Vencedor da categoria Paisagem de um dos mais importantes prêmios de fotografia de natureza do mundo com a imagem da carcaça de um jacaré sobre um solo ressecado, que ilustra o drama das mudanças climáticas, o brasileiro Daniel De Granville é mais do que um fotógrafo.
Ele é biólogo, formado pela USP, combinando duas qualidades valiosas para quem se especializa em registrar a natureza: a técnica de fotografia e o conhecimento científico adquirido em estudos e em pesquisas de campo. Para completar, especializou-se em jornalismo científico pela Unicamp.
Com 52 anos, começou a carreira na década de 1990 no Pantanal como guia para fotógrafos renomados de várias partes do mundo. E acabou virando um deles, conquistando prêmios como o da The Nature Conservancy, há duas semanas, com sua foto concorrendo com mais de 100 mil imagens de 158 países.
O segundo lugar na categoria coube a outro brasileiro, Denis Ferreira Netto, com uma foto aérea da Serra do Mar no Paraná remetendo à cabeça de um dinossauro.
Conversa & imagens
Atualmente Daniel dedica-se à Photo in Natur, atuando como fotógrafo e organizando expedições, cursos e workshops para profissionais e amadores.
Suas fotos também já ilustraram livros como Água Boa: a natureza em Itaipu depois de Sete Quedas, com texto do jornalista Marcos Sá Correa.
Após mais de 25 anos vivendo na região de Bonito (MS), está de mudança para para Santa Catarina e passará a dividir sua atuação profissional entre as duas áreas.
Ele conversou com MediaTalks sobre como tem observado os efeitos do aquecimento global nos locais fotografados, sobre seu trabalho como guia de expedições científicas e fotográficas e sobre histórias curiosas.
Uma delas desmistifica o mito de perigo da fotografia de natureza: estrangeiros que saíram ilesos de uma expedição de mergulho para fotografar sucuris de 6m de comprimento debaixo d’água acabaram atropelados de bicicleta em seu país de origem.
Para ilustrar a conversa, fotos impressionantes de onças, jacarés, pássaros, bichos-preguiça, aves multicoloridas, macacos, tatus e das impressionantes sucuris subquáticas.
Mudanças climáticas
Para Daniel, são evidentes as alterações ambientais nas regiões que costuma visitar com mais frequência para fotografar. Segundo ele, não existe mais previsibilidade ou padrão climático.
“Aqui no Centro-Oeste, o regime de chuvas e as temperaturas ao longo do ano têm oscilado de forma inédita. Isso é consequência não apenas das alterações ambientais em escala regional, como também resultado do que vem acontecendo na Amazônia, já que esta região acaba influenciando o regime hídrico em boa parte do Brasil.”
O fotógrafo explica que para determinados tipos de fotografia de natureza, dependentes de uma conjuntura de fatores ambientais para conseguir as imagens, esta imprevisibilidade dificulta ainda mais o trabalho.
Tem solução?
“Não é novidade que estamos vivendo um enorme retrocesso ambiental no Brasil nos últimos dois ou três anos. Nossas políticas públicas nesta área estão indo na contramão do restante do mundo, a mentalidade desenvolvimentista dominante remete a práticas da década de 1970”, critica o fotógrafo e biólogo.
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Ele acredita que já está mais do que provado que é possível aliar desenvolvimento econômico e conservação ambiental.
“Esta prática de pintar o meio ambiente e as organizações do terceiro setor como inimigas do desenvolvimento não encontra mais respaldo na sociedade moderna.”
Brasil, exemplo de sustentabilidade
Daniel acha que o Brasil tem vários exemplos bem-sucedidos de exploração sustentável dos recursos naturais.
“O turismo de natureza ilustra muito bem esta questão, e a região de Bonito (MS) prova isto em números, com indicativos nítidos de crescimento econômico por meio da exploração racional da natureza.
Ganha-se dinheiro e gera-se empregos sem precisar derrubar uma árvore sequer”.
Ele se diz feliz por saber que, por trás de cada clique das câmeras flagrando aquela onça-pintada desfilando à beira do rio, há toda uma cadeia produtiva do setor turístico trabalhando.
“São proprietários de áreas naturais, guias e agentes de turismo, motoristas e pilotos de barco, camareiras e cozinheiras de pousadas, garçons e muitos outros profissionais do ramo trabalhando em sintonia para permitir que o fotógrafo atinja seus objetivos e realize seus sonhos.”
O trabalho mais recompensador
Perguntado sobre sua foto ou trabalho preferido, ele se disse “volátil”, curtindo mais uma foto ou outra dependendo do momento.
E contou que um dos trabalhos que mais marcantes nos últimos anos não foi exatamente como fotógrafo, e sim um treinamento para condutores de visitantes.
“Em 2014, fui chamado para treinar os monitores (todos das comunidades locais) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (AM).
Eles estavam desenvolvendo um roteiro temático para fotografia de natureza e me convidaram para treinar a equipe sobre técnicas de condução de fotógrafos.
Foi uma das minhas melhores experiências de Amazônia, não apenas pela natureza encantadora, mas também pela troca de conhecimentos com os condutores locais, o que acabou me propiciando a oportunidade de conseguir fazer ótimas imagens.”
