Londres – O processo de difamação movido por Sarah Palin contra o New York Times teve uma reviravolta nesta segunda-feira (14): no primeiro dia da análise do caso pelos jurados, o magistrado responsável pela ação julgou a causa improcedente diante da insuficiência de provas.
Mas os jurados não sabem dessa decisão. E têm até sexta-feira para deliberar se houve “malícia” por parte do então editor de opinião do jornal ao dar o formato final a um artigo de opinião assinado pela ex-governadora do Alasca, uma das figuras mais proeminentes do conservadorismo nos EUA.
Se eles decidirem a favor de Palin isso não terá qualquer efeito prático, já que o juiz adiantou seu veredito e encerrará a causa mesmo com mais votos favoráveis à autora.
O processo contra o New York Times
Sarah Palin, que foi candidata à vice-presidência pelo Partido Republicano em 2008, afirmou que o jornal prejudicou sua reputação ao alterar um artigo de opinião de forma a vincular falsamente sua retórica de campanha a um tiroteio em massa.
O texto foi editado pelo jornalista James Bennet, hoje trabalhando na revista The Economist. Na semana passada, o ex-editor admitiu a falha em depoimento no tribunal.
O processo vem sendo acompanhado com atenção porque poderia mudar um parâmetro estabelecido em 1964 pela Suprema Corte americana no caso que ficou conhecido como Sullivan x New York Times.
Durante o movimento dos Direitos Civis da década de 1960, o jornal publicou um anúncio pedindo doações para defender o ativista Martin Luther King Jr., então sob acusação de perjúrio. Mas a peça continha imprecisões.
O chefe de segurança Pública da cidade de Montgomery, LB Sullivan, achou que o conteúdo o atingia, mesmo não sendo mencionado no anúncio. Sullivan enviou uma solicitação por escrito ao Times para se retratar mas não foi atendido, apelando então à justiça.
Ele ganhou a causa no Alabama, mas a sentença foi reformada na Suprema Corte.
O entendimento foi de que à luz da Primeira Emenda da constituição, que garante liberdade de expressão, um veículo de imprensa só seria responsabilizado por um erro apontado por uma pessoa pública caso ficasse comprovada a “malícia real”, classificada como “desrespeito imprudente pela verdade ou conhecimento prévio de que a informação era falsa”.
Esse entendimento vigora desde então e é considerado pedra angular da liberdade de imprensa.
Juiz antecipou decisão favorável ao New York Times
A decisão do juiz distrital Jed Rakoff no processo movido por Sarah Palin contra o New York Times foi de que não houve malícia. Ou pelo menos que a acusação não conseguiu comprová-la.
Por essa razão ele anunciou que arquivará o caso quando o julgamento terminar, independentemente dos votos dos jurados.
O desdobramento do processo foi tão atípico que o próprio New York Times estranhou. Ao noticiá-lo, o jornal classificou de “dinâmica estranha e incomum”.
O Times observa que embora os jurados sejam instruídos a não lerem notícias sobre o caso em pauta, eles podem acabar tomando conhecimento da decisão do juiz de encerrar o caso de forma antecipada.
Entrevistado pelo jornal, o diretor do Media Law Resource Center, George Freeman, avaliou que embora o juiz tenha tomado uma decisão apoiada pela falta de provas apresentadas pelos advogados de Palin durante o julgamento, ele também “semeou confusão”.
Freeman, que já foi advogado do New York Times, concorda com o entendimento do juiz responsável pelo processo de que não houve malícia.
Mas observou que “geralmente um juiz guardaria suas opiniões no bolso.” E que agora, o trabalho dos jurados não tem qualquer poder legal.
Palin pode usar processo contra New York Times como bandeira de campanha
O arquivamento pode, contudo, ter alguma influência no futuro. Sarah Palin já tinha anunciado que iria recorrer à Suprema Corte caso perdesse a causa.
Mesmo sem valor legal, um veredito favorável a ela por parte dos jurados pode ajudar na corte superior.
Além disso, servirá como bandeira para a ex-candidata à presidência se posicionar como vítima da “mainstream media”, uma narrativa comum entre os republicanos e conservadores aliados do ex-presidente Donald Trump.
