Londres – A CIA, agência do serviço secreto dos Estados Unidos (EUA), considerou sequestrar e matar o fundador do Wikileaks, Julian Assange em 2017, revela reportagem do portal Yahoo News publicada nesta domingo (26/9).
Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e praticidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.
Altos funcionários da CIA e da administração Trump solicitaram “esboços” de como assassiná-lo. As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo. “Parecia não haver limites.”
Publicação do Wikileaks despertou “ira” da CIA contra Assange
A notícia sobre os planos foi publicada em um momento particularmente estratégico para a defesa de Assange, que está preso há quatro anos em Londres, desde que deixou a Embaixada do Equador, onde permaneceu por sete anos.
Os Estados Unidos conseguiram em agosto uma vitória na batalha judicial para extraditar Julian Assange e julgá-lo em solo americano. O tribunal ampliou o direito de apelação do país, que havia tido em janeiro o pedido de transferir Assange negado pela Suprema Corte.
A próxima audiência, em que os Estados Unidos apresentarão cinco recursos, está marcada para a última semana de outubro.
Apoiadores, ativistas e parlamentares como a eurodeputada Clare Daly reagiram à notícia dos planos para matar o fundador do Wikileaks, reforçando que isso é motivo para que ele não seja extraditado.
The ongoing attempt to extradite #Assange, to a country that plotted to illegally kidnap or assassinate him, is a travesty of justice.
The conditions do not exist here for a just outcome.
The @JoeBiden administration must drop the charges. https://t.co/CihBhUUrrY
— Clare Daly (@ClareDalyIRL) September 27, 2021
Stella Moris, com quem Assange teve dois filhos enquanto estava asilado na representação diplomática equatoriana, também foi a público expressar preocupação com o destino do ativista.
Em um vídeo nas redes sociais, ela disse que sempre que visitava o fundador do Wikileaks percebia um “ambiente de perigo”, e que podia sentir as ameaças. Segundo Moris, que é advogada, funcionários da embaixada recebiam emails orientando onde colocar microfones, como envenená-lo e como retirá-lo à força de lá.
Stella Morris, the partner of Julian Assange, tells me what it was like in the Ecuadorian embassy while discussions of kidnapping and assassinating him were taking place at "the highest levels of the Trump administration" pic.twitter.com/JoZsX5tAKp
— Lowkey (@Lowkey0nline) September 27, 2021
A campanha Free Assange usou a reportagem para pedir que as acusações contra ele sejam retiradas pelo governo americano. O caso é também um contrangimento para o Reino Unido, onde Assange. O país é frequentemente acusado por defensores do fundador do Wikileaks de estar ao lado dos Estados Unidos e dificultar a liberdade do ativista.
Statement from @FreedomofPress:
After shocking story about CIA illegal acts, Biden admin must drop Assange charges immediately! #FreeAssangeNOW #DropTheCharges #JournalismIsNotACrime https://t.co/FLgSPsHApG— Free Assange – #FreeAssange (@FreeAssangeNews) September 27, 2021
O que diz a denúncia
Segundo a reportagem do Yahoo, as conversas faziam parte de uma campanha sem precedentes da CIA dirigida contra o WikiLeaks e seu fundador. Os planos da agência incluíam espionar associados do coletivo, semear discórdia entre os membros do grupo e roubar seus dispositivos eletrônicos.
Embora Assange estivesse no radar das agências de inteligência dos EUA por anos, esses planos para uma “guerra total” contra ele foram desencadeados pela publicação do WikiLeaks de ferramentas de hacking da CIA, conhecidas coletivamente como “Vault 7”, que a agência concluiu se tratar da “maior perda de dados na história da CIA.”
O recém-instalado diretor da agência, Mike Pompeo, entre outros oficiais de inteligência,”estavam completamente desligados da realidade porque estavam muito envergonhados com o Vault 7”, disse um ex-oficial de segurança nacional de Trump à reportagem.
“Se essas acusações forem verdadeiras, isso lançaria uma longa sombra sobre todo o jornalismo independente e eles provariam mais uma vez que a extradição de Assange para os Estados Unidos colocaria sua vida em sério risco. Pedimos uma investigação completa e que as autoridades britânicas o libertem imediatamente”, afirmou o secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas, Anthony Bellanger.
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Espiões por toda parte no arredores da Embaixada do Equador em Londres
Os cenários analisados pela CIA incluíram tiroteios com agentes russos nas ruas de Londres; bater um carro em um veículo diplomático russo que transportava Assange e, em seguida, agarrá-lo; atirar nos pneus de um avião russo que transportava Assange antes que pudesse decolar para Moscou.
Os agentes dos EUA pediram aos colegas britânicos para disparar se o tiroteio fosse necessário, e os britânicos concordaram, de acordo com um ex-funcionário sênior da administração que falou ao Yahoo.
“Tínhamos todos os motivos para acreditar que ele estava pensando em dar o fora de lá”, disse um ex-funcionário sênior do governo dos EUA, acrescentando que um relatório dizia que Assange poderia tentar escapar da embaixada escondido em um carrinho de lavanderia. “Seria como um filme de fuga da prisão.”
A intriga sobre uma possível fuga de Assange desencadeou uma confusão entre os serviços de espionagem rivais em Londres, relata a reportagem. Agências americanas, britânicas e russas, entre outras, colocaram espiões ao redor da Embaixada do Equador.
No caso dos russos, foi para facilitar uma fuga. Para os serviços americanos e aliados, era para bloquear uma possível operação de retirar Assange do prédio despercebido.
“Chegou ao ponto em que cada ser humano em um raio de três quarteirões estava trabalhando para um dos serviços de inteligência – fossem eles varredores de rua, policiais ou seguranças”, comentou um oficial americano consultado.
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EUA teriam monitorado diversas pessoas com conexões com Julian Assange
Pompeo descreveu publicamente o Wikileaks em 2017 como um “serviço de inteligência hostil não estatal”. O que parecia uma crítica na verdade foi uma designação que permitiu à agência tomar ações muito mais agressivas, tratando a organização como ela trata os serviços de espionagem do adversário, ex-funcionários da inteligência disseram ao Yahoo News.
Em poucos meses, espiões dos EUA monitoravam as comunicações e movimentos de vários funcionários do WikiLeaks, incluindo vigilância audiovisual do próprio Assange, de acordo com ex-oficiais.
A reportagem afirma ter sido baseada em conversas com mais de 30 ex-funcionários dos EUA — oito dos quais descreveram detalhes das propostas da CIA para sequestrar Assange. A CIA se negou a comentar, enquanto Pompeo não respondeu pedidos de entrevista.
Não há indicação de que as medidas mais extremas contra Assange tenham sido aprovadas.
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