Londres – A reunião anual da coalizão internacional Media Freedom Coalition (Coalizão pela Liberdade de Imprensa), realizada na Estônia na semana passada, terminou com uma declaração reafirmando o valor do jornalismo para a democracia.
“Quando a violência contra os jornalistas triunfa, a mídia não pode ser livre e a democracia não pode funcionar”, diz a carta assinada pelas 50 nações participantes (o Brasil não faz parte).
Foram debatidas no encontro formas de evitar o avanço da censura e de perseguições a jornalistas e a responsabilização de governos. Uma das propostas foi feita pela organização Repórteres sem Fronteiras: a criação de um sistema para reduzir assimetrias que dêem vantagens a regimes ditatoriais no espaço globalizado de notícias.
União de países para defender jornalismo livre
A coalizão foi criada há três anos por iniciativa do Reino Unido. É co-presidida atualmente pelo Canadá e pela Holanda. Os governos são representados nas reuniões e ações conjuntas por membros do poder executivo e por diplomatas.
O objetivo do grupo é defender a liberdade de imprensa sob a perspectiva de sua contribuição para a manutenção da democracia.
O Brasil não aderiu à coalizão, que tem quatro países da América Latina: Chile, Argentina, Uruguai e Costa Rica.
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Jornalismo é “cão de guarda” na democracia
O documento final do encontro deste ano reitera a necessidade de uma imprensa livre e independente para garantir informações precisas e debates bem fundamentados, responsabilizando os governos e chamando a atenção para as violações dos direitos humanos.
A Coalizão alerta para o declínio da liberdade de imprensa nos últimos anos, “impulsionado em parte por pressões e práticas contrárias à democracia e pelo uso indevido de tecnologias digitais para restringir a liberdade da mídia”.
Entre os riscos apontados estão leis indevidamente restritivas, vigilância arbitrária ou ilegal, censura, interferência indevida na circulação de informações online e violência física.
A essas ameaças somam-se os problemas financeiros que afetam a indústria de notícias que a Coalizão considera capazes de comprometer a independência e a sustentabilidade da mídia.
O documento destaca também a situação de mulheres jornalistas, desproporcionalmente alvo de assédio online, ameaças, discurso de ódio sexista e trolagem:
Em muitos casos, as mulheres jornalistas estão sujeitas a formas múltiplas e cruzadas de discriminação e violência de gênero por causa de sua orientação sexual, raça, deficiência, religião, etnia ou identidade de gênero.
Isso pode levar à autocensura de tal forma que elas optem por se retirar da esfera pública, o que mina o pluralidade do jornalismo e a democracia .”
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RSF quer proteger jornalismo livre nas democracias
Como uma das soluções para reverter este quadro, a Repórteres Sem Fronteiras apresentou aos participantes da conferência um plano de destinado a reduzir o que classifica como assimetria no espaço de divulgação de informações entre democracias e autocracias.
Segundo a organização a globalização do jornalismo levou a um desequilíbrio, em que países “fechados” controlam seu espaço de informação enquanto o espaço de informação em democracias permanece aberto.
Essa assimetria permite que regimes ditatoriais e autoritários exportem sua propaganda enquanto se fecham para notícias e informações produzidas em condições de liberdade, e lhes dá uma vantagem competitiva que enfraquece o jornalismo e, mais amplamente, a democracia, diz a RSF.
O secretário-geral da organização, Christophe Deloire, sustenta que as democracias não devem aceitar essa situação:
“É hora de estabelecer um sistema de proteção eficaz e legítimo para que o espaço informacional globalizado não favoreça a desinformação em detrimento de informações divulgadas com liberdade, independência e pluralismo” .
Deloire considera esse mecanismo vital para proteger a liberdade de expressão e apoiar o jornalismo, evitando que as democracias sejam “minadas pelas operações de desinformação de regimes despóticos e autoritários”.
China em evidência
Um dos principais exemplos desta prática é a China.
O país tem sido seguidamente apontado por entidades de defesa da liberdade de imprensa e por estudos acadêmicoscomo um dos que mais utiliza ferramentas de desinformação e contrainformação fora de seu território.
As próprias plataformas digitais passaram a atuar para controlar o problema.