Os advogados dela não se pronunciaram sobre a decisão de arquivamento do processo contra o New York Times.
Entenda o caso Palin x New York Times
O artigo de opinião “America’s Lethal Politics” foi escrito por Sarah Palin após um tiroteio em um treino de beisebol que feriu o deputado Steve Scalise e outros membros do Congresso norte-americano.
O artigo foi publicado em 14 de junho de 2017 no New York Times.
No entanto, ao receber o texto original de Palin, o então editor do jornal James Bennet fez uma revisão de forma que vinculou um mapa divulgado pelo comitê político da ex-governadora do Alasca como o inspirador de um tiroteio que aconteceu em Tucson, no Arizona, em 2011.
No atentado, seis pessoas morreram e a ex-deputada democrata Gabrielle Giffords ficou ferida.
Na publicação do NYT, o mapa foi descrito como tendo uma mira sobre Giffords e outros democratas, quando, na realidade, a ilustração utilizava uma mira sobre distritos eleitorais.
Palin ficou indignada pelo artigo editado colocar a culpa nela por incitar o tiroteio no Arizona, já que o texto argumentava que a imagem publicada no Facebook da polícia inspirou o atirador a realizar o crime.
O jornal disse que emitiu uma correção “rapidamente” após a publicação do artigo errado, admitindo que o texto “incorretamente afirmava que existia uma ligação entre a retórica política e o tiroteio da deputada Gabby Giffords em 2011”.
O que a autora alega no processo contra o jornal
Sarah Palin acusou o New York Times de ter manchado sua reputação, mas o juiz Jed Rakoff não viu provas desse efeito.
Os advogados dela afirmaram que o editorial do NYT erroneamente traçou uma ligação “clara” de “incitação política” entre o gráfico publicado nas redes sociais de Palin e o atirador do Arizona.
Um dos questionamentos levantados pelos advogados do jornal foi o motivo de ela ter movido o processo contra o New York Times anos após o caso, e por um artigo que foi corrigido.
Em depoimento na última quinta-feira (10), Palin disse ao tribunal que na época vinha recebendo ameaças de morte que pareciam “ataques orquestrados”. E que se sentiu “impotente” contra o jornal depois que o artigo foi publicado.
“Foi devastador ler novamente uma acusação, falsa acusação, de que eu tinha algo a ver com assassinar pessoas inocentes”, disse ela no Tribunal Distrital dos EUA em Nova York em 10 de fevereiro.
Os advogados do jornal procuraram desconstruir suas alegações de danos emocionais e profissionais diante das críticas, após sua retórica e dezenas de aparições na mídia em seus anos em cargos públicos e na chapa republicana de vice-presidente em 2008.
A julgar pelo veredito antecipado do magistrado, conseguiram convencer.
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“A culpa é minha. Eu escrevi essas frases. Não estou procurando transferir a culpa”, afirmou Bennet no tribunal na última quarta-feira ao assumir a responsabilidade pelo erro.
Ele pode ser considerado o grande perdedor nessa história, pois acabou com a sua reputação profissional manchada mesmo com o jornal inocentado.
Questionado na audiência se havia realizado “qualquer pesquisa de fatos” antes de editar e publicar o texto, Bennet disse que não, mas que um assistente o fez.
O jornalista também tentou justificar o equívoco por causa do prazo apertado para que o artigo fosse aprovado.
Desde o início do ano passado, James Bennet, que deixou o New York Times em junho de 2020, é contratado pela revista Economist como editor sênior.
Perto do final do depoimento no tribunal em Manhattan, o advogado de Sarah Palin perguntou se ele havia sido repreendido pelo erro.
Bennet disse que compareceu perante o conselho de administração do NYT para se desculpar.
“Não sei se isso se qualifica como uma bronca”, disse ele, “mas parecia uma”.
Em 2021, o New York Times enfrentou uma controvérsia em torno do podcast Caliphate, que teve como principal fonte um homem preso pela polícia no Canadá por falsidade ideológica. Ele nunca tinha estado na Síria, onde supostamente teria atuado com os extremistas islâmicos.
https://mediatalks.uol.com.br/en/2020/11/18/a-controversia-do-podcast-caliphate-do-new-york-times/