A aรงรฃo do governo chinรชs sobre as plataformas digitais chegou a uma rede social menos afeita a polรชmicas: o LinkedIn na China virou alvo de protestos apรณs perfis de jornalistas que cobrem a China a partir de outros paรญses serem bloqueados para exibiรงรฃo no paรญs.

O Comitรช para a Proteรงรฃo de Jornalistas (CPJ) chamou atenรงรฃo na รบltima semana para o caso de Bethany Allen-Ebrahimian, escreve sobre a China a partir de Washington para o site de notรญcias Axios, e da freelance britรขnica Melissa Chan, que foi correspondente da Al Jazeera e em 2012 perdeu o visto de permanรชncia no paรญs, vivendo hoje entre Berlim e EUA.

Ambas anunciaram via Twitter que receberam e-mails do LinkedIn informando que seus perfis pรบblicos nรฃo seriam mais visรญveis na China devido ร  presenรงa de โ€œconteรบdo proibidoโ€.

Com a remoรงรฃo, os posts ficaram visรญveis apenas em outros paรญses, mas nรฃo em territรณrio chinรชs.

Rede corporativa

A crise do Linkedin na China รฉ uma novidade, pois a rede nรฃo costuma aparecer associada a temas que afligem a maioria das demaism como desinformaรงรฃo ou discurso de รณdio. 

Lanรงada em 2003, foi comprada em 2016 pela Microsoft. Tem quase 800 milhรตes de membros em 200 paรญses, sendo 51 milhรตes no Brasil, conforme dados divulgados em agosto. 

ร‰ uma plataforma de relacionamentos essencialmente corporativa, utilizada por empresas, executivos, profissionais e acadรชmicos sobretudo para a troca de experiรชncias, divulgaรงรฃo de atividades das empresas e recrutamento. Os usuรกrios sรฃo identificados e em geral querem distรขncia de polรชmicas que possam afetar suas carreiras. 

Acordo para funcionar na China 

Com perfil menos controverso, o LinkedIn conseguiu negociar com o governo chinรชs em 2014  um acordo para operar uma versรฃo filtrada de sua plataforma, contornando assim o bloqueio que impede Facebook, Twitter e YouTube de funcionarem no paรญs. 

Segundo o instituto de pesquisas Statista, em 2019 o LinkedIn tinha 44 milhรตes de usuรกrios na China, sua terceira maior base depois dos EUA e รndia.  

Mas as relaรงรตes azedaram. Em marรงo de 2021, os reguladores da Internet da China puniram o LinkedIn por causa do conteรบdo polรญtico, suspendendo novas inscriรงรตes por um mรชs e exigindo que a empresa apresentasse uma autoavaliaรงรฃo ร s autoridades. Trรชs meses depois os bloqueios comeรงaram. 

Respeito ร s leis 

O site Axios fez uma reportagem sobre o caso assinada pela prรณpria repรณrter, acusando o LinkedIn de ser a รบnica ds grandes plataformas de mรญdia social a concordar com exigรชncias de censura do governo chinรชs e restringir o que os usuรกrios do paรญs podem ver. 

A rede social disse ao Axios: “somos uma plataforma global que respeita as leis que se aplicam a nรณs, incluindo a adesรฃo ร s regulamentaรงรตes do governo chinรชs para nossa versรฃo localizada do LinkedIn na China”. 

E observou que “para membros cuja visibilidade do perfil รฉ limitada na China, seus perfis ainda sรฃo visรญveis no resto do mundo, onde o LinkedIn estรก disponรญvel.”

Mas segundo a jornalista, a empresa nรฃo respondeu a perguntas sobre qual conteรบdo foi especificamente considerado “proibido”, que lei chinesa o conteรบdo violou e se o LinkedIn mantรฉm uma lista interna de tรณpicos proibidos que usa para remover perfis de forma proativa.

Procurado pela CPJ na รบltima semana para falar sobre o caso, o LinkedIn nรฃo respondeu. 

LinkedIn sugeriu que jornalistas “atualizassem seรงรตes especificadas”

Segundo o CPJ, as mensagens informavam  ainda que a empresa revisaria a acessibilidade dos perfis na China se os jornalistas atualizassem seรงรตes especificadas, observando que a decisรฃo de atualizar “รฉ sua”.

โ€œAo pedir aos jornalistas que alterem conteรบdo que pode fazer referรชncia a assuntos considerados ‘sensรญveis’ para o Partido Comunista Chinรชs, a fim de recuperar o acesso ร  versรฃo chinesa do LinkedIn, a empresa estรก facilitando a exportaรงรฃo da censura chinesa de jornalistas em todo o mundoโ€, disse o coordenador do CPJ, Carlos Martinez de la Serna.

