Londres – O Nobel da Paz anunciado nesta sexta-feira (8/10) para dois jornalistas de países em que a situação de liberdade de imprensa é seguidamente apontada como crítica é um sinal preocupante, pois atesta a gravidade da censura e das perseguições que se alastram pelo mundo, a ponto de ser vista como ameaça à paz. 

Ao mesmo tempo, ao premiar a filipina Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov “por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma pré-condição para a democracia e a paz duradoura”, o Comitê Norueguês do Nobel dá uma imensa contribuição à causa dos que lutam, muitos arriscando a própria vida, para contornar as ameaças e continuar informando a sociedade.

Por coincidência, o prêmio foi anunciado um dia depois de a organização Repórteres sem Fronteiras ter feito um protesto para marcar o aniversário de 69 anos do presidente russo Vladimir Putin e dos 15 anos da morte da jornalista Anna Politkovskaja, ainda impune. 

Dimitry Muratov é um dos fundadores e editor do jornal Novaja Gazeta, onde Anna trabalhava quando foi morta. Outros profissionais do jornal também perderam a vida, mas caso dela foi o mais rumuroso. 

Com balões pretos e tuitando sob a hashtag #UnhappyBirthdayMrPutin nos pontos de encontro, ativistas de vários países lembraram que no mandato de Putin, quase 40 jornalistas perderam a vida. 

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E nas Filipinas, o presidente Rodrigo Duterte sinalizou há poucos dias sua continuidade no poder por meio da filha, Sarah, que deve se candidatar à sucessão, apontando para a permanência das perseguições a jornalistas que teve em Maria Ressa seu principal exemplo. 

No ranking anual de liberdade de imprensa da Repórteres sem Fronteiras, as Filipinas ocupam o 138º lugar e a Rússia o 150º entre 180 países em 2021.

Luta corajosa

Segundo o Comitê Norueguês do prêmio, Ressa e Muratov estão recebendo o Nobel da Paz por “sua corajosa luta pela liberdade de expressão nas Filipinas e na Rússia.”

E representam todos os jornalistas que defendem esse ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas, diz o comunicado oficial. 

Maria Ressa desafiou o governo e os poderosos expondo abusos, violência e autoritarismo, nas Filipinas. Por isso, passou a ser bombardeada com uma sequência de processos judiciais e a sofrer perseguições.

Em 2012, ela foi cofundadora da Rappler, empresa de mídia digital para jornalismo investigativo, que ainda dirige. A Rappler chamou a atenção da crítica para a polêmica campanha antidrogas do regime de Duterte. 

O Comitê assinlaou ao aparesentar o prêmio que o número de mortos é tão alto que a campanha se assemelha a uma guerra travada contra a própria população do país.

E lembrou que Maria Ressa e a Rappler também têm registrado como a mídia social está sendo usada para espalhar notícias falsas, assediar oponentes e manipular o discurso público.

Em um documentário, ela mostrou a atuação do sistema de desinformação nas Filipinas, que tem como alvo principal as mulheres, incluindo ela própria, em um documentário exibido pela TV pública americana PBS. (veja clip).

 

Pedido difícil 

A Rappler mostrou a hora que Maria Ressa recebeu a notícia do prêmio por telefone, com um surpresso e espontâneo “oh my God” ao fundo. Depois ela disse que estava “speechless” (sem palavras). 

No final, o representante da fundação pede uma das coisas mais difíceis a um jornalista diante de uma boa notícia: guardar segredo até a hora do anúncio oficial. 

Empresário desiste de processo contra Maria Ressa

A visibilidade internacional recebida por Maria Ressa vem ajudando em sua defensa das acusações e processos judiciais. Em junho a justiça de Manila rejeitou uma acusação criminal contra ela. O caso foi encerrado depois que o polêmico empresário Wilfredo Keng retirou sua reclamação contra a profissional e assim inviabilizou o processo movido pelo Estado contra ela. 

A equipe jurídica de Keng declarou que “após uma reflexão cuidadosa, o reclamante decidiu redirecionar seu foco para ajudar com a pandemia, em vez de se preocupar com o julgamento deste caso.”

A reclamação do empresário dizia respeito a um tweet que Ressa postou contendo duas capturas de tela da notícias publicadas por outro veículo sobre as atividades de Keng. 

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A retirada da acusação foi recebida com alívio pelas entidades que se engajaram no movimento para proteger a jornalista, que corre o risco de enfrentar décadas na prisão devido a outros oito processos ou acusações ainda em curso.

A jornalista teve o apoio da coalizão #HoldTheLine, formada por mais de 80 veículos ao redor do globo, liderados pelo Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) e a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que lançou em maio deste ano, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, uma campanha inovadora com um live ininterrupta.

