Um novo relatório divulgado pela organização de defesa da liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras (RSF) analisou os programas de proteção a jornalistas nos quatro países mais perigosos da América Latina para o trabalho da imprensa – México, Honduras, Colômbia e Brasil.

Juntos, esses países foram responsáveis por 90% dos assassinatos de jornalistas na última década. Em um deles, o México, cinco profissionais já foram assassinados desde o início de 2022. No total, nove jornalistas já foram vítimas de morte violenta neste ano na América Latina.

 

No Brasil, os pesquisadores apuraram como funciona o PPDDH (Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas), iniciativa do governo federal em parceria com os estados e organizações da sociedade civil, que tem a tarefa de criar planos de proteção para pessoas em situação de risco.

134 jornalistas mortos em 10 anos

Apesar de o programa ser uma importante rede de apoio para vulneráveis, a RSF aponta que há uma urgência de se desenvolver procedimentos e protocolos nacionais que considerem a diversidade e se adaptem às necessidades particulares de cada indivíduo ou grupo que recorre a ele.

Foram 134 jornalistas assassinados por fazer o seu trabalho no México, Brasil, Honduras e Colômbia nos últimos dez anos. Cerca de 90% das mortes de jornalistas na América Latina de 2012 a 2021 ocorreram nesses quatro países, segundo os dados coletados pela RSF.

Sob pressão da sociedade e organizações internacionais para desenvolver políticas de proteção a pessoas em risco, governos dessas nações criaram iniciativas destinadas a preservar a segurança de jornalistas, defensores dos direitos humanos, ambientalistas e líderes comunitários.

Para o relatório, a RSF realizou 75 entrevistas, incluindo com participantes das medidas de proteção, responsáveis ​​pela implementação de programas e representantes da sociedade civil que trabalham na área.

Com apoio da Unesco, a pesquisa da RSF investigou como essas medidas protetivas funcionam e prestam assistência a jornalistas ameaçados.

“Os jornalistas da América Latina devem deixar de ser alvos”, disse Emmanuel Colombié, diretor do escritório da RSF na América Latina.

“É urgente frear esta espiral de violência com consequências dramáticas para as democracias da região. A vulnerabilidade dos jornalistas não é inevitável.”

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Brasil tem falhas no programa de proteção a jornalistas

Criado em 2004 e em funcionamento desde 2005, o programa brasileiro de proteção, conhecido como PPDDH, é fruto de parceria entre o governo federal e estados em conjunto com organizações civis.

Na análise da RSF, esse modelo é “muito dependente da boa vontade dos governantes locais, gera burocracia e cria dificuldades para a implementação de medidas de proteção, por vezes colocando em risco os solicitantes”.

Em 2021, apenas sete dos 26 estados brasileiros integravam o programa. Funcionários federais em Brasília processam pedidos de outros estados, mas as medidas de proteção raramente se concretizam. Em vez disso, os requerentes geralmente se beneficiam apenas em termos de investigações e monitoramento de novos episódios de ameaças.

A ONG ainda destaca que, no nível local, os recursos disponíveis para instalação de equipamentos de segurança ou realocação de pessoas são bastante escassos.

O PPDDH também sofre com a falta de protocolos nacionais de análise de risco e definição de medidas de proteção. O órgão tampouco possui um banco de dados público e transparente sobre suas operações – casos processados ​​ou indeferidos, número de ameaças e medidas implementadas etc. – impossibilitando a avaliação e o monitoramento de sua eficácia.

Por fim, a RSF aponta que o PPDDH não informa o público sobre suas atividades e o nível de conhecimento de sua existência ainda é muito baixo. Apenas sete dos mais de 600 beneficiados do programa eram jornalistas em 2021.

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Possíveis soluções

Entre as soluções apontadas para aumentar a eficiência do programa brasileiro de proteção, a RSF recomenda a aprovação de uma lei no Congresso que estenda o benefício em nível nacional, envolvendo órgãos federais e entidades estaduais em sua implementação.

A entidade também destacou que é necessário considerar a diversidade daqueles que pedem auxílio de proteção ao governo. Para isso, procedimentos e protocolos nacionais devem ser desenvolvidos com o objetivo de realizar análises de risco no local e em prazo razoável (30 dias); medidas de autoproteção e segurança digital; melhor tratamento de casos urgentes e excepcionais e elaboração de planos de proteção com a participação e anuência do beneficiário ou beneficiários.

Programas de proteção a jornalistas funcionam, mas precisam de melhorias

O relatório da RSF mostra que os mecanismos de proteção são uma resposta necessária a um ambiente de violência estrutural contra jornalistas. 

A mera existência desses programas garante que, nesses quatro países, haja um espaço dedicado às reclamações e à implementação de medidas específicas para garantir a segurança dos indivíduos ameaçados.

Eles levaram as autoridades a adotar medidas concretas e indispensáveis ​​para preservar a vida de centenas de jornalista, defende a RSF.

Porém, a análise realizada pela entidade também identificou graves problemas e falhas que indicam que mudanças urgentes são necessárias para as políticas de proteção serem realmente efetivas.

Embora gozem de uma legislação adequada (exceto no Brasil), os mecanismos de proteção sofrem de grandes falhas estruturais que impedem a sua correta inscrição.

Além disso, nenhum dos quatro programas analisados leva em conta as particularidades das mulheres jornalistas, que são extremamente vulneráveis ​​na região. Não estão disponíveis medidas adaptadas e específicas às suas necessidades. Os planos de proteção ignoram as formas de violência de gênero que atingem as mulheres e a população LGBTQIA+, e ignoram o impacto que ameaças e atos de agressão têm sobre elas e suas famílias.

Essas falhas, combinadas com o fato de agentes públicos, como policiais, políticos e membros de judiciário serem frequentemente identificados como os principais perpetradores da violência contra jornalistas, contribuem para a criação de distância entre o programa de proteção e seus potenciais usuários, alerta a Repórteres Sem Fronteiras. 

O relatório completo pode ser visto aqui.

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