A gravidade dos efeitos das mudanças climáticas está impondo desafios ao ativismo ambiental, visto como o principal motor para as transformações destinadas a limitar o aquecimento global a 1,5ºC , como exigem os cientistas. 

Na COP26, alguns ativistas – como a brasileira Txai Suruí – tiveram a chance de falar diretamente aos governantes e líderes de grandes empresas internacionais. 

Mas nem todos acham que o diálogo bem-comportado em fóruns globais é o caminho. As jornalistas Mary Annaïse Heglar e Amy Westervelt, do The Nation, questionam se o ativismo “cortês” vai ajudar a salvar o planeta. 

“Não importa o que ele diga hoje”, disse a ativista climática Lauren MacDonald  às lágrimas em sua primeira fala no painel TED Countdown, em Edimburgo. 

“Lembre, a Shell gastou milhões encobrindo os alertas de cientistas do clima, subornando políticos e até mesmo pagando soldados para matar ativistas nigerianos que lutavam contra eles, tudo enquanto reformulava a marca para fazer parecer que se importava e que tinha a intenção de mudar.” 

Ela disse isso, embora os organizadores da conferência TED tivessem passado quatro horas pressionando-a para ser mais gentil, mais “neutra”.

Disse isso apesar de o homem sobre o qual ela estava falando, o CEO da Shell, Ben van Beurden, estar sentado no palco com ela. 

Quando ele hesitou em sua resposta, MacDonald não quis dividir o palco com ele por mais tempo, e saiu acompanhada de dezenas de outros ativistas. 

Greve de fome por ação climática

Após o que aconteceu no TED, van Beurden optou por não comparecer à COP26 porque disse que se sentia “indesejada”. Ao mesmo tempo, manifestantes ocuparam o Museu da Ciência de Londres para protestar contra seus muitos acordos de patrocínio com empresas de combustíveis fósseis. 

Nos Estados Unidos, jovens ativistas do clima começaram o que viria a ser uma greve de fome de duas semanas para exigir uma real ação climática do governo Biden. 

A greve terminou quando o grupo recebeu a garantia de que as promessas dos democratas de que um acordo sobre política climática seria alcançado – apenas para o senador Joe Manchin argumentar novamente que o projeto de Biden Build Back Better é muito caro, exigindo que uma análise completa pelo Escritório de Orçamento do Congresso antes de votar nele. 

Uma semana depois, esses mesmos jovens, ainda fracos devido à greve de fome, se juntaram a uma multidão para cercar Manchin quando ele saía de um estacionamento em Washington em seu carro de luxo Maserati.

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Foto: Sean Robbins/Unsplash

Ativistas “rudes”

Manchin chama ativistas como esses de “empoderados”; outros os chamam de “rudes“. Na COP26, Barack Obama os repreendeu por gritarem. 

A secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas  (entidade da ONU que supervisiona as reuniões da COP e quaisquer tratados que resultem delas) e organizadora do evento TED, Christiana Figueres, chorou após o confronto de MacDonald com van Beurden. 

Não porque ela de repente percebeu a loucura de convidar um executivo de petróleo para um evento climático, mas porque o conflito foi feio. 

Essas reações são interpretações erradas do que “civilidade” significa quando se trata de desobediência “civil”.

A palavra refere-se ao poder das pessoas comuns, a demandas públicas. Não significa “civilizado” ou “cortês”.

Décadas de ativismo ambiental

A realidade é que os ativistas do clima passaram décadas pedindo educadamente aos líderes mundiais para agirem sobre o problema que pode matar milhões. Eles mantiveram um diálogo respeitoso em fóruns respeitáveis. 

Produziram gráficos e apresentaram uma infinidade de soluções aceitáveis que, se tivessem sido implementadas em um prazo razoável, não teriam levado a uma ameaça dramática como a que nos encontramos. 

Repetidamente, eles encontraram atores de má-fé em sua trajetória de boa fé. Em resposta, ouviram mentiras e viram pouca ação significativa. 

