, Colômbia), Associação Equatoriana de Editores de Jornais (AEDEP, Equador), Conselho de Imprensa Peruano (CPP, Peru), Associação Nacional de Jornais (ANJ, Brasil), Associação Nacional de Imprensa (ANP, Bolívia), Associação Nacional de Imprensa (ANP, Chile) e Associação Argentina de Entidades Jornalísticas (ADEPA, Argentina).
- Silvia Higuera é jornalista colombiana e escreve para o Centro Knight Para o Jornalismo das Américas (Universidade do Texas) desde 2012. Seus interesse sjornalísticos são a América Latina e os direitos humanos, notadamente o direito à liberdade de expressão.
Este artigo foi publicado originalmente na Latam Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas / Texas University. Todos os direitos reservados à publicação e ao autor.
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