Londres – O acordo milionário feito entre o príncipe Andrew e a americana Virginia Giuffre para arquivar o caso em que o membro da família real é investigado por abuso sexual repercutiu negativamente entre os súditos e a imprensa britânica.

A indenização estaria entre £ 10 milhões (R$ 70 milhões) e £ 12 milhões (R$ 83 milhões), estimam jornais do Reino Unido.

As dúvidas sobre quem vai bancar a conta motivaram uma organização contrária à monarquia a criar um abaixo-assinado intitulado “Quem está pagando pelo acordo do príncipe Andrew?”, com críticas à possibilidade de a Rainha Elizabeth estar contribuindo, já que recebe fundos públicos. 

‘Temos o direito de saber’, dizem cidadãos

Na terça-feira (15), um comunicado conjunto assinado por advogados do duque de York e de Giuffre confirmou o acordo financeiro, mas sem revelar os valores acertados para ela desistir da causa contra ele, nem como seriam pagos. 

No dia seguinte, o jornal Daily Mirror noticiou que a rainha teria ajudado o filho fazendo pessoalmente uma doação de £ 2 milhões para a instituição de caridade da acusadora, Virginia Giuffre, mas que seria mantida separada do pagamento feito diretamente a ela. 

Criado pelo grupo político Republic, que se define como contrário à monarquia e defensor da substituição do sistema por eleições diretas, o abaixo-assinado somava mais de 8 mil assinaturas na manhã de quinta-feira (17).

Na descrição, o texto defende que o povo britânico tem “o direito de saber” se está pagando o acordo feito pelo filho da rainha Elizabeth II.

“Estamos pagando para manter Andrew fora do tribunal?”, questionam os súditos. “A maior parte do dinheiro que a família real tem vem do contribuinte, e o príncipe Andrew tem uma renda própria limitada.”

Leia mais

Crises simultâneas no Reino Unido ameaçam cargo do primeiro-ministro e futuro da monarquia

“Pagamos à rainha £ 20 milhões por ano com os lucros do Ducado de Lencastre, de propriedade do Estado. Isso além do financiamento oficial da monarquia”, prossegue a justificativa do abaixo-assinado.

“É com esses fundos que agora estamos pagando para tirar o príncipe Andrew de uma audiência no tribunal e permitir que ele evite responder a graves acusações.”

O texto finaliza exigindo que o governo se manifeste oficialmente para garantir que o acordo não será financiado com fundos da família real, pois, “em última análise, esse dinheiro vem do erário público.”

Acerto do príncipe protege Jubileu  

Ao aceitar pagar uma soma tão alta em vez de encarar o processo, o duque de York transmite a impressão de que a derrota seria inevitável.

Pode também ter sido uma forma de proteger a família real, talvez por imposição. Um dos rumores é de que no acordo Virginia Giuffre teria aceitado não falar sobre o caso até o fim das comemorações do Jubileu da rainha Elizabeth.

No entanto, ao não levar o julgamento até o fim como parecia ser sua intenção, ele perdeu a chance de limpar sua biografia, comprovando inocência.

De qualquer forma, o acordo é um presente para a rainha Elizabeth II e para a instituição monarquia, abalada com o escândalo.

Andrew deveria depor em juízo no dia 10 de março, turvando as comemorações do Jubileu. Há uma semana, a monarca de 95 anos completou sete décadas no trono, dando início a uma série de comemorações que se estenderão até junho.

A exposição negativa de seu filho disputando atenção da mídia e dos súditos era um fantasma que parece agora  afastado. E se Giuffre realmente sair de cena, melhor ainda para a realeza

Príncipe Andrew vira deboche nas redes 

No Twitter, os britânicos não pouparam comentários ácidos para falar sobre o acordo feito pelo príncipe Andrew.

O deboche focou principalmente nas justificavas dadas pelo membro da realeza para negar que conhecesse Virginia Giuffre.

“Espera. Isso quer dizer que Andrew Windsor não estava no Pizza Express na cidade de Woking?”, publicou o locutor de rádio James O’Brien.

O’Brien fez referência a um dos álibis usados pela defesa de Andrew. Segundo os advogados, na noite em que a mulher diz ter feito sexo com o duque de York na residência de Ghislaine Maxwell — ex-namorada do bilionário Jeffrey Epstein — ele teria levado a filha a uma festa infantil na rede popular Pizza Express.

Só que a defesa não conseguiu nenhum funcionário, pai ou mãe de amiguinhas, ou ainda registros da segurança comprovando que ele estava lá.