Em dezembro, a Meta (holding do Facebook e do Instagram) retirou do ar mais de 600 páginas e grupos identificados pelos investigadores da empresa como conectados a uma operação da China destinada a disseminar fake news sobre a Covid-19.
Havia até um falso biólogo suíço criado para atacar os EUA.
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Proposta quer evitar vantagens de ditaduras sobre democracias
A proposta da Repórteres Sem Fronteiras apresentada durante a Coalizão de Liberdade de Imprensa consiste em duas medidas. Uma delas é um tratamento igualitário para todos os meios audiovisuais (como rádio, TV e mídias digitais) que fazem jornalismo em democracias.
A outra é um mecanismo de reciprocidade que condicione o acesso aos espaços públicos informativos em democracias a condições iguais em países de regime autoritário ou ditaduras.
A RSF cita como exemplo o caso da União Europeia, que possui dispositivos regulatórios rigorosos para as empresas de mídia que transmitem programação de jornalismo.
Contudo, emissoras que geram conteúdo para a região a partir de outros locais por meio de satélites e operadoras digitais, conseguem contornar a regulamentação.
“Isso resulta em um mercado de mídia de dois níveis, permitindo a mídias estrangeiras transmitirem propaganda política ou conteúdo manipulador em desacordo com os princípios democráticos que a mídia europeia deve seguir.”
A proposta cita a licença de transmissão emitida para a emissora de TV estatal chinesa CGTN como um exemplo recente desse quadro. A emissora foi proibida de transmitir no Reino Unido.
A RSF defende que de acordo com o princípio de igualdade de tratamento, as mesmas exigências deveriam ser feitas feitas a todos os meios de transmissão, independentemente de seu país de origem e da forma como o conteúdo chega ao usuário.
“Esses requisitos incluiriam respeito ao pluralismo jornalístico, honestidade e independência e respeito à dignidade humana. A empresa de jornalismo que não atendesse a esses requisitos não seria autorizada a transmitir para a região por nenhum tipo de canal”
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Reciprocidade no jornalismo entre democracias e regimes autoritários
O segundo componente da proposta, o mecanismo de reciprocidade baseado em princípios universais, estabeleceria salvaguardas para o acesso ao espaço noticioso e informativo nos países democráticos.
A RSF explica que o objetivo é reduzir as assimetrias existentes entre países autoritários e democracias, a fim de estimular a maior abertura possível e promover a liberdade, a independência, o pluralismo e a confiabilidade da informação.
Com base em procedimentos apoiados por fundamentos legais, produtores e emissoras de jornalismo e outros conteúdos em determinados países passariam a estar submetidos a medidas específicas se a circulação de informações for restrita localmente e o nível de respeito à liberdade de opinião e expressão e liberdade de imprensa não for satisfatório.
Ou ainda se intencionalmente produzirem ou distribuírem informações manipuladoras ou falsas.
A proposta prevê que a avaliação do grau de abertura dos países de origem e seu nível de respeito à liberdade de opinião e expressão será avaliados por um órgão independente , com base em uma metodologia definida por instituições democráticas.
A RSF sugere um sistema inspirado em modelos utilizados por organizações como ela própria , a Freedom House e a Transparência Internacional, que avaliam o nível de democracia em diferentes regimes políticos.
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Diálogo para garantir jornalismo livre
A ideia da Repórteres Sem Fronteiras contempla também o engajamento com governos e parlamentos, buscando-se um diálogo permanente capaz de promover a adesão a padrões internacionais e ajudar na caminhada caminhar rumo à abertura do espaço de informações em países autoritários.
E se reciprocidade não for respeitada, medidas proporcionais poderiam ser aplicadas aos responsáveis de acordo com o grau de sua submissão às autoridades de seu país e de suas práticas de manipulação, segundo a RSF.
Pelo plano da entidade, a implementação das medidas de proteção seria confiada a uma autoridade administrativa independente, cujas decisões poderiam ser objeto de recurso de acordo com a lei. E medidas de restrição ou bloqueio de acesso seriam tomadas apenas como último recurso.
Segundo a organização o formado está em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos, com as legislações europeias de radiodifusão e mídia digital) e com a legislação da OMC (Organização Mundial de Comércio).
Ela foi inspirada no Mecanismo de Ajuste de Fronteiras de Carbono (CBAM), a proposta de regulamento da UE para proteção contra a coerção econômica por países terceiros, e na Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais.