Londres – O jornalista Güngör Arslan, proprietário e editor-chefe do diário local Ses Kocaeli (A Voz de Kocaeli), foi assassinado a tiros no último sábado (19) em frente à sede do jornal na cidade de İzmit, na Turquia.
Baleado no peito e na perna direita, o profissional de imprensa chegou a ser levado para um hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Arslan já tinha sofrido ameaças por publicar reportagens sobre casos de corrupção, suborno e clientelismo envolvendo políticos da região. Ele é o 11º jornalista assassinado no mundo somente em 2022, segundo a ONG Repórter Sem Fronteiras (RSF).
Jornal sofreu ataque em abril de 2020
Um dia antes de morrer, Güngör Arslan publicou no jornal acusações de corrupção contra o prefeito de Kocaeli, Tahir Büyükakın, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco).
A polícia ainda investiga as causas do assassinato do jornalista turco, e um suspeito do crime já foi preso. A arma que teria sido usada no ataque também foi apreendida pelas autoridades.
De acordo com a imprensa local, o suspeito preso disse em sua primeira declaração que “duas pessoas o instigaram a cometer o crime” contra Arslan.
Apesar de receber frequentes intimidações por suas matérias de cunho investigativo, as ameaças contra o repórter se intensificaram em abril de 2020, quando um grupo não identificado abriu fogo contra os escritórios do jornal.
O jornal turco Gazeteciler Sendikası (TGS) afirmou que os assassinos de Arslan queriam “silenciá-lo” e cobrou das autoridades policiais a identificação e prisão dos mandantes do crime.
Yolsuzlukları, rüşveti, kayırmaları yazan #GüngörArslan susturulmak için katledildi. Suikastın emrini verenlerin ortaya çıkartılmasını bekliyoruz. Bu dosya tetikçiyle kapatılamaz. Adalet ve İçişleri Bakanlarını göreve çağırıyoruz. pic.twitter.com/ba9ZHCdbHk
— Gazeteciler Sendikası (@TGS_org_tr) February 21, 2022
O secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), Anthony Bellanger, também pediu que as autoridades turcas não poupem esforços para solucionar o assassinato de Güngör Arslan.
“Lamentamos a perda de um corajoso jornalista que fez um ótimo trabalho expondo a corrupção e irregularidades [do governo]. Prestamos nossas condolências à família, colegas e amigos neste momento difícil.”
Leia também
Diretora mundial da Unesco pede investigação para apurar morte de jornalista no Ceará
Turquia tem péssima avaliação de liberdade de imprensa
A Turquia aparece na 153ª posição do último Ranking de Liberdade de Imprensa, divulgado pela RSF em 2021. O país foi avaliado junto com outras 180 nações.
O governo turco tem sido criticado por supostamente reprimir jornalistas e sentenciá-los a longas penas de prisão.
A Human Rights Watch (HRW) também já acusou o governo turco de silenciar a mídia independente na tentativa de frear as críticas dos jornalistas após a tentativa de um golpe militar em julho de 2016.
Em dezembro daquele ano, o grupo de direitos humanos afirmou em relatório que o “ataque” da Turquia à imprensa se intensificou após o golpe frustrado, e que jornalistas descreveram como “sufocante” a atmosfera em que trabalhavam no país.
Leia também
Como o Brasil e Bolsonaro apareceram em relatórios globais de liberdade de imprensa em 2021
Segundo a ONG, cerca de 140 meios de comunicação e 29 editoras foram fechados desde então, deixando mais de 2.500 jornalistas e profissionais da mídia sem emprego.
Acusando o governo de usar o sistema judicial como uma ferramenta contra a mídia, a HRW alegou que a Turquia interferiu na independência editorial jornalística e forçou veículos de comunicação a demitir jornalistas críticos.
Jornalista está presa há um mês por ofensa a Erdogan
O jornalista turco Güngör Arslan, assassinado no fim de semana, não é o único caso que chama a atenção das entidades internacionais sobre a repressão à imprensa no país.
Sedef Kabaş, uma celebridade da mídia turca, está presa há um mês após citar um provérbio considerado ofensivo ao presidente Recep Erdogan durante uma entrevista e, também, nas redes sociais.
Ela já trabalhou em grandes emissoras de TV e mantinha um canal de notícias no YouTube.
No dia 22 de janeiro, a jornalista foi capturada por autoridades turcas em casa às 2h da manhã, horas depois da postagem, e seus advogados não conseguiram libertá-la até o momento.
Na ocasião, Erdogan prometeu não deixar barato. Em entrevista, ele disse que a ofensa à presidência não ficaria impune e que o caso não poderia ser tratado como violação da liberdade de expressão.
O tuíte que irritou Erdogan, que tem um histórico de perseguições a jornalistas, não mencionava diretamente o nome do presidente.
Durante um programa na TELE1 TV em 14 de janeiro, Sedef Kabaş disse: “Há um famoso ditado: ‘Uma cabeça coroada ficará mais sábia’. Mas vemos que essa não é a realidade.
Há também um ditado que é exatamente o oposto: ‘Quando o boi chega ao palácio, ele não se torna rei. Mas o palácio se torna um estábulo.'”
Dias depois, ela postou o mesmo provérbio em suas redes sociais.
Políticos ligados ao presidente Recep Erdoğan criticaram a fala da jornalista e, horas depois da postagem, ela foi presa.
O recurso contra sua prisão preventiva foi rejeitado pelo tribunal. Kabaş segue mantida na Prisão Feminina Bakırköy, em Istambul, e pode ser sentenciada a até 12 anos e 10 meses, caso seja condenada.
O julgamento do caso será iniciado somente em 11 de março e, até lá, a Justiça turca já decretou que ela segue na prisão.