“O príncipe Andrew distribuiu milhões de libras para alguém que ela nunca conheceu. Alguém pode dizer, por favor, que ele nunca me conheceu e estou disponível para doações”, brincou um usuário do Reino Unido.

“Muito decente da parte do príncipe Andrew pagar uma quantia enorme de dinheiro a alguém que ele nunca conheceu para impedi-la de acusá-lo de algo que ele definitivamente não fez.

Ele é muito honrado”, ironizou um perfil que parodia o primeiro-ministro, Boris Johnson, na rede social.

https://twitter.com/BorisJohnson_MP/status/1493638545050898433

“Todas as pessoas, incluindo os membros da realeza, que queriam falar sobre Harry e Megan, estão calados sobre homens como Andrew…”, postou outro internauta.

Jornais repercutem caso de Andrew

Os principais jornais da Inglaterra deram destaque na primeira página para o acordo entre o príncipe Andrew e Virginia Giuffre.

O Daily Mirror diz que o duque de York estava sob “intensa pressão” vinda do topo da monarquia para chegar a um acordo logo, a fim de evitar o risco de qualquer drama judicial ofuscar as celebrações do 70º Jubileu da rainha.

“Andrew faz um acordo de £ 12 milhões para cessar alegação de sexo”, diz a manchete principal, em um acordo feito “sob as ordens da rainha e do príncipe Charles”, acrescenta o jornal.

A manchete do The Sun é “A desgraça final dele”, e também cita o valor de £ 12 milhões como pagamento no acordo feito com  Giuffre. “Exílio vitalício dos deveres reais”, destaca um subtítulo.

A primeira página do Daily Mail traz a manchete “A humilhação final de £ 10 milhões do duque”.

Em um dos destaques, a publicação diz que “Andrew se resolve com a acusadora em um humilhante acordo – fechando para sempre a porta para um retorno à realeza”.

A manchete do The Guardian diz: “Príncipe resolve o caso de agressão sexual de Giuffre fora do tribunal”.

Nas páginas internas, a reportagem afirma que o acordo levanta muitas questões, mas não responde a nenhuma sobre o que aconteceu de fato entre o príncipe e Virginia Giuffre.

O destaque na capa do Telegraph é intitulado: “Rainha para ajudar a pagar o acordo de £ 12 milhões”, afirmação que ainda não foi confirmada, mas já é alvo de muito debate no Reino Unido.

Um comentário da colunista Camilla Tominey, promovido no topo da página, crava: “A realeza está melhor sem Andrew”.

Entenda o caso do príncipe Andrew e Virginia Giuffre

Andrew é um conhecido bon vivant, que sempre frequentou boates e as festas do jet set internacional — antes, durante e depois do casamento com Sarah Ferguson. Muitos afirmam que é o preferido dos quatro filhos de Elizabeth II.

Nesse mundo de celebridades, ele se tornou amigo da socialite Ghislaine Maxwell, filha de um magnata da mídia britânica que cometeu suicídio a bordo de seu próprio iate.

Ela virou o elo entre famosos internacionais e o milionário americano Jeffrey Epstein, dono de propriedades em vários países e de um jatinho para levar seus amigos confortavelmente para festas e temporadas de férias, sugestivamente chamado “Lolita Express”, em alusão ao transporte frequente de meninas jovens.

Andrew era um dos amigos, tendo passado a frequentar as residências de Epstein em lugares como Caribe e Nova York. Donald Trump também era um dos convidados regulares, como mostram fotos em revistas de celebridades.

A hospitalidade foi retribuída com pompa e circunstância. Epstein e Ghislaine (que em determinado momento apresentavam-se como tendo um relacionamento) foram convidados para eventos reais e para um fim de semana no castelo de Balmoral, uma das residências preferidas da rainha.

Depois das denúncias de jovens contando terem sido atraídas por Maxwell e recebido favores como viagens ou ajuda de custo para se aproximarem de Epstein e de seus amigos, o americano foi preso e cometeu suicídio antes de ser julgado.

No processo contra Andrew, Virginia Giuffre alegou ter mantido relações sexuais com o príncipe em propriedades de Epstein e na casa da própria Maxwell em Londres, em 2001, quando tinha 17 anos.

Uma foto dos dois é a prova mais eloquente de que se conheciam e estiveram juntos na residência daquela que viria a ser condenada por tráfico de menores — ela aparece sorridente ao fundo.

Leia também

Competência e princípios morais: as lições de imagem da rainha Elizabeth para corporações e celebridades