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Análise COP26 | as lições da Suécia, líder global em desempenho ambiental

Imagem: Wikipedia (public domain)

Claudia Wallin

Estocolmo – As credenciais suecas são invejáveis: responsável por apenas 0.1% das emissões globais de gases de efeito estufa, o país lidera – pelo quarto ano consecutivo – o ranking do Climate Change Performance Index, que avalia o desempenho ambiental das 57 maiores economias do mundo.

Mais uma vez, porém, nenhum país atingiu a classificação de “muito boa” para a sua performance –  por isso, repetiu-se a situação inusitada em que os três primeiros lugares do ranking deste ano permaneceram vazios. 

Em quarto lugar – e portanto, no topo do ranking – está a Suécia, que teve avaliação alta por suas políticas climáticas mas não chegou a obter a nota máxima. O Reino Unido aparece na quinta posição, seguido pela Dinamarca.

Longa lista de conquistas ambientais

Primeiro país do mundo a implementar a precificação do carbono como instrumento para acelerar a transição energética, a Suécia tem um dos mais altos impostos sobre CO2. Pelas ruas de todas as cidades, circula uma impressionante frota de transportes públicos movidos a biocombustíveis.

É também dos suecos uma das mais altas taxas de reciclagem de lixo do mundo: 99%. 


Este artigo faz parte do Especial COP26 – veja o relatório


Investimentos na transição energética são constantes neste país nórdico de 10,3 milhões de habitantes. Em 2020, a Suécia inaugurou a primeira siderúrgica do mundo alimentada exclusivamente por hidrogênio.

Em parte graças a generosos subsídios do governo, a Suécia já tem a terceira maior frota de carros elétricos do mundo (32,2%) – atrás apenas da Noruega (74,8%) e da Islândia (45%), segundo a consultoria Statista.

A produção de eletricidade no país é 98% livre de carbono. No total, 56% da energia utilizada na Suécia vem de fontes renováveis, o que representa o mais alto índice entre os países da União Europeia. A lista de conquistas ambientais é longa.

Os principais vilões do clima na Suécia são o setor de transportes e a indústria (como a produção de aço e a mineração) – que, juntos, responderam por dois terços das emissões de gases poluentes em 2019.

Diversos projetos para a transição energética têm sido feitos em cooperação com o setor privado, e contam com o apoio da Confederação das Indústrias sueca.

Meta de se tornar primeiro país livre de combustíveis fósseis

Já em 2015, a Suécia ganhou as manchetes internacionais ao anunciar sua meta climática durante a Assembleia Geral da ONU: tornar-se o primeiro país do mundo totalmente livre do uso de combustíveis fósseis. O então primeiro-ministro Stefan Löfvendestacou na época:

“Esta é a mais importante reforma que os políticos de nossa geração farão para nossos filhos e netos.” 

Mas hoje, a avaliação é de que as medidas adotadas até o momento não bastam para que a Suécia cumpra sua ambiciosa meta de descarbonização até 2045.

Esta é a conclusão do Conselho de Política Climática da Suécia (Klimatpolitiska rådet), o órgão oficial independente que tem como missão investigar se as políticas implementadas pelo governo estão em conformidade com o objetivo de se tornar um dos primeiros países do mundo a zerar suas emissões.

Conselho considera avanços lentos

“O processo de redução das emissões caminha atualmente de forma muito lenta, o que é uma das razões para os prognósticos pessimistas sobre o alcance da meta ambiental até 2045”, disse ao jornal Svenska Dagbladet o presidente do Conselho de Política Climática, Johan Kuylenstierna.

O relatório divulgado este ano pelo Conselho indica que para que o país possa cumprir sua meta climática em 2045, será necessário diminuir as emissões para índices entre 6% a 10% ao ano, durante os próximos anos. 

O estudo mostra que, em 2019, a Suécia reduziu suas emissões em 2,4% – um resultado melhor do que os de 2018 (1,6%), 2017 (1%) e 2016 (0,8%).

