Londres – Em meio a tantas regulamentações de mídia propostas ou aprovadas recentemente em países com regimes autoritários ou em conflito, a lei aprovada pelo Parlamento da Polônia na sexta-feira (17/12), poderia ser apenas mais uma.
No entanto, a reação da população, que no domingo (19/12) desafiou o frio para protestar nas ruas em várias cidades do país entoando o slogan “wolne media” (mídia livre), destoou do que acontece em várias outras nações, que em geral assistem caladas às violações da liberdade de imprensa.
A lei também motivou reação dos Estados Unidos, que não costumam interferir diretamente em questões locais de liberdade de imprensa. Mas há uma razão para o barulho: o projeto de lei aprovado tem como objetivo silenciar o maior canal de notícias da Polônia, crítico do governo. E de propriedade da empresa americana Discovery Inc.
A nova lei de mídia da Polônia
A TVN24 tem grande influência na opinião pública polonesa, por veicular um telejornal noturno assistido diariamente por milhões de espectadores.
A controladora da TVN24, a TVN, é de propriedade da Discovery, por meio de uma empresa registrada na Holanda. Esse é um recurso utilizado para contornar a proibição de empresas não europeias possuírem mais de 49% das empresas de mídia polonesas.
O projeto de lei aprovado pelo parlamento na sexta-feira impede essa solução alternativa e pode obrigar a emissora a fechar, ou ser vendida para um grupo local.
Em agosto, quando a emenda ao projeto de lei original foi aprovada pelo Parlamento, milhares de pessoas foram às ruas de várias cidades polonesas protestar, com slogans como “Mídia Livre, Pessoas Livres” ou “Polônia Livre do Fascismo”. Mas a pressão não adiantou.
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A votação não estava na agenda do Parlamento para a sexta-feira. Mas depois de uma reunião de um comitê para discutir o projeto, ele acabou entrando na pauta e foi votado de forma acelerada. A medida garantiu a vitória, importante para o partido nacionalista Law and Justice (PiS), autor da iniciativa.
Diante da controvérsia e dos riscos de uma crise diplomática com os EUA, havia dúvidas sobre se o partido conseguiria aprovar a controvertida regulamentação da mídia. A forma de tramitação eliminou o risco de derrota.
Parlamentares de oposição disseram que a maneira como o comitê foi convocado foi ilegal e violou os padrões democráticos.
Os parlamentares teriam sido convocados por mensagem de texto 24 minutos antes da reunião, quando as regras afirmam que devem ser informados com três dias de antecedência.
Imagens dos protestos tomaram conta das redes sociais.
Major protests taking place across Poland tonight against the controversial media law targeting the largest broadcasting group TVN, which – if signed into law by President Duda – would force its US owners Discovery Group to sell up because of new restrictions on non-EEA capital. https://t.co/A6sgq2NYUb
— Jakub Krupa (@JakubKrupa) December 19, 2021
O conselho de administração da TVN chamou a votação de “um ataque sem precedentes à imprensa livre”. E disse em um comunicado que a empresa estava “determinada a defender seus investimentos na Polônia”.
A controladora Discovery emitiu um comunicado separado, dizendo que a votação parlamentar “deve alarmar qualquer empresa que invista na Polônia” e pediu ao presidente Andrzej Duda que vete a legislação. Esse mesmo apelo foi feito por várias organizações de defesa da liberdade de imprensa.
After #Poland's parliament approved the Lex-TVN law, there have been protests and international condemnation.
If passed, it will restrict foreign ownership of media, and limit media plurality & independence.
🇵🇱📢 #MediaFreedom @NyDorota @Kom_Obr_Demhttps://t.co/08vNBnAfIU
— Public Media Alliance (@PublicMediaPMA) December 20, 2021
Embora o governo do presidente Duda tenha adotado medidas impopulares contra a mídia independente, ele chegou a dizer há alguns meses que as aquisições de grupos de mídia de propriedade estrangeira deveriam ocorrer em termos de mercado e não com soluções forçadas. A declaração foi vista como um sinal de que poderia usar seu poder para vetar o projeto de lei.
Na sexta-feira, ele não confirmou se o fará, mas disse a jornalistas que avaliaria o caso à luz da opinião manifestada anteriormente.
Questão diplomática com os EUA
O histórico recente dos Estados Unidos tem sido o de não avançar em assuntos internos que envolvam liberdade de imprensa em outros países, e o caso mais notório é o da China.
Em novembro, os presidentes Joe Biden e Ji Xiping fizeram reuniões por teleconferência para alinhar diversos temas. Um dos acordos anunciados foi em torno dos vistos de trabalho para jornalistas.
Pelo acordo do trânsito livre, os EUA emitirão vistos de entradas múltiplas de um ano para jornalistas de nacionalidade chinesa, enquanto a China comprometeu-se a adotar a mesma política, em um esforço mútuo para colocar fim a uma série de expulsões.
No entanto, os EUA não tomaram posição quanto a situações como a prisão de jornalistas como Zhang Zhan, a chinesa condenada por transmitir notícias sobre a Covid-19 a partir da cidade de Wuhan. Ela corre risco de morrer devido aos efeitos de uma greve parcial de fome que faz na prisão.
Um caso raro foi a manifestação contra a condenação da jornalista do Vietnã Pham Doan Trang, na semana passada.
No caso da Polônia foi diferente, e as evidências são de que o motivo é o prejuízo para a Discovery.
A TVN, estimada em mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões), é o maior investimento americano na Polônia.
Logo após a aprovação da controvertida regulamentação de mídia no Parlamento, o departamento de estado dos EUA pediu a Duda que protegesse a liberdade de expressão, a liberdade econômica, os direitos de propriedade e a igualdade de tratamento.