Jornalista russo é o outro contemplado com o Nobel da Paz

O russo Dmitry Andreyevich Muratov vem defendendo por décadas a liberdade de expressão na Rússia em condições cada vez mais desafiadoras. Em 1993, foi um dos fundadores do Novaja Gazeta. É o editor-chefe do jornal há 24 anos. 

O Novaja Gazeta é um dos jornais independentes que tentam sobreviver em um ambiente de ameaças cada vez maiores, com uma atitude crítica em relação ao poder.  Por isso, tornou-se uma importante fonte de informação sobre aspectos censuráveis ​​da sociedade russa raramente mencionados por outros meios de comunicação. 

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Desde seu início em 1993, a Novaja Gazeta publicou artigos críticos sobre assuntos que vão desde corrupção, violência policial, prisões ilegais, fraude eleitoral e “fábricas de trolls” até o uso de forças militares russas dentro e fora da Rússia.

Os oponentes da Novaja Gazeta responderam com perseguições, ameaças, violência e assassinato. Seis de seus jornalistas foram mortos, incluindo Anna Politkovskaja, que escreveu artigos reveladores sobre a guerra na Chechênia. 

Muratov dedicou seu Prêmio Nobel da Paz a todos os jornalistas mortos do jornal.

Apesar das mortes e ameaças, o editor-chefe Muratov se recusou a abandonar a política independente do jornal. Ele tem defendido consistentemente o direito dos jornalistas de escreverem o que quiserem sobre o que quiserem, desde que cumpram os padrões profissionais e éticos do jornalismo.

Falando em uma entrevista coletiva em Moscou na tarde de sexta-feira, Muratov disse que teria concedido a homenagem ao crítico encarcerado do Kremlin, Alexei Navalny. 

Felicitações do Kremlin

Apesar das perseguições, o Kremlin cumpriu o protocolo e parabenizou o jornalista pela conquista, passando ao largo das acusações de cerceamento à liberdade de imprensa que motivaram o Nobel. 

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, saudou-o como uma pessoa “talentosa e corajosa”.

“Podemos parabenizar Dmitry Muratov – ele tem trabalhado consistentemente de acordo com seus ideais, ele aderiu a seus ideais, é talentoso e corajoso. É uma grande avaliação e nós o parabenizamos”, disse Peskov em uma teleconferência com repórteres após o prêmio ter sido anunciado.

Público informado

No comunicado em que anunciou os vencedores, o Comitê Norueguês do Nobel disse estar convencido de que a liberdade de expressão e a liberdade de informação ajudam a garantir um público informado. 

“Esses direitos são pré-requisitos essenciais para a democracia e protegem contra guerras e conflitos. A entrega do Prêmio Nobel da Paz a Maria Ressa e Dmitry Muratov tem como objetivo destacar a importância de proteger e defender esses direitos fundamentais.

Sem liberdade de expressão e de imprensa, será difícil promover com sucesso a fraternidade entre as nações, o desarmamento e uma ordem mundial melhor para ter sucesso em nosso tempo. A concessão deste ano do Prêmio Nobel da Paz está firmemente ancorada nas disposições do testamento de Alfred Nobel.”

Predadores da liberdade de imprensa 

A Repórteres sem Fronteiras manifestou-se sobre o Nobel da Paz para dois jornalistas, elogiando a escolha por apoiar o jornlismo independente e plural em tempos de desinformação e repressão a jornalistas. 

Rodrigo Duterte, das Filipinas, e Vladimir Putin, da Rússia, estão entre os 37 líderes globais listados pela organização em maio como predadores da liberdade de imprensa. Jair Bolsonaro também faz parte da lista. 

Segundo a organização, “todos são chefes de Estado ou de governo que espezinham a liberdade de imprensa criando um aparato de censura, prendendo jornalistas arbitrariamente ou incitando à violência contra eles, quando não têm sangue nas mãos porque, direta ou indiretamente, pressionaram para que jornalistas fossem assassinados”.

Os “predadores” governam, em sua imensa maioria, países com situação classificada como “ruim” ou “muito ruim” pelo mapa da liberdade de imprensa da RSF.  

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A lista é feita a cada cinco anos. Putin entrou para o grupo pela segunda vez. 

Sobre o filipino, a Repórteres sem Fronteiras disse: 

“Apoiado pela maior parte do setor privado, Duterte impõe facilmente sua linha aos meios de comunicação de propriedade de empresários que o apóiam. Os meios de comunicação independentes assumiram o papel de oposição, com todos os riscos que isso acarreta.

“Graças ao conluio em todos os níveis dentro do aparato estatal, Duterte tem um arsenal que pode usar para travar uma ‘guerra total’ contra os jornalistas, um arsenal que inclui acusações espúrias de difamação, evasão fiscal ou violação da legislação capital; rescindir licenças de transmissão; conseguir cúmplices para comprar meios de comunicação e colocar seus jornalistas na linha; e usando um exército de trolls para sujeitar jornalistas ao assédio online”.

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