Em 2020, o índice de redução das emissões chegou a 6,8%. Tratou-se, no entanto, de uma diminuição mais significativa de efeito temporário, em razão das restrições decorrentes da pandemia do Covid-19.

Emissões devem cair 85% em relação a 1990 para alcançar a meta

A avaliação do Conselho é de que as atuais medidas de proteção ao clima devem reduzir as emissões em cerca de 55% até 2045, em relação aos níveis de 1990 – resultado insuficiente para alcançar a meta de neutralidade até 2045.

Para tanto, será necessária uma redução maior, de 85% em relação aos níveis de 1990 – os 15% restantes (cerca de 10 milhões de toneladas de CO2) devem ser compensados com medidas como a captação e armazenagem de carbono.

De acordo com cientistas da ONU, o armazenamento subterrâneo de CO2 pode impedir a liberação para a atmosfera de 20 a 40 por cento de dióxido de carbono até 2050. 

A fim de que as metas climáticas da Suécia sejam de fato atingidas, os especialistas do Conselho de Política Climática do paísrecomendam novas medidas e pesados investimentos destinados a reduzir as emissões – principalmente no setor de transportes e na indústria.

Åsa Persson, vice-diretora do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), disse em entrevista a um programa da rádio pública sueca sobre a COP26:

“O trabalho aqui já começou. Estes setores estão sendo muito mais regulados, e fortes investimentos, tanto públicos como privados, estão sendo realizados. Mas muito mais precisa ser feito, e aparentemente muitos políticos suecos não têm uma visão clara sobre como atingir as metas estabelecidas para 2045.”

Redução do consumo individual

Em diversas entrevistas na mídia sueca ao longo da conferência, especialistas indicaram que a Suécia precisará reduzir também o consumo individual. Um voo de ida e volta para a Tailândia, para uma pessoa, representa o equivalente às emissões provocadas pelo uso de um carro durante um ano inteiro – segundo um especialista ouvido pela SVT.  

Há, porém, razão para otimismo. Tanto os especialistas do Conselho de Política Climática como os da Agência de Proteção Ambiental da Suécia (Naturvårdsverket) acreditam que a Suécia tem condições de agir para conseguir atingir suas metas climáticas, como disse ao canal sueco TV4 a chefe da unidade de clima da agência, Anna-Karin Nyström:

“Um fator-chave para atingir a meta parcial até 2030 é a expansão do uso de biocombustíveis no setor de transportes. E isso dependerá de termos acesso a quantidades suficientes.

A produção de biocombustíveis precisará aumentar de forma dramática. Alcançar a meta de 2045 também ainda é possível, mas será um desafio ainda maior”.

Dez bilhões de euros para o meio ambiente

Durante a COP26, a nova líder do partido Social-Democrata sueco, Magdalena Andersson – que fo reconduzida ao poder como a primeira premier da história do país depois de ter sido obrigada a renunciar horas depois de assumir o cargo -, anunciou um novo pacote de investimentos de cem bilhões de coroas suecas (equivalente a cerca de dez bilhões de euros) para a defesa do meio ambiente ao longo do próximo mandato. 

Os recursos serão destinados a projetos como o aumento da produção de aço a partir de hidrogênio verde e a ampliação da frota de caminhões pesados movidos a energia elétrica.

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A oposição, no entanto, não amorteceu as críticas, como fez a porta-voz do Partido Moderado, Jessica Rosencrantz, com relação à questão dos transportes, que responde, sozinho, por 32% das emissões do país:

“O governo parece avaliar sua política climática sob o critério da quantidade de dinheiro que gasta, em vez de da quantidade de emissões reduzidas na Suécia.

Com a política do governo atual, o ritmo da redução das emissões é lento demais. Precisamos de respostas mais rápidas para a eletrificação dos transportes.”