A corrupção política é civilizada? É educado um senador arriscar condenar o planeta antes de partir no iate que comprou com o meio milhão de dólares que ganha todos os anos da indústria de combustíveis fósseis?

Desde 2018, o movimento Jovens Pelo Clima lembra ao mundo como são as pessoas que lutam por suas vidas. Não é bem educado, nem deveria ser. 

Existe algum movimento de justiça na história que teve sucesso por conta de seguir a etiqueta? Como disse Frederick Douglass:

“O poder não concede nada sem uma exigência. Ele nunca fez e nunca fará.”

Greenwashing no alvo do ativismo ambiental 

Para quem ainda acha que as empresas de petróleo são “parte da solução” ou que realizarão voluntariamente o que precisa ser feito, vale olhar a Shell. 

No início de 2020, um tribunal holandês ordenou que a empresa aumentasse seus compromissos climáticos e reduzisse as emissões de gases de efeito estufa em toda a linha – não apenas suas próprias emissões, mas também nas dos clientes – em 45% até 2030. 

A Shell está apelando dessa decisão, e nesse meio tempo, anunciou o seu próprio compromisso: reduzir as emissões em 45% até 2030, mas apenas as suas emissões internas, que representam só 10% das emissões globais da empresa.

O que eles estão dispostos a fazer é 90% menos do que é preciso que façam.

Isso aconteceu cerca de um ano depois que alguns líderes de energia renovável da Shell negarem que o cronograma da empresa para parar de usar combustíveis fósseis era muito lento. 

Na época, executivos da Shell disseram que a empresa estava realmente fazendo muito para abandonar os combustíveis fósseis – mas que ela  simplesmente não estava falando sobre isso o suficiente. 

Esse é o código para um ‘greenwashing’ corporativo [expressão para nomear ações de empresas ou governos que trabalham uma falsa imagem para esconderem práticas antiecológicas].

E isso foi um mês depois que a Shell ter sido humilhada no Twitter por causa dessa abordagem. Eles nunca se engajaram de boa fé, não sabem como fazer isso. 

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Abordagem direta

Alguns dizem que a obstinação do senador Joe Manchin é a prova de que a abordagem direta dos jovens ativistas pelo clima não funciona. Mas também não se pode dizer que pedir diretamente a ele funcionaria bem. 

Além disso, o que vemos em documentos internos de empresas de petróleo é que o movimento dos jovens pelo clima foi a primeira coisa que fez com que eles realmente se preocupassem em perder sua “licença social”.

Em um documento vazado sobre a de estratégia de marketing da BP, os executivos mostraram preocupação com o ativismo, dizendo que  “as novas vozes de influência global estão mudando – de governos, ONGs e empresas para as pessoas”.

Opa! Ao contrário de um certo senador da Virgínia, parece que “o povo” pode não ser tão facilmente influenciado e recompensado.

De acordo com os consultores de marketing da BP, o desafio particular do movimento jovem pelo clima era sua autenticidade.

“Podemos nos tornar mais identificáveis, apaixonados e autênticos?”, perguntavam.

A tarefa, de acordo com os consultores da BP, era “envolver e reconquistar a confiança das pessoas com maior voz”. Novamente, essas pessoas a quem eles se referem são jovens ativistas do clima, e não é porque eles são simpáticos.

Para quem está mais preocupado com boas maneiras do que com a sobrevivência, isso é um luxo. Para quem está lutando por um futuro habitável, o objetivo não vale um pouco de desconforto? 

Afinal, os que acham a desobediência civil desagradável vão odiar as mudanças climáticas. Compromisso e civilidade são o conforto dos ricos e poderosos.

Se quisermos que as elites ajam, teremos que tornar sua complacência desconfortável. E isso vai exigir alguma falta de civilidade. 


Este artigo foi publicado originalmente em The Nation e é parte da coalizão global Covering Climate Now. 

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