โ€œO LinkedIn nรฃo deve desempenhar um papel no esforรงo da China para controlar o diรกlogo em torno de certos tรณpicos, mas, em vez disso, deve fazer todo o possรญvel para reagir contra tais interferรชncias com base em suas obrigaรงรตes de acordo com os princรญpios de direitos humanos e de negรณcios.โ€

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Melissa Chan disse ao CPJ que nรฃo mudaria seu perfil. Em uma conversa com representantes da orgaizaรงรฃo, ela relatou que tem sido objeto de abusos online e campanhas de desinformaรงรฃo desde a recusa da China em renovar seu visto, em 2102.

Ela acredita que perdeu o visto em reaรงรฃo a uma reportagem sobre as chamadas “prisรตes negras”, redes de centros de detenรงรฃo secretos. 

“No grande esquema de intimidaรงรฃo que enfrentei, a remoรงรฃo do perfil no LinkedIn รฉ uma infraรงรฃo relativamente pequena โ€, disse ao CPJ. 

Intolerรขncia com imprensa estrangeira

Os bloqueios no LinkedIn acontecem no momento em que a China dรก sinais cada vez maiores de inconformismo com a mรญdia ocidental e com entidades de defesa da liberdade de imprensa. 

Hรก duas semanas, o editor de um jornal estatal alinhado ao Partido Comunista Chinรชs publicou um artigo de opiniรฃo com ataques frontais ร  organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras, acusando-a de uma campanha contra o paรญs. 

O texto รฉ agressivo, e faz ameaรงas que dificilmente poderiam ser cumpridas por um editor de jornal sozinho. Diz que a entidade รฉ um cachorro selvagem assombrando o caminho da China, e que o paรญs deveria portar um porrete para combatรช-la. 

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Relatos sobre bloqueios do LinkedIn na China vรชm desde 2019

O primeiro caso de conhecimento pรบblico de bloqueios no LinkedIn na China ocorreu em janeiro de 2019, com o ativista de direitos humanos Fengsuo Zhou.

Na ocasiรฃo, ele afirmou que somente recebeu um aviso do LinkedIn informando que seu perfil havia sido retirado do ar.

Em marรงo de 2021, o The New York Times relatou que o LinkedIn foi sancionado pelo governo chinรชs por supostamente nรฃo controlar o conteรบdo polรญtico, exigindo que a empresa suspendesse novas inscriรงรตes por 30 dias e apresentasse um relatรณrio de autoavaliaรงรฃo ร s autoridades.

Em junho, reportagem do jornal The Guardian afirmou que pesquisadores e analistas que trabalham com conteรบdo sobre a China tambรฉm receberam avisos similares do LinkedIn, como no caso abaixo.

Na quarta-feira (6/10), o CPJ publicou comunicado exigindo a restauraรงรฃo da exibiรงรฃo dos perfis das jornalistas na China e ainda cobrando que o LinkedIn seja “transparente sobre o processo que leva ร  retirada de perfis e garanta que a empresa nรฃo facilite a exportaรงรฃo global de censura chinesa a repรณrteres”.

Repressรฃo ร  mรญida se estende a Hong Kong 

Em Hong Kong, o governo da China tambรฉm intensificou as perseguiรงรตes ao jornalismo sobretudo desde o fim do ano passado, quando entrou em vigor uma nova lei de seguranรงa nacional. 

O proprietรกrio do maior grupo de mรญdia do paรญs foi preso e cumpre pena de trรชs anos de prisรฃo por ter participado dos protestos contra o governo chinรชs depois que o paรญs retomou do Reino Unido o comando do territรณrio, resultado de acordo assinado 50 anos antes.

O acordo previa que Hong Kong continuaria a desfrutar das mesmas liberdades, mas pouco a pouco a situaรงรฃo foi mudando, o que culminou em violentos protestos de rua em 2018. Desde entรฃo, opositores e a mรญdia independente entraram no radar de Pequim e vรกrios veรญculos fecharam. 

A perseguiรงรฃo atingiu atรฉ o maior grupo de mรญdia do paรญs, o Next. O proprietรกrio, um bilionรกrio de 73 anos, foi preso em dezembro e condenado em abril a trรชs anos de prisรฃo por ter apoiado os protestos. 

O jornal sofreu batidas policiais, jornalistas foram presos a empresa teve os bens congelados, atรฉ que teve que fechar as portas. Em setembro, foi a fez do Next encerrar as operaรงรตes. 

Leia mais: Com jornal fechado e bens congelados pela China, maior grupo de mรญdia de Hong Kong anuncia fim das operaรงรตes. 

Investida chinesa contra redes sociais

O governo chinรชs vem apertando tambรฉm o controle sobre as redes sociais locais. O Weibo e o WeChat, equivalentes chineses do Twitter e WhatsApp, jรก sofreram interferรชncias do governo, que proibiu rankings de celebridades no primeiro e atacou a polรญtica de seguranรงa de conteรบdo para crianรงas no segundo.

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