Londres – Sediar eventos globais sempre foi o sonho de muitas nações, disputando ferozmente a oportunidade de atrair a atenção do mundo e receitas em turismo e propaganda. 

No entanto, depois que ativistas aprenderam a aproveitar os encontros para protestar em escala planetária, e que populações locais tornaram-se críticas quanto aos investimentos e impacto em suas vidas, alguns países podem estar se arrependendo da briga travada.

A COP26, que começa daqui a menos de três semanas, é um exemplo. Embora sem o potencial de impacto urbano de uma Olimpíada, está fazendo com que o governo britânico e até a realeza sejam confrontados mais diretamente pela sociedade.

Para complicar, o Reino Unido vive uma crise energética, com preços elevados e temores de racionamento.

Catastrofistas vaticinam que o país pode repetir o “Winter of Discontent” de 1979, marcado por greves e falta de produtos nos supermercados.

O modelo energético da Grã-Bretanha, fortemente dependente de combustíveis fósseis, é um ponto sensível para o país que recebe a conferência, mais vulnerável por ter sua população (e os ativistas) perto dos acontecimentos.

O grupo Extinction Rebellion começou cedo. Passou três semanas bloqueando vias públicas para exigir instalação de proteção térmica nas residências. E promete agir durante a conferência.  

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Diante da falta de hospedagem em Glasgow para os participantes, Edinburgo é a opção mas fácil, pela vasta rede hoteleira. Mas há temores de interrupção do tráfego nas estradas que levam à cidade que vai sediar a  cúpula. 

O transtorno causado por esses protestos gera sentimentos ambíguos. Uma pesquisa do instituto YouGov publicada em 8 de outubro mostrou que 72% dos entrevistados opõem-se aos protestos, um aumento de 13% em comparação à primeira semana da ação.

Nem a rainha Elizabeth escapou

Ainda assim os ativistas ambientais seguem firmes, não poupando sequer a realeza.

No dia 9 de outubro, um sábado, uma manifestação liderada pelo apresentador da BBC Chris Packham fez barulho diante do Palácio de Buckingham, pedindo que os Windsor deixem a mata voltar a tomar conta de suas propriedades.

Packham apresenta um dos principais shows ambientais da rede, o Springwatch. E paga caro por seu ativismo fora das telas.

Um dia antes do protesto, seu Land Rover foi incendiado em frente de casa, aparentemente por gente que discorda de sua campanha contra a caça.

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Apresentador da BBC conhecido por ativismo ambiental, que liderou o ato diante do Palácio de Buckingham, teve carro incendiado na porta de casa na véspera da manifestação

 

Enquanto isso, empresas que operam no país esforçam-se para mostrar seu compromisso ambiental antes da conferência, acelerando projetos e lançamentos capazes de posicioná-las como companhias alinhadas ao que a COP26 vai debater: o desafio de limitar o aumento da temperatura do planeta.

Transformação, além do discurso 
Vinícius de Carvalho / Brazil Institute (divulgação)

Vinícius de Carvalho, professor brasileiro que dirige o Brazil’s Institute do King’s College e mediou um debate promovido com a Aberje sobre a COP26, disse ao MediaTalks achar louvável a disposição das empresas em ouvir e repensar modos de produção e produtos, o que leva à transformação.

Para o professor, a grande lição da COP26 será demonstrar que há conhecimento disponível para empresas e governos utilizarem, abrindo um diálogo ainda maior com pesquisadores. E ele acredita que as empresas reagem mais rápido do que os países.

Algumas iniciativas mostram isso. O McDonald’s acaba de lançar o Big Mac plant-based no Reino Unido. Por enquanto ainda em caráter de teste, em parte das lojas.

Não foi a primeira rede a fazê-lo, mas fez bem feito, garantindo ausência de contato com ingredientes de origem animal durante a produção, crítica feita a outros que tinham saído na frente.

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Essa é outra lição: não dá mais jogar para a plateia sem consistência, pois cidadãos, ativistas e a mídia não engolem greenwashing.

Carvalho está entre os 28% que aprovam a ação de ativistas, mesmo os radicais. Lembra que foi graças ao radicalismo que mulheres ganharam o direito ao voto. E acha que o barulho que fazem é um recado: se não estamos sendo ouvidos, vamos gritar e espernear.

A COP26 é um evento único. Diferentemente da longínqua Rio 92, acontece quando a emergência climática é inquestionável. E na era do engajamento e da descentralização de narrativas proporcionados pelas redes sociais.

Nesse contexto, alerta o professor, cabe à comunicação estratégica perceber as situações desafiadoras que exigirão respostas e não apenas discursos. E que mostrem transformação à sociedade.

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