A cena de uma jornalista atropelada em uma cobertura ao vivo nos EUA, que viralizou como mais uma história do folclore das reportagens de rua, acabou desencadeando um debate sobre as condições de trabalho dos profissionais de imprensa.
No dia 19 de janeiro, Tori Yorgey, da WSAZ, em Charleston (West Virginia) falava sobre as condições de trânsito devido ao mau tempo e rompimento de um cano quando foi atingida por um automóvel.
Ela rapidamente se levantou e concluiu a reportagem, mas a controvérsia já estava instalada, ganhando destaque nas redes sociais e em jornais como New York Times e Washington Post.
Repórter foi atropelada durante entrada ao vivo
Yorgey falava da cidade de Dunbar. Enquanto ela narrava a situação, um utilitário branco a derruba, junto com a câmera.
Ela diz “Acabei de ser atropelada por um carro, mas estou bem”. A mensagem era direcionada ao público e também ao âncora do do noticiário, Tim Irr, que mantém a calma até entender o ocorrido.
Em seguida, a jornalista se levanta e reposiciona a câmera. Sorridente, encerra a entrada ao vivo tranquilizando até a atropeladora, assegurando que não foi proposital.
Mas não adiantou muito. Entre as que criticaram a situação está Deanna Allbrittin, âncora da 8News da WRIC, em Richmond, capital da Virgínia.
Ela tuitou que o vídeo “ainda a assombrava” na manhã seguinte ao fato e disse que um cinegrafista no local poderia ter evitado a cena.
This video is still haunting me this morning. I can't stop thinking about how with a photographer there, it's likely they would've seen that car coming and warned her or pulled her out of the way. This could've been me in my 1st market. This could BE so many MMJs. again. today. https://t.co/M8Eo9CPHcU
— Deanna Allbrittin (@deannaTVnews) January 20, 2022
Sobrecarga do trabalho multimídia
O caso expôs a prática chamada de one man band (banda de um homem só), resultado da aliança entre tecnologias que permitem gravar e transmitir sem equipamentos pesados com a redução de equipes nas redações.
Tornou-se cada vez mais comum encontrar repórteres gravando entrevistas na rua sem produtor ou operador de câmera.
Cabe ao profissional apurar os fatos e fazer as entrevistas, mas também escolher a locação, posicionar e configurar a câmera, fazer a gravação – ou entrada ao vivo – e se responsabilizar por todo o processo até a matéria ir ao ar.
Após o incidente envolvendo Yugey, diversos profissionais foram às redes sociais questionar a prática. E também falar sobre a redução das esquipes dentro das redações e as condições de trabalho dos jornalistas.
Nicole Carr, repórter da ProPublica (Nova York), também condenou a continuidade da matéria, chamando a atenção para a questão do orçamento das empresas de notícias.
“Parem de enviar esses repórteres para fazerem suas próprias reportagens ao vivo. Descubram quando e como cortar as filmagens.
Certifiquem-se de que esses âncoras tenham monitores para ver as equipes em campo. Reavaliem seus orçamentos. Isso NÃO está bem. Orando por seu bem-estar a longo prazo.”
https://twitter.com/NicoleFCarr/status/1484145107263709190?
Em entrevista ao New York Times, CA Tuggle, professor de jornalismo da Hussman School of Journalism and Media da Universidade da Carolina do Norte, deu sua opinião sobre o fato:
“Eu realmente gostaria de ver o setor reduzir o número de filmagens ao vivo do tipo one-man-band porque é difícil estar ciente da situação. Mas não sei se teria feito alguma diferença neste caso.”
Ele pode ter razão, porque um incidente parecido aconteceu em setembro com Carol Kirkwood, apresentadora do tempo da BBC em Londres.
Era uma reportagem bem produzida, com equipe de apoio, mas havia um personagem difícil de controlar: um cachorro.
A labradora Flash, em treinamento para ser cão-guia,”atropelou” Kirkwood, que terminou a cena de pernas para o ar.
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Perigo para jornalistas
Discussões sobre as condições de trabalho de jornalistas nas redações não são novas.
Em 2019, uma reportagem do Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ) publicou um levantamento informando que o trabalho sem apoio era um dos principais fatores de risco para mulheres jornalistas nos EUA e no Canadá.
Em entrevista ao The Washington Post, a diretora de emergências do CPJ, declarou que “Quando você está fazendo a reportagem sozinho, sua consciência situacional está baixa. Vemos isso claramente no vídeo”.
“Idealmente, o jornalista não teria sido enviado sozinho em primeiro lugar. . . .
Apenas ter um cinegrafista com ela, ou outro colega, pode tê-la impedido de ser atropelada por um carro, que ela obviamente não podia ver”
Em 2021, no Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, a Federação Internacional de Jornalistas uniu-se a organizações de outras profissões para cobrar a ratificação de uma convenção da Organização Internacional do Trabalho destinada a proteger trabalhadores.
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Envolvidos não quiseram se manifestar
A WSAZ e a empresa proprietária da estação, Gray Television Broadcasting, não quiseram comentar o assunto.
O incidente aconteceu na sua última semana de trabalho de Tory Yorgey.
Segundo uma postagem em seu perfil no Facebook, ela está indo para o noticiário local na WTAE-TV em Pittsburgh, que também não quis se manifestar.
Em entrevista ao Pittsburgh Post-Gazette, a própria Yorgey falou sobre a mudança de cidade, mas também não comentou o ocorrido.
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