Londres – A organização Repórteres Sem Fronteiras anunciou nesta quinta-feira (18/11) os vencedores de seu prêmio anual Liberdade de Imprensa, com o reconhecimento a uma jornalista chinesa condenada a quatro anos de prisão por ter transmitido informações sobre o surto da Covid-19 a partir da cidade de Wuhan. 

Zhang Zhan, que faz greve parcial de fome desde o ano passado e segundo sua família está pesando menos de 40 quilos, foi premiada na categoria Coragem, pela sua ousadia em desafiar a censura na China e revelar ao mundo por meio de vídeos em redes sociais a situação da pandemia na cidade em que o vírus foi detectado primeiro.

Junto com ela foram homenageados a jornalista palestina Majdoleen Hassona, na categoria Independência, e o Projeto Pegasus, na categoria Impacto.

Prêmio Liberdade de Imprensa 

O prêmio anual da RSF reconhece jornalistas, veículos de comunicação ou ONGs que contribuíram para a o jornalismo independente e plural.  

O Pegasus revelou como cerca de 200 jornalistas foram espionados por regimes autoritários e em países democráticos.

O projeto é um consórcio internacional de mais de 80 jornalistas de 17 veículos de comunicação de 11 países, coordenado pela organização Forbidden Stories, com suporte técnico de especialistas do Laboratório de Segurança da Anistia Internacional.

Pegasus Project – Foto: Pegasus Project

O Intercept Brasil foi finalista na categoria Impacto, com a investigação sobre mensagens trocadas entre promotores da Operação Lava Jato, conhecida como Vaza Jato. A equipe do veículo foi ameaçada, perseguida e respondeu a inquéritos judiciais. Glenn Greenwald, então diretor,  recebeu ameaças de morte.

A palestina Majdoleen Hassona também enfrentou ameaças em seu trabalho e paga alto preço. Antes de entrar para o canal turco TRT e de se estabelecer em Istambul, foi regularmente processada e assediada devido a suas reportagens críticas. 

Um dos trabalhos de destaque mais recente dela foi em junho de 2021, cobrindo as manifestações antigovernamentais que se seguiram à morte do oposicionista Nizar Banat.

Neste vídeo, ela agradece o prêmio e narra sua luta. 

Jornalista chinesa corre risco de morte 

Embora a situação de Hassona seja preocupante, o caso de Zhang Zhan é mais dramático, pelo real risco de morte que ela corre, segundo as entidades internacionais e a família. 

Residente em Xangai, Zhan foi sozinha para Wuhan em 1º de fevereiro de 2020 e utilizou as  plataformas WeChat, Twitter e YouTube para mostrar entrevistas com residentes e imagens de crematórios, estações de trem, hospitais e do Instituto de Virologia da cidade, enfurecendo o governo. 

Ao reconhecer a coragem da chinesa, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) aumenta as pressões internacionais por sua libertação após a condenação por “disseminar informações falsas na imprensa”. 

Desde que iniciou sua greve de fome, Zhang é alimentada à força por uma sonda nasal. Devido ao seu enfraquecimento, teve de comparecer ao seu julgamento, realizado em dezembro de 2020, em uma cadeira de rodas. 

Ao mesmo tempo em que mantém a jornalista na prisão, a China firmou um acordo com os EUA para garantir livre trânsito a correspondentes internacionais dos dois países, depois de uma sucessão de embates envolvendo expulsão ou cancelamento de vistos de trabalho. 

Na semana passada, o irmão de Zhan divulgou uma foto antiga dela pedindo que fosse lembrada como era antes da prisão e da greve de fome.

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Carta aberta pede libertação da jornalista chinesa 

Uma carta aberta endossada por centenas de advogados pede atendimento médico para Zhang Zhan, já que seu estado de saúde se deteriora a cada dia que passa.

A carta foi assinada em 12/11, e a partir de 15/11 começou a repercutir nas mídias asiáticas e ocidentais.

Quem assina o pedido são os advogados de direitos humanos Tang Jitian, Xie Yang, Wang Yu, Wang Quanzhang e Li Dawei, um ex-prisioneiro político e advogado que nunca teve permissão para exercer a profissão na China.

A carta foi endereçada aos diretores do Departamento de Justiça Municipal de Xangai e da Prisão Feminina de Xangai, cobrando ação imediata:

“Nós, como cidadãos, amigos de Zhang Zhan e pessoas que admiram seu senso de consciência, estamos preocupados com a deterioração de sua saúde.

Estamos profundamente preocupados em saber que o irmão mais velho de Zhang Zhan recentemente entrou com um pedido de liberdade condicional médica em seu nome e que ela está à beira da morte.

Para evitar uma tragédia, achamos necessário escrever uma carta para expressar nosso pedido coletivo: que Zhang Zhan seja submetida a um exame físico completo e que receba tratamento médico de emergência em tempo hábil.”

Os advogados explicam o motivo da proposta de resistência que Zhan faz com a greve de fome — que não é obter uma sentença mais leve no tribunal, nem receber liberdade condicional médica ou libertação antecipada após o veredicto:

“A  greve de fome de Zhang Zhan é uma expressão pura de rejeição diante da perseguição”

Imprensa vs China

A carta também fala sobre o trabalho que a jornalista desenvolveu em Wuhan:

“Enquanto estava em Wuhan, ela passou a maior parte do tempo documentando silenciosamente a vida dos residentes de Wuhan durante a epidemia, ocasionalmente ajudando outras pessoas a enviar informações de socorro, sem interferir de forma alguma na prevenção de desastres e nos esforços de socorro do governo.

Seu papel durante a epidemia foi essencialmente o de uma jornalista-cidadã. Como tal comportamento pode ser considerado “provocando brigas e provocando problemas?”

O documento destaca a coragem de Zhang Zhan em ir para Wuhan sozinha (quando muitas pessoas fugiram da cidade por causa da epidemia), o que mostra o tipo de pessoa que ela é:

“Alguém que faz sacrifícios pelo bem comum em tempos de crise nacional ou que entrega sua vida por uma causa justa. Pode-se dizer que indivíduos como Zhang Zhan são o maior tesouro espiritual de uma nação.”

“Zhang Zhan é uma pessoa de caráter raro e inabalável. Ela vive com dignidade, disposta até a se martirizar para protestar contra a perseguição contra ela.”

EUA, China e imprensa

 No começo de novembro, o Departamento de Estado dos EUA criticou a detenção arbitrária e pediu a libertação imediata e incondicional de Zhang Zhan, mas o tema não entrou na pauta da reunião entre os presidentes dos dois países que aconteceu esta semana. 

Poucos dias depois (em 16/11), os Estados Unidos e a China formaram um acordo de livre trânsito para seus jornalistas terem mais liberdade de trabalho.

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