Dobro de ajuda aos projetos ambientais dos mais pobres

O governo também decidiu dobrar o valor da assistência sueca destinada a projetos ambientais nos países mais pobres – de 7,5 bilhões para 15 bilhões de coroas suecas.

A Suécia é o maior doador per capita do mundo em contribuições para o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund – GCF), criado para limitar as emissões de gases de efeito estufa nos países em desenvolvimento.

Maior parte da produção de energia livre de emissões

Por décadas, a Suécia tem se valido de uma combinação de tecnologias em grande parte livre de emissões de gases do efeito estufa. Tanto a energia nuclear como a hidroelétrica geram, individualmente, entre 35 e 40% da eletricidade do país. E uma proporção crescente – atualmente entre 10% e 15% – vem da energia eólica.

Dados da União Européia mostram que a Suécia produz menos dióxido de carbono por kilowatt-hora do que qualquer outro país europeu. São 13 gramas, em comparação com 189 gramas na vizinha Dinamarca e 406 gramas na Alemanha.

Gigantes nacionais, como a produtora de aço SSAB e a SSAB, líder mundial na produção de minério de ferro, têm assumido a liderança na descarbonização de seus processos industriais – o que cria uma vasta demanda por energia limpa. E o que divide hoje o Parlamento sueco é decidir qual deve ser a fonte dessa energia limpa.

Energia nuclear é limpa ou não?

A energia nuclear representa um dos principais pólos de conflito no debate sueco sobre o clima. Para a coalizão de governo na Suécia, formada pelos social-democratas e os verdes, energia “limpa” significa “renovável” – o que implica no uso apenas de energia solar, eólica e hidroelétrica.

Mas a oposição define a energia limpa como não-fóssil, e sustenta que portanto a energia nuclear pode – e deve – ser usada.

Foto: Thomas Milliot/Unsplash

Em debate recente de líderes partidários na TV pública SVT, o ministro do Meio Ambiente e Clima e vice-primeiro-ministro sueco, Per Bolund, chegou a chamar a oposição conservadora de ‘os anti-vacina da política climática’:

“A crise climática não vai acontecer daqui ou dez ou vinte anos, ela já está acontecendo. E esses sonhos a respeito da energia nuclear não ajudam em nada. O que queremos é expandir a energia renovável”, ressaltou. 

Oposição classifica política ambiental como desastrosa

Em resposta, a líder do Partido Liberal, Nyamko Sabuni, classificou a política ambiental do Partido Verde como “um desastre”:

“Os dogmas ambientalistas do Partido Verde me assustam. Não ouvem a ciência, não reconhecem os fatos. Nem ouvem o IPCC e tampouco os demais partidos verdes da Europa, que consideram a energia nuclear importante para a transição sustentável. E temos uma empresa estatal, a Vattenfall, que desenvolve energia nuclear em outros países enquanto desativa reatores na Suécia.”

Reforçando o coro, Ulf Kristersson, líder do conservador Partido Moderado, o segundo maior do país, atacou:

“Estamos sendo obrigados a fazer como a Alemanha: desativar a energia nuclear, esperar que vente bastante para termos energia eólica, e na prática passar a usar energia fóssil.

Ele se referia à decisão alemã de abolir totalmente a energia nuclear após o desastre de 2011 na usina de Fukushima, no Japão – e por isso ter passado a depender mais de suas altamente poluentes usinas de carvão (que o país promete agora fechar em 2038).

Energia nuclear responde pela terça parte da produção total

A energia nuclear representa aproximadamente 35% da produção energética da Suécia, segundo a Autoridade Sueca de Segurança Radioativa (Strålsäkerhetsmyndigheten). 

O primeiro reator nuclear da Suécia entrou em funcionamento no início dos anos 60. Após o acidente de Three Mile Island nos Estados Unidos, os suecos votaram em um refererendo para suspender a expansão da capacidade nuclear do país.

Todas as usinas nucleares deveriam ter sido fechadas até 2010. Porém, o prazo acabou sendo dilatado, diante da crescente demanda por energia e do apelo exercido por fontes de energia livres de emissões diante da crise climática.