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Perigos na mata?
Para quem se aproxima de animais como cobras e onças, os riscos parecem parte da rotina. Mas Daniel diz que não é bem assim.
“A segurança – tanto do fotógrafo como dos ambientes que estão sendo fotografados – vem sempre em primeiro lugar. Nenhuma fotografia justifica correr riscos pessoais excessivos ou ameaçar o bem-estar dos animais ou locais retratados.”
Ele diz que existem riscos inerentes à atividade de fotógrafo de natureza, mas – ao menos em seu caso – estes perigos em potencial não são relacionados aos animais, como geralmente se imagina.
“São coisas como precisar escalar árvores utilizando cordas, voar em pequenos aviões sem as portas para poder captar as imagens, fazer mergulhos com cilindro em ambientes infestados com piranhas ou grandes sucuris.
Mas desde que se respeite a si mesmo e os animais, o risco de algo ruim acontecer é baixo.”
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E dá um exemplo que a seu ver ilustra o quanto é distorcida a noção de que a natureza é um ambiente perigoso.
“Uma das experiências fotográficas que ofereço há anos são mergulhos com sucuris de mais de 6 metros. Ao longo deste período, tive dois casos separados de clientes estrangeiros que participaram desta atividade, conseguiram as imagens e voltaram para casa ilesos (e muito felizes).
No entanto, meses depois das expedições, recebo deles a notícia de que estavam andando de bicicleta em suas cidades, sofreram quedas acidentais e tiveram ferimentos graves.”
Os maiores desafios da fotografia de natureza
Para Daniel, não há animais mais difíceis de fotografar do que outros. Mas ele vê diferenças nos ambientes.
“Nossos biomas florestais, como a Mata Atlântica e a Amazônia, apresentam muito mais dificuldades para fotografar do que lugares abertos, como o Pantanal ou o Cerrado.
Na floresta, os animais se escondem com mais facilidade, a iluminação contrastante exige domínio técnico aprimorado, e a alta umidade afeta o desempenho dos equipamentos”.
Bichos bonitos e bichos divertidos
Daniel separa os bichos em duas categorias
“De um lado, temos aqueles animais com apelo estético imediato, como as aves multicoloridas….”
…e de outro, algumas espécies que, apesar de não serem visualmente tão chamativas, apresentam comportamentos muito curiosos, como as ariranhas.
“Seu comportamento ao se alimentarem, marcarem território ou interagirem com o bando, além do repertório vocal variado que apresentam, são um convite para o fotógrafo deixar um pouco a câmera de lado e apreciar alguns momentos com os próprios olhos, e não através da lente.
Essas imagens de ariranhas debaixo d’água são um registro bastante raro, já que em geral elas vivem em ambientes com águas turvas e barrentas. Uma destas fotos me rendeu o primeiro prêmio em um concurso fotográfico, em 2015.”
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Os animais desconhecidos
Na viagem a Mamirauá, o fotógrafo teve a oportunidade de fotografar espécies com distribuição geográfica restrita, pouco conhecidas do público.
Além destes bichos mais raros, Daniel tem registros de comportamentos pouco documentados, como o processo do acasalamento de sucuris
Emergência climática
O fotógrafio e biólogo afirma ter um “enorme senso de urgência”, de que não se pode mais esperar para adotar medidas concretas com relação aos ambientes naturais.
“Bato muito na tecla do ecoturismo, que é minha principal área de atuação e conhecimento hoje em dia.
Nosso patrimônio natural está aí se oferecendo para ser explorado pelos fotógrafos e pelos apreciadores da natureza, gerando emprego e renda através da conservação.”
Mas para ele, a questão vai além.
“Talvez falte uma abordagem séria, profissional e moderna nos diversos setores da economia que dependem dos ambientes naturais para sua existência.
Não são apenas os ecoturistas ou as comunidades tradicionais que se beneficiam de um rio cristalino com água em abundância.
Alterações ambientais, desde os padrões climáticos até coisas mais sutis e imperceptíveis – como a extinção de espécies de insetos que são fundamentais para a polinização de lavouras – prejudicam a todos.”
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Negacionismo climático e COP26, uma esperança
Daniel tem esperança de que a fase de negacionismo das mudanças climáticas esteja se tornando coisa do passado, ao menos entre as principais lideranças globais.E acha possível enxergar algo positivo na tragédia da pandemia, “que forçou a humanidade a rever sua relação com o planeta e talvez até ir mais além, sob um ponto de vista filosófico, do nosso papel na Terra.”
“Em termos práticos, a redução na circulação das pessoas durante os lockdowns alterou positivamente parâmetros como qualidade do ar e emissão de poluentes.
Buscou-se alternativas para os encontros presenciais através das reuniões online, e isto parece um caminho sem volta. Espero que tais questões sejam levadas em conta na COP26 e resulte em maneiras mais racionais de utilização dos recursos.”
Veja mais do trabalho de Daniel de Granville
Fotos fornecidas por Daniel De Granville (@danieldegranville /@photoinnatur ) – não podem ser reproduzidas sem autorização do autor
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