Londres – A confiança nos governos está em queda – inclusive no Brasil, expressivos 18 pontos abaixo da média. O mesmo vale para a mídia.
Paradoxalmente, o temor relacionado à desinformação é grande no mundo e também no Brasil, onde a preocupação com as fake news atinge 81% da população.
Essas são conclusões do Edelman Trust Barometer 2022, tradicional relatório internacional que está em sua vigésima segunda edição. Além de governos e meios de comunicação, a pesquisa destaca a percepção com relação a empresas e a organizações não governamentais (ONGs).
Baixa confiança em governos na América do Sul
De acordo com o estudo, a confiança em governos apresentou queda em mais da metade dos países pesquisados: 17, de um total de 27.
No caso brasileiro, a confiança da população em seus governantes caiu cinco pontos em relação ao último relatório, chegando a 34 pontos percentuais, contra os 52% da média das 27 nações pesquisadas.
Ou seja, o país ficou na 23a posição nesse quesito, empatado com Nigéria e Espanha, e à frente de Colômbia, África do Sul e da vizinha Argentina, que ocupa a lanterna.
O decréscimo brasileiro torna-se ainda mais significativo se considerarmos que a percepção negativa dos governantes em nível global foi irrisória, diminuindo somente 1 ponto percentual. No caso Argentino, a confiança foi 8% menor.
Na pandemia, aumenta a confiança na saúde
A confiança nas autoridades sanitárias, por sua vez, seguiu um caminho inverso ao dos demais governantes. Em níveis globais, ela subiu um ponto em relação ao ano passado, chegando a 67%.
Os três países sul-americanos também ficaram nesse tópico entre os cinco últimos. No entanto, os brasileiros, na avaliação da Edelman, não apresentam a mesma “descrença” que seus vizinhos nas autoridades de saúde.
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Antes, trata-se de uma visão “neutra”, de acordo com os parâmetros do instituto. 53% dos brasileiros confiam nas autoridades de saúde ante aos 52% de 2021 – um decréscimo sutil, provavelmente amainado devido à viabilização da vacinação contra a Covid-19.
Pouca confiança no capitalismo e na democracia
Quando perguntados se “o capitalismo como existente hoje causa mais danos que coisas boas”, 52% dos entrevistados responderam que sim.
Entretanto, economias centralizadas são melhores que as de livre mercado apenas para 33% dos entrevistados. Essa questão foi realizada apenas para as nações com governos democráticos.
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Ou seja, mesmo que mal visto, para os interrogados o capitalismo não possuiria alternativas viáveis.
O Diretor Executivo da Edelman, Richard Edelman, é categórico em suas conclusões acerca dos números apresentados ao longo do estudo.
Nós acreditamos que estamos em um novo nível de desconfiança no mundo.
Mesmo que a confiança na democracia apresente números distantes de ideal, as variações entre 2021 e 2022 foram mais localizadas.
As três nações que mais aumentaram sua confiança foram asiáticas: China (+11 pontos), Emirados Árabes (+9) e Tailândia (+5). As que mais aumentaram suas desconfianças foram Alemanha (-7 pontos), Austrália (-6), Holanda (-6), Coreia do Sul (-5) e Estados Unidos (-5).
O Brasil manteve sua neutralidade em relação a 2021, permanecendo com 51 pontos de confiança. Os vizinhos Colômbia e Argentina permaneceram abaixo dos 50.
Esperança no futuro é maior em países em desenvolvimento
Se a descrença no tempo presente observada até aqui foi maior nos países desenvolvimento, a situação se inverte quando a pergunta diz respeito às projeções para o futuro.
Respondendo se concordam com a afirmação “minha família e eu estaremos melhor dentro de cinco anos?”, os mais pessimistas foram três potências: Japão (15%), França (18%) e Alemanha (22%).
Já os três que mais concordam foram, respectivamente, Quênia (91%), Nigéria (87%) e Colômbia (83%). O Brasil também fez parte do grupo dos esperançosos, com significativos 73 pontos percentuais de concordância.
Grandes medos: desemprego, mudança climática e ciberataques
Ao redor do globo, alguns grandes medos se fazem presentes, mostra o relatório. Todos eles tiveram um aumento em relação a 2021.
Em primeiro lugar está a perda de emprego, com 85 pontos, seguido da mudança climática, com 75, e de ciberataques, com 71.
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Fecham a lista a perda da liberdade, com 65 pontos, seguida de preconceito e racismo, com 57. Note-se que todos os itens são representativos das principais tensões que povoaram os noticiários nos últimos tempos.
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Percepção sobre confiança na mídia e governos
Segundo o texto, a percepção geral de governos e de mídias como confiáveis caiu um ponto em relação ao ano anterior.
As quedas são maiores se consideramos o anos de 2020, quando estavam com 65 e 56. Para a Edelman, ambos são vistos com neutralidade pelos entrevistados.
Essa visão sobre governos e meios de comunicação contrasta com a posição de destaque dada aos negócios, que manteve os 61 pontos de 2021. Já as ONGs, nesse panorama mais geral, ficaram com 59 pontos, no limiar entre a confiança e a neutralidade.
Em muitos locais ao redor do globo, como no Brasil e nos Estados Unidos, mídia e governos discordaram ao longo da pandemia em temas capitais para a sobrevivência coletiva, como a implementação de lockdown e a obrigatoriedade de vacinação.
Não à toa, esse embate gerou a percepção de que ambos mais dividiriam do que uniriam a sociedade. Nesse sentido, governos apresentaram queda de 12 pontos e mídias, de 11 pontos.
Note-se que as instancias unificadoras, para os entrevistados, são da sociedade civil: negócios e ONGs, com aumentos respectivos de 14 e 21 pontos.
Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação são vistos com desconfiança, o medo de que “fake news sejam utilizadas como armas” subiu quatro pontos percentuais, chegando a 76%. No Brasil, esse temor atinge expressivos 81% dos entrevistados.
Se, por um lado, a mídia é vista com desconfiança, o receio de desinformação reafirma sua importância para a sociedade.
Outro número que reforça a complexidade do que o relatório revela diz respeito à visão acerca dos papeis de liderança e da capacidade de gerar resultados de cada instituição.
Em ambos os casos, negócios e ONGs ficaram acima de governos e mídias. Ou seja, há uma leitura segundo a qual a sociedade civil contribui mais para a coletividade do que aqueles que foram por ela escolhidos e do que uma instancia mediadora como a imprensa.
Ao mesmo tempo em que os governantes (42 pontos) e os jornalistas (46) são vistos como pouco confiáveis, curiosamente os CEOs (49) também o são.
Essa constatação revela um contrassenso na leitura das empresas como confiáveis, tornada mais complexa ainda quando se lê que a figura do “meu CEO” recebe 66 pontos de confiança.
Richard Edelman sintetiza suas preocupações a partir dos dados levantados propondo que as instituições reinventem suas relações.
“É o trabalho de todas as instituições fornecerem informações confiáveis. Claras, concisas, acessíveis, baseadas em fatos. Nós precisamos romper este horrível ciclo de desconfiança”, afirma