O país tem atualmente três usinas nucleares, com um total de seis reatores em operação. Há anos, trava-se um acirrado debate no país sobre os prós e contras da energia nuclear.

Entre 2017 e 2020, um total de quatro reatores nucleares foram desativados nas usinas de Oskarshamn e Ringhals. Antes disso, desde 1999, quatro reatores já haviam sido fechados em outras instalações nucleares.

Debate aumentou no final de 2020

A temperatura do debate em torno da energia nuclear foi elevada em dezembro passado, diante do fechamento de mais um reator nuclear na usina de Ringhals, na costa oeste do país. O líder do partido da extrema-direita Democratas da Suécia, Jimmie Åkesson, reagiu em artigo publicado no jornal Dagens Nyheter:

“A desativação de reatores nucleares plenamente operacionais passará para a história como um dos maiores erros políticos dos tempos modernos.

Vulnerabilidade à importação de energia fóssil

A Suécia também sofre o impacto da atual crise energética. Após o fechamento de dois reatores da usina de Ringhals, a produção de energia se tornou mais incerta, e mais dependente do clima.

Embora na maior parte do ano a Suécia tenha superávit na produção de eletricidade, a insuficiência da rede de transmissão de energia do norte para o sul do país torna a região especialmente dependente da importação de energia fóssil.

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(Callum Shaw/Unsplash)

Depois de mais um frio inverno e da insuficiência de vento para a geração de energia eólica, a região sul da Suécia tem sido forçada a importar eletricidade de centrais elétricas movidas a carvão na Polônia e na Dinamarca, e de usinas alemãs alimentadas a gás fornecido pela Rússia.

Essa vulnerabilidade serve como mais um argumento em favor da energia nuclear, como pontuou ao jornal Expressen o líder dos estudantes ligado ao Partido Liberal, Christoffer Heimbrand:

“Os políticos precisam assumir sua responsabilidade e garantir que tenhamos uma produção de eletricidade confiável – mesmo quando venta pouco e o sol não brilha. A energia nuclear ainda desempenha um papel importante.

População a favor

Diversas pesquisas de opinião recentes indicam que, gradualmente, a opinião pública sueca tem cerrado fileiras a favor da energia nuclear.

No mês passado, a construção de novas usinas nucleares foi o segundo item mais citado pelos suecos (27%) em um estudo do instituto Novus, que colocou a seguinte pergunta aos entrevistados:

“Qual é na sua opinião a melhor medida para evitar o aquecimento global?” A resposta mais citada (48% dos entrevistados) foi a aplicação de pressões econômicas sobre países que lideram as emissões de gases poluentes.

Estudo divulgado em 2019 também pelo instituto Novus apontou que 78% dos suecos já apoiavam a manutenção da energia nuclear. Apenas 11% dos entrevistados se declararam contrários ao uso da energia nuclear, o que representa o mais baixo índice de rejeição já registrado.

Cientistas e ativistas admitem como solução transitória

Parte dos cientistas suecos do clima também vê vantagens na energia nuclear, entre eles o professor Johan Rockström, que leciona na universidade alemã de Potsdam e disse à publicação sueca Forskning och Framsteg:

“Minha conclusão é que a ameaça climática é maior do que a ameaça nuclear. Durante uma fase de transição, a energia nuclear existente pode funcionar como uma alternativa de fonte de energia não fóssil”.

Essa opinião é compartilhada até mesmo pela ativista sueca Greta Thunberg, que disse há dois anos:

“Pessoalmente sou contra a energia nuclear.

Mas de acordo com o IPCC, ela pode ser uma pequena parte de uma solução energética livre de carbono, especialmente em países sem a possibilidade de um fornecimento de energia renovável em grande escala – mesmo sendo uma opção extremamente perigosa, cara e demorada. Mas vamos deixar esse debate até começarmos a ter uma visão mais completa.”

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