Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.
Projeto Veritas consegue aumentar censura ao New York Times, que agora tem que destruir provas
Redação MediaTalks
Londres – Um juiz de Nova York manteve uma ordem impedindo o jornal New York Times de publicar notícias utilizando informações contidas em documentos relativos ao grupo conservador Projeto Veritas e ainda ampliou as restrições anteriores, em um caso considerado censura à imprensa.
O jornal foi instado na última quinta-feira (23/12) a devolver os memorandos confidenciais a que teve acesso como parte da apuração sobre as atividades do grupo e a destruir suas versões eletrônicas. O Veritas alega que a divulgação viola o sigilo de correspondência entre advogados e seus clientes.
O editor do jornal, A.G. Sulzberger, denunciou a decisão como um ataque à liberdade de imprensa, alarmante para “qualquer pessoa preocupada com os perigos do exagero da interferência sobre o que o público pode ou não saber”. Ele também disse que a decisão deixa a imprensa vulnerável ao risco de expor suas fontes.
Projeto Veritas apoia Trump e Bolsonaro
O Projeto Veritas é uma das organizações ligadas à extrema-direita americana que floresceu na administração de Donald Trump, dedicando-se a atacar pessoas e organizações (principalmente de mídia) críticas ao ex-presidente e a valores considerados de esquerda.
No Brasil, o grupo tem a simpatia da família Bolsonaro. O presidente recebeu representantes do Veritas na residência oficial e posou com a camisa do projeto.
Fundada por James O’Keefe, usa câmeras escondidas e identidades falsas para constranger democratas, grupos trabalhistas e combater o que descreve como “parcialidade da mídia liberal.”
Segundo a agência americana de verificação de fatos First Draft, o Veritas ampliou a desinformação sobre tópicos como vacinas contra a Covid e suposta fraude na campanha que elegeu Joe Biden.
A sentença contra o New York Times
A decisão na quinta-feira do juiz da Suprema Corte estadual do condado de Westchester, Charles D Wood, está ligada a uma ação por difamação movida pelo Projeto Veritas contra o Times em 2020, que acabou arquivada.
Meses depois do arquivamento, o New York Times publicou reportagens sobre uma investigação do Departamento de Justiça dos EUA sobre o Projeto Veritas associada ao roubo de um diário pertencente a Ashley Biden, filha do presidente Joe Biden.
O FBI fez uma busca na casa do fundador do grupo, James O’Keefe, e afirmou que os telefones celulares procurados na operação revelariam evidências de auxílio e cumplicidade no transporte de bens roubados e falha em relatar o roubo às autoridades, em violação à lei federal .
Na reportagem sobre o caso, o jornal incluiu memorandos trocados entre o Projeto Veritas e um advogado contratado para examinar a legalidade de suas práticas para constranger adversários, no contexto de explicar o controvertido modo de atuação do grupo conservador.
Em uma delas, de 2017, o advogado Benjamin Barr avalia que “o estatuto criminal envolvendo declarações falsas para funcionários federais continua a ser uma lei expansiva e perigosa que inibe as operações da Veritas”, em uma aparente condenação a uma prática do Veritas.
Em outra, ele avalia os riscos do uso do Tinder para integrantes do Veritas se aproximarem de membros do governo americano.
O Projeto Veritas usou a via judicial para impedir o jornal de utilizar as informações, sob a acusação de quebra do privilégio advogado-cliente.
Projeto Veritas consegue aumentar restrições
Na última semana de novembro, o Projeto Veritas obteve uma vitória, com a decisão de que o New York Times não poderia publicar informações que fizessem referência aos documentos.
No novo despacho, o juiz determinou que o jornal devolva os documentos confidenciais e destrua os arquivos eletrônicos.
O jornal informou que vai recorrer da decisão.
“Desafiando a lei estabelecida no caso Pentagon Papers, o juiz proibiu o The Times de publicar informações sobre uma organização proeminente e influente que foi obtida legalmente no curso normal da apuração jornalística”, disse A.G. Sulzberger em um comunicado publicado no jornal na sexta-feira, que também afirmou que não havia precedente para a decisão de Wood.
Em um comunicado na sexta-feira, a advogada do Projeto Veritas, Elizabeth Locke, saudou a decisão como “uma vitória para a primeira emenda e para todos os jornalistas, reafirmando a proteção da relação advogado-cliente”.
A tese foi aceita pelo juiz Wood. Ele negou que a ordem colocasse em risco a liberdade de imprensa, escrevendo em sua decisão que “fidelidade firme e vigilância na proteção das liberdades da primeira emenda” não podem infringir os direitos fundamentais do privilégio ou privacidade do advogado-cliente.
O juiz entende que “embora aspectos do Projeto Veritas, incluindo seus métodos jornalísticos, possam ser de interesse público, suas comunicações advogado-cliente não são”.
Censura à imprensa semelhante em 1971
Não é o que pensam as entidades que defendem a liberdade de imprensa nos Estados Unidos. Após a decisão de novembro, várias delas se uniram para condenar a decisão.
“É profundamente preocupante que este tribunal esteja mantendo sua restrição anterior inconstitucional por pelo menos mais uma semana”, disse Bruce Brown, diretor executivo do Comitê de Repórteres para a Liberdade de Imprensa, após a audiência.
“Cada dia que uma restrição prévia – que é uma restrição à publicação – é imposta, é uma lesão contínua. É por isso que estão entre as ameaças mais graves à Primeira Emenda.”
Em um artigo sobre o caso no portal acadêmico The Conversation, Jane E Kirtley, professora de Ética e Direito da Mídia da Universidade de Minesotta, disse que a restrição prévia não tem precedentes desde um caso envolvendo documentos do Pentágono em 1971, e que dificilmente poderia ser considerada válida à luz da Primeira Emenda, que assegura a liberdade de imprensa e de expressão.
O Projeto Veritas tem ligações com o Brasil. Em fevereiro de 2020, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo, encontrou-se com O´Keefe nos EUA e registrou a visita no Facebook, elogiando o trabalho de “expor a hipocrisia da esquerda”.
Em setembro passado, dois integrantes do Veritas, Jason Miller e Matthew Tyrmand, participaram do evento CPAC Brasil 2021, que reuniu integrantes da direita política e apoiadores do presidente Bolsonaro em Brasília.
Tyrmand se reuniu também com Jair Bolsonaro e outro filho, o senador Flávio, na residência oficial do presidente, e posaram para fotos com a camisa do Veritas.
A passagem pelo Brasil foi acidentada. Miller foi detido e interrogado no aeroporto de Brasília por ordem do Ministro do Supremo Tribunal Alexandre de Moraes como parte das investigações sobre a campanha para questionar a segurança do sistema de votações antes das eleições de 2022.
Jason Muller fundou a rede social Gettr, que abriga extremistas bloqueados ou suspensos das plataformas mais populares como Facebook e Twitter.
Em fevereiro, a conta do Veritas no Twitter foi suspensa depois da postagem de um vídeo em que o vice-presidente de Integridade do Facebook, Guy Rosen, foi abordado diante de sua casa. A conta de James O´Keefe também foi suspensa meses depois.