Londres – Sob o argumento de conter a disseminação de fake news sobre a guerra da Ucrânia nas redes sociais, a Casa Branca surpreendeu ao convidar um grupo de influenciadores do TikTok para um briefing sobre a situação, nos moldes do que costuma ser feito com jornalistas dos principais veículos de imprensa do mundo.
A ideia foi tratada com ironia e tornou-se até objeto de uma sátira no programa de humor Saturday Night Live, que fez um esquete simulando como teria sido o encontro usando estereótipos associados aos influenciadores.
Pode ser engraçado para alguns, mas a iniciativa do governo da maior potência do planeta evidencia a seriedade com que a rede social chinesa passou a ser tratada depois que bateu o Google em número de acessos em 2021 e deixou de exibir apenas vídeos de dancinhas.
Casa Branca de olho na imagem dos EUA no TikTok
A videochamada que virou notícia – e piada – aconteceu no dia 10 de março. Funcionários do alto escalão da Casa Branca e do Conselho de Segurança Nacional dos EUA reuniram-se com 30 dos principais influencers americanos do TikTok que “cobrem” a guerra na Ucrânia.
O objetivo foi informá-los sobre os objetivos estratégicos do país na região — uma forma de evitar a disseminação de fake news na rede social e de melhorar a imagem do país.
Noticiada primeiro pelo jornal Washington Post, a reunião e seus “aprendizados” foram compartilhados pelos próprios influenciadores no TikTok.
Na apresentação com funcionários do governo e a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, os criadores de conteúdo tiveram uma visão geral das informações mais recentes sobre a Ucrânia e como os EUA se posicionam no conflito.
Eles também tiraram dúvidas sobre a distribuição de doações aos ucranianos, o trabalho com a Otan e como a administração de Joe Biden reagiria a um possível uso russo de armas nucleares.
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Como o SNL retratou o encontro com os TikTokers
Dias depois, o Saturday Night Live, um dos shows humorísticos de maior audiência dos EUA, aproveitou a história para um segmento, que somente no YouTube já teve mais quase 2 milhões de visualizações.
O “Joe Biden” é apresentado como um patético personagem que não entende de computadores. A personagem que interpreta Jen Psaki tenta inutilmente arrancar dos convidados alguma ideia para acabar com a guerra.
Uma TikToker canta uma música para o presidente da Rússia, e o programa segue em tom de piada, apresentando os influenciadores como alienados que apenas cantam, dançam e gostam de animais.
Uma TikToker canta uma música para o presidente da Rússia, e o programa segue em tom de piada, apresentando os influenciