Londres – As restrições de viagem devido à Covid-19 e relutância da mídia em cobrir conflitos está mudando o padrão de mortes de jornalistas associadas ao trabalho, que historicamente vitimava sobretudo profissionais atuando em zonas de guerra.
O relatório anual da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês), divulgado esta semana, contabilizou 47 crimes fatais no ano passado, 18 a menos do que em 2020.
Desse total, 35 foram resultantes de ataques direcionados, representando 75% dos casos. O número reflete a impunidade desses crimes, que estimula insatisfeitos com cobertura desfavorável de seus atos a silenciarem jornalistas ou se vingarem deles.
Convenção nas Nações Unidas
O secretário-geral da Federação, Anthony Bellanger, responsabiliza as autoridades pela inexistência de um processo de justiça com credibilidade para punir os criminosos.
Ele defende o estabelecimento de uma convenção pelas Nações Unidas para garantir a segurança de jornalistas.
” Essa falha deve ser corrigida por meio de cooperação internacional, com mecanismos estabelecidos sob essa convenção para assegurar transparência, justiça e respeito à lei”.
Mais mulheres jornalistas morreram em 2021
A quantidade mais baixa de mortes contrasta com o aumento de prisões. De acordo com a IFJ, o ano passado bateu o recorde, com 365 profissionais encarcerados – um por dia -, um aumento de 64% em um ano.
Além das 47 vítimas de episódios de violência, houve ainda duas mortes decorrentes de um acidente com um ônibus cheio de jornalistas do Irã. As demais foram resultados de bombardeios, incidentes de fogo cruzado e ataques diretos.
Outra revelação do balanço da IFJ é que aumentou o número de mulheres jornalistas que perderam a vida em situações direta ou indiretamente relacionadas à profissão: foram sete este ano, contra cinco no ano anterior.
Duas delas foram vítimas do acidente no Irã, que ocorreu devido às más condições do veículo em que os profissionais eram transportados para documentar a revitalização de um lago.
Esse é o quinto menor número de assassinatos registrados desde o primeiro relatório, publicado em 1990.
Desde então 1990, um total de 2.725 jornalistas e trabalhadores da mídia perderam suas vidas durante o trabalho ou em atos violentos em represália a reportagens.
O ano de 2006 foi o mais fatal, com 155 perdas, enquanto em 2021 as mortes caíram. Isso pode ser atribuído em parte a uma exposição menor a riscos, já que viagens e coberturas ao vivo ficaram limitadas.
Entretanto, 2022 começou preocupante, com nove mortes resultantes de ataques diretos registradas em apenas um mês.
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Violência contra jornalistas no Afeganistão
O Afeganistão encabeça a lista de fatalidades em 2021, com nove mortes, das quais três de mulheres.
Apesar da repressão à imprensa e principalmente a mulheres jornalistas no país ter aumentado depois da tomada do poder pelo Talibã em agosto, as três foram assassinadas em março.
Porém, o caso é relacionado ao extremismo do grupo.
Mursal Wahidi, Sadia Sadat e Shahnaz Roafi trabalhavam para a Enikass TV, emissora de notícias independente no país.
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Segundo a IFJ, a emissora relatou ao departamento de inteligência afegão que sua equipe vinha recebendo ameaças por parte dos extremistas que viriam a tomar o poder, mas não adiantou.
Após a denúncia, o grupo cumpriu as ameaças. No dia 3 março, assassinou as três a tiros na cidade de Jalalabad.
Também no Afeganistão, o premiado fotógrafo da agência Reuters Danish Siddiqui perdeu a vida um mês antes do Talibã tomar a capital, Cabul.
Ele foi atingido em um fogo cruzado entre forças de segurança do governo e militantes de o Talibã no dia 16 de julho.
Siddiqui, de 41 anos, era um fotojornalista veterano e membro da equipe da Reuters que ganhou o Prêmio Pulitzer em 2018 por suas imagens da crise Rohingya em Mianmar.
Chefe de fotografia da agência na Índia, ele viajara ao Afeganistão para documentar a retirada das tropas americanas.
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Violência presente em quase todos os continentes
Embora não seja um país em guerra, o México ficou em segundo lugar em mortes em 2021 na contagem da Federação Internacional de Jornalistas.
Todos os episódios no país foram atos direcionados a jornalistas envolvidos com investigações e denúncias de crime organizado e corrupção.
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Na Somália e em Burkina Faso, grupos militantes mataram quatro jornalistas.
Na Índia e no Paquistão, a violência de seitas ou grupos extremistas foram responsáveis pelas mortes de profissionais de imprensa. Na Etiópia e no Azerbaijão os conflitos armados foram a principal causa das mortes.
Também houve assassinatos em Bangladesh, Colômbia, Congo, Geórgia, Grécia, Haiti, Holanda, Iêmen, Irã, Filipinas, Mianmar, Nigéria, Quênia e Turquia.
No Iêmen, a vítima foi uma das cinco mulheres jornalistas que perderam a vida devido ao seu trabalho em 2021.
Em 9 de novembro, Rasha Abdullah Al-Harazi morreu na explosão de uma bomba colocada no carro de seu marido enquanto ia para o hospital dar à luz. Ela e o bebê perderam a vida no atentado.
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As mortes de jornalistas registradas na Grécia e na Holanda tiveram repercussão internacional, por terem vitimado repórteres investigativos conhecidos no país, Giorgio Karaivaz e Peter DeVries.
DeVries era uma celebridade da mídia holandesa e foi assassinado a tiros no centro de Amsterdã. O crime foi associado a um importante narcotraficante que responde a vários processos judiciais.
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Prisões e agressões ao cobrir manifestações
O relatório da Federação Internacional de Jornalistas salienta que muitos profissionais foram detidos e acusados de irregularidades por cobrirem questões de interesse público em 2021, como protestos políticos e a crise da Covid-19.
O país apontado como o mais repressivo na Europa continua sendo Belarus, com 30 profissionais detidos por fazerem o seu trabalho, segundo a IFJ.
Um deles continua preso até hoje. Roman Protasevich foi capturado em uma ação espetacular, durante um voo entre a Grécia e a Lituânia em maio, e segue privado de liberdade, supostamente em prisão domiciliar.
Ele era editor de um canal de notícias no Telegram opositor ao presidente Alexander Lukashenko, que lançou o país em uma crise política depois de se reeleger em um pleito considerado fraudado por organismos internacionais.
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Em 2021, o governo extinguiu a associação de jornalistas do país.
Ataques a jornalistas em protestos
Outra ameaça registrada no relatório é a onda de ataques a jornalistas por indivíduos, sobretudo durante a cobertura de manifestações antivacina e contra medidas de distanciamento social para controlar a disseminação da Covid-19.
Segundo a IFJ, 25 casos foram reportados ao Conselho Europeu. Um deles terminou em fatalidade: um jornalista da Geórgia não resistiu às agressões físicas sofridas durante um protesto.
O relatório atribui o problema, que começou em 2020, a uma crescente falta de respeito pelo trabalho da imprensa e falha das autoridades em proteger a integridade física e os equipamentos usados por equipes de reportagem.
Espionagem digital de jornalistas
A Federação salientou as novas formas de violência virtual que se intensificaram ano passado, como o assédio, ataques e a intimidação online – principalmente direcionado às mulheres – que a seu ver aumentam a preocupação com a independência da mídia.
Uma delas foi o surgimento de uma nova ameaça à liberdade de imprensa na forma de um software espião, o sistema Pegasus, ferramenta desenvolvida pela empresa israelense de vigilância cibernética NSO.
O software tem capacidade de espionar conversas telefônicas, acessar contatos, mensagens instantâneas e e-mails sem levantar suspeita do proprietário.
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De acordo com o IFJ, sua utilização visando jornalistas, revelada em 2021, fez com que a maioria dos dispositivos portáteis deles se tornassem inseguros.
Isso porque a confidencialidade das fontes e a privacidade das comunicações pessoais dos jornalistas não podem mais ser tidas como garantidas.
A Federação se uniu a uma campanha do Conselho de Direitos Humanos da ONU para a proibição do Pegasus.
O relatório completo pode ser encontrado aqui.
Ano começa com mais mortes de jornalistas
Os acontecimentos do primeiro mês de 2022 indicam que a violência contra profissionais da imprensa não está diminuindo.
Em janeiro deste ano foram registrados nove crimes contra jornalistas em cinco países. Destes, sete foram somente na América Latina.
O México registrou o maior número de mortes de jornalistas, com quatro assassinatos no primeiro mês do ano: Lourdes Maldonado, José Luiz Cabezas, Margarito Esquivel e Roberto Toledo
Em seguida vem o Haiti com a morte de Wilguens Louissaint e Amady John Wesley.
Soma-se à lista as mortes de Pablo Rivera, em Honduras, de Hasnanin Shah no Paquistão e de Pu Tuidim, em Mianmar.
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