Londres – Embora jornalistas e ativistas tenham entrado em pânico depois da aprovação de uma severa lei de censura punindo com até 15 anos de prisão quem disseminar supostas fake news sobre a guerra da Ucrânia na Rússia, uma das primeiras a inaugurar a a legislação foi uma estilosa blogueira de gastronomia que vive na França, junto com outros dois acusados.
Veronika Belotserkovskaya, de 51 anos, que nasceu em Odessa e mora no sul da França, sofre ameaça de ser incluída pelo regime de Vladimir Putin em uma lista de procurados internacionais por supostamente ter compartilhado informações falsas no Instagram, conforme previsto pela legislação que entrou em vigor no dia 4 de março.
Longe do alcance do governo russo, a blogueira comemorou: “Fui declarada oficialmente uma pessoa honesta”, disse ela em em um post para seus 900 mil seguidores na rede social.
Inaugurando a nova lei de censura da Rússia
O perfil de Belotserkovskaya, que se assina como Belonika ou Nika, em nada lembra o dos ativistas que antes da guerra da Ucrânia já criticavam atos do regime de Vladimir Putin.
Ela dirige uma escola de culinária de luxo e usa as redes sociais e seu blog para falar sobre gastronomia e estilo de vida, com imagens de uma vida glamurosa.
Mas nos últimos dias, assim como muitos russos que vivem no exterior, manifestou-se sobre a invasão à Ucrânia em postagens com fotos alusivas à guerra. Em alguns casos, a foto não fazia referência ao conflito, mas o texto falava sobre o drama dos ucranianos.
Leia também
Com Instagram banido na Rússia, influenciadores se despedem de fãs e migram para Telegram
Belotserkovskaya chegou a mudar a foto de perfil para uma imagem simbolizando paz, com as cores da bandeira do país invadido.
Mesmo longe, entrou no radar do aparato de censura da Rússia. A blogueira foi acusada de postar”mentiras” em fóruns de mensagens on-line ou em redes sociais, de acordo com o site da comissão de investigações criminais do país.
A comissão afirma que ela publicou “informações deliberadamente falsas sobre o uso do [exército] para destruir cidades e a população civil da Ucrânia, incluindo crianças, durante a operação militar especial”, disse o Comitê de Investigação da Rússia. O país não se refere ao conflito como “guerra”.
Em uma de suas postagens, ela acusou Putin de travar “uma guerra agressiva contra um Estado soberano” e manifestou simpatia pela Ucrânia.“Eu não considero o povo ucraniano meu inimigo. Eu os considero irmãos e irmãs.”
Belotserkovskaya referiu-se também ao efeito das sanções aplicadas à Rússia por outros países:
“Estou totalmente chocada com as consequências econômicas com as quais todos teremos que lidar por muitos e muitos anos.”
Ao saber da acusação, ela disse ao jornal britânico The Guardian que não tem atividade política, mas como mãe de três filhos não poderia ficar em silêncio quando crianças ucranianas estão morrendo. E afirmou que muitos amigos na Rússia têm a mesma opinião, mas não podem falar por medo da censura.
A blogueira não planeja retornar à Rússia enquanto continuar a ser acusada pelas autoridades. E acha que a acusação faz parte de um plano para tachar pessoas como ela de traidoras do país, associadas ao “Ocidente em decadência”.
Leia também
A outra acusada sob a lei de fake news que teve a identidade revelada é Marina Novikova, 63 anos, uma aposentada de 63 anos que vive em uma pequena cidade nos arredores de Tomsk e tem apenas 170 assinantes em seu canal no Telegram, mas ainda assim se tornou alvo da tentativa de censura.
O perfil dos primeiros acusados mostra uma intenção de o governo russo silenciar pessoas comuns que tenham redes com alguma influência, ainda que pequena, dando um recado para que a população não se expresse sobre a guerra e seus efeitos, já que conter narrativas desfavoráveis na mídia internacional é mais difícil.
Leia também
Vídeo ‘deepfake’ de Zelensky se rendendo à Rússia é exemplo da guerra cibernética na Ucrânia