A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tomou nesta segunda-feira (18/10) uma decisão histórica para combater a impunidade dos crimes contra jornalistas.

A Colômbia foi condenada pelo sequestro, tortura e estupro da jornalista Jineth Bedoya, ocorrido há 20 anos. O crime foi praticado por paramilitares que ela investigava. Na época, a jornalista tinha 26 anos. 

O tribunal concluiu que as provas contra o Estado colombiano eram “sérias, precisas e consistentes”.

O país foi declarado “internacionalmente responsável pela violação dos direitos à integridade e liberdade pessoal, honra, dignidade e liberdade de expressão” de Jineth Bedoya.

Em virtude disso, o estado colombiano terá de pagar indenizações de US$ 30 mil (R$ 166 mil) à jornalista e à mãe dela. A condenação determina também, entre outras medidas, a continuidade das investigações para responsabilizar os autores pelos crimes praticados  e a realização de uma campanha de apoio ao movimento #NoEsHoraDeCallar (Não É Hora de Calar), criado pela jornalista.

A Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ)  disse que a decisão constitui um grande passo na luta dos jornalistas contra a impunidade e as diversas formas de violência e discriminação a que estão diariamente expostos.

Jornalista foi sequestrada na porta de presídio

Em 25 maio de 2000, Bedoya trabalhava para o jornal El Espectador e fazia uma reportagem investigativa sobre tráfico de armas.

Ela foi sequestrada diante do presídio La Modelo, em Bogotá, onde pretendia entrevistar  líderes paramilitares. 

Suspeitando de uma possível armadilha, a jornalista estava acompanhada de um editor e de um fotógrafo, e aguardavam autorização para entrar. Mas quando os dois acompanhantes se afastaram por um momento, Bedoya desapareceu.

A jornalista foi drogada, mantida em cárcere privado e violada sexualmente. Em seguida foi jogada sem roupa à beira de uma estrada em Bogotá.

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Dois meses antes do sequestro, a jornalista e a mãe já haviam sido vítimas de agressões. Mas como elas não foram investigadas, o Estado não foi obrigado a lhes oferecer proteção.

Por essa razão, a condenação da CIDH também responsabilizou a Colômbia por violação dos direitos às garantias judiciais, à proteção judicial e à igualdade perante a lei devido à ausência ou demora das investigações sobre essas ameaças.

#NoEsHoraDeCallar

Jineth Bedoya trabalha hoje no jornal El Tiempo. Por segurança, o governo colombiano designou três guarda-costas e um carro à prova de balas para protegê-la. 

No Twitter, ela comentou a decisão:

“O dia 18 de outubro de 2021 fica para a história como o dia em que uma luta, iniciada por um crime individual, levou à reivindicação dos direitos de milhares de mulheres vítimas de violência sexual e de mulheres jornalistas que deixaram parte de sua vida em seu ofício”. #NoEsHoraDeCallar

Luta de Bedoya foi reconhecida por prêmios internacionais

A luta da jornalista em prol dos direitos das mulheres foi amplamente reconhecida. Em 2001, ela recebeu o prêmio Coragem no Jornalismo da Fundação Internacional de Mídia Feminina.

Em 2020, foi contemplada com o Prêmio Unesco-Guillermo Cano para a Liberdade de Imprensa Mundial e com a Caneta de Ouro da Liberdade pela Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA),

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Governo terá de divulgar campanha de Bedoya na mídia

Com a decisão da corte de direitos humanos, o Estado colombiano terá que divulgar o movimento “No es hora de callar”, criar programas para proteger mulheres jornalistas e um centro estatal de memória para mulheres vítimas da violência.

A campanha deverá ser transmitida pelos meios de comunicação públicos, com um conteúdo de pelo menos 60 minutos por mês durante cinco anos, a fim de aumentar a consciência sobre os direitos da mulher no exercício do jornalismo na Colômbia.

A Corte determinou ainda que o governo crie um plano de capacitação e conscientização de funcionários públicos, forças de segurança e operadores de Justiça. O programa tem como objetivo “garantir que tenham os conhecimentos necessários para identificar os atos e manifestações de violência que afetam as mulheres jornalistas, protegê-las em situações de perigo e investigar e processar os perpetradores”.

A Colômbia ficou obrigada a destinar US$ 500 mil (RS 2,7 milhões) para a criação de um fundo que vai financiar programas voltados para a prevenção, proteção e assistência às mulheres jornalistas vítimas de violência de gênero no exercício da profissão. O país também deverá adotar medidas eficazes de proteção para garantir a segurança das mulheres jornalistas que estão sujeitas a riscos maiores.

Sentença cumprida

O presidente Iván Duque anunciou que a sentença será cumprida e afirmou que casos como o de Bedoya não devem se repetir.

Entretanto, em março seu governo optou por se retirar das audiências da Corte e tentou contestar os magistrados, alegando que a posição do tribunal era “tendenciosa”, segundo a IFJ. 

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A presidente da Federação Colombiana de Jornalistas (Fecolper), Adriana Hurtado, disse:

“A batalha jurídica e emocional que Jineth Bedoya travou durante essas duas décadas merece todo o reconhecimento nacional e internacional por sua coragem, resistência e resiliência.

Jineth não parou por um minuto em sua luta por justiça, embora isso a tenha feito ser vitimada novamente.”

Hurtado complementou dizendo que “Bedoya permaneceu no exercício jornalístico, enviando assim uma mensagem poderosa a seus sequestradores, de que eles não foram capazes de silenciá-la”.

“Esperamos que a Colômbia não só cumpra a sentença, mas também garanta políticas para que as mulheres não sejam vítimas de violência sexual.

Manifestamos nossa solidariedade para todas as mulheres jornalistas vítimas de graves danos devido ao exercício da sua atividade.”

Em comunicado, a Fundación para la Libertad de Prensa (FLIP) e o Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL), que representaram Bedoya na Corte de Direitos Humanos, falaram sobre a decisão.

“Jineth Bedoya está há mais de 20 anos buscando a Justiça de forma incansável e se tornou um símbolo e referência na luta contra a violência sexual, especialmente em relação às mulheres jornalistas.

Essa decisão da Corte Interamericana é dignificante não só para Jineth, mas representa uma esperança para as milhares de vítimas de violência sexual durante o conflito armado colombiano.”

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