Londres – A censura ร imprensa e ร internet que avanรงa sobre Hong Kong chegou ao site que mantinha o museu online do massacre da Praรงa da Paz Celestial (Tiananmen), quando tanques chineses avanรงaram sobre a multidรฃo que protestava em Pequim contra o regime comunista no paรญs, em 1989.
O bloqueio segue uma onda repressiva que atingiu ativistas, extinguiu o maior jornal prรณ-democracia de Hong Kong, o Apple Daily, e estabeleceu novas regras sobre a produรงรฃo cinematogrรกfica, com poder para tirar de circulaรงรฃo filmes que โameacem a seguranรงa nacionalโ.
Hong Kong, que manteve liberdades para sua populaรงรฃo em relaรงรฃo ร China continental apรณs deixar de ser territรณrio britรขnico em 1997, possuรญa um museu fรญsico dedicado ร data. O local foi fechado em junho por forรงas de seguranรงa em uma investigaรงรฃo contra a Alianรงa de Hong Kong em Apoio aos Movimentos Democrรกticos Patriรณticos da China, mantenedora do espaรงo.
Massacre รฉ assunto proibido pelo governo da China; Hong Kong era exceรงรฃo
Manifestaรงรตes em relaรงรฃo ao 4 de junho, data em que militares fuzilaram cidadรฃos indiscriminadamente pelas ruas de Pequim em 1989, sequer sรฃo permitidas na China, bem como menรงรตes em redes sociais, o que รฉ passรญvel de prisรฃo. Hong Kong tradicionalmente concentra os protestos e tributos em relaรงรฃo ร data.
Contudo, com o avanรงo da censura chinesa sobre o territรณrio desde os protestos de 2019, Hong Kong vem assistindo dia apรณs dia o desmoronamento de sรญmbolos de oposiรงรฃo ao regime comunista, seja na imprensa, na polรญtica ou nas artes.
A ativista Chow Hang-tung, advogada e vice-presidente da Alianรงa, que organiza a vigรญlia anual do Victoria Park em homenagem ร s vรญtimas do Massacre de Tiananmen, estรก presa desde junho.
Chow foi presa com acusaรงรตes de incitaรงรฃo a manifestaรงรตes pรบblicas nรฃo autorizadas, apรณs escrever um artigo de opiniรฃo e um post no Facebook pedindo que as pessoas nรฃo deixassem que a vigรญlia passasse em branco este ano, e que acendessem velas, afirmando que ela o faria em espaรงo pรบblico.
Atรฉ hoje, a censura do governo chinรชs e a ausรชncia de qualquer relatรณrio oficial tornam impossรญvel saber quantas pessoas morreram naquela madrugada. Relatos de jornalistas estrangeiros que presenciaram o massacre indicam que houve de 2.000 a 3.000 mortes.
Um telegrama diplomรกtico, redigido no calor do momento, estima um nรบmero muito mais alto — cerca de 10 mil, segundo a BBC.
Hong Kong foi de territรณrio autรดnomo a ditadura comunista em duas dรฉcadas
A Alianรงa de Hong Kong em Apoio aos Movimentos Democrรกticos Patriรณticos da China anunciou a inauguraรงรฃo do “Museu 8964” no mรชs passado. Usuรกrios de Hong Kong nรฃo conseguem acessar o site da cidade desde quinta-feira (30/9) sem usar redes privadas virtuais. Indagados pela imprensa internacional, provedores de internet nรฃo se manifestaram.
A polรญcia de Hong Kong disse que nรฃo poderia comentar sobre casos individuais, mas disse que a legislaรงรฃo de seguranรงa nacional afirma que “a polรญcia pode exigir que os provedores de serviรงo tomem medidas para proibir mensagens eletrรดnicas postadas em plataformas eletrรดnicas que possam colocar em risco a seguranรงa nacional”.
O primeiro caso de censura sob a Lei de Seguranรงa Nacional que Pequim impรดs ร cidade em 2020 surgiu em janeiro, quando as autoridades bloquearam o acesso ao HKChronicles, um site inspirado nos protestos contra o governo de Hong Kong em 2019 que publicou informaรงรตes pessoais de policiais.
A Alianรงa foi acusada de ser um “um agente de forรงas estrangeiras” (seguindo o protocolo das censuras recentes) e afirmou na semana passada que deve encerrar seus trabalhos, apรณs batidas policiais em escritรณrios e acusaรงรตes de incitar a subversรฃo contra o regime comunista.
Maior jornal prรณ-democracia foi fechado sob acusaรงรตes de ser “agente estrangeiro”
O mesmo roteiro precedeu a queda do Apple Daily, jornal de oposiรงรฃo amplamente lido desde 1995.
Executivos da diretoria da Next Digital, grupo que controlava o jornal Apple Daily, fechado pelo governo na China, informaram a sua rescisรฃo coletiva no inรญcio de setembro, em comunicado que sela o fim das operaรงรตes do grupo de comunicaรงรฃo, que atuou como exemplo da liberdade de imprensa que vigorou em Hong Kong nas รบltimas dรฉcadas.
Apรณs a China assumir o controle do territรณrio e impor leis rรญgidas contra movimentos prรณ-democracia, o fundador do grupo, Jimmy Lai, 73 anos, maior empresรกrio de mรญdia de Hong Kong, com um patrimรดnio estimado em US$ 1 bilhรฃo (cerca de R$ 5,2 bilhรตes), estรก preso desde 16/4 por โassembleias nรฃo autorizadasโ durante os protestos prรณ-democracia de 2019.
Tanto a operaรงรฃo de Hong Kong da Next Digital, como tambรฉm a de Taiwan, serรฃo vendidas. As acusaรงรตes contra a empresas vรฃo de uma sublocaรงรฃo no prรฉdio da companhia atรฉ โconluio com estrangeirosโ, argumento frequentemente usado contra detratores do governo chines.
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Censura afeta liberdade de imprensa e tambรฉm o cinema
O alinhamento polรญtico de Hong Kong ao governo chinรชs afeta tambรฉm o ramo do entretenimento, mais precisamente o do cinema.
Apรณs a emissora pรบblica de Hong Kong, a Radio Television Hong Kong (RTHK) firmar uma parceria em agosto com o Chinese Media Group โ empresa controladora dos meios de comunicaรงรฃo estatais da China, CCTV e China National Radio, o secretรกrio de comรฉrcio do territรณrio autรดnomo, Edward Yau, anunciou em julho que o governo local nรฃo irรก permitir a exibiรงรฃo de filmes que violem a Lei de Seguranรงa Nacional.
Ao anunciar a parceria com o Chinese Media Group, em 17/8, uma executiva da RTHK explicou que o objetivo รฉ fornecer aos telespectadores um โentendimento completo da luta e do desenvolvimento do Partido Comunista da China e nutrir um forte senso de patriotismoโ.
Uma semana depois, em 24/8, o secretรกrio Yau anunciou uma nova lei de censura retroativa permitindo ร s autoridades revogar a certificaรงรฃo de filmes com base em motivos de seguranรงa nacional.
A puniรงรฃo mรกxima para a exibiรงรฃo de um filme nรฃo licenciado serรก de trรชs anos de prisรฃo e uma multa de 1 milhรฃo de dรณlares de Hong Kong (HKD), cerca de R$ 658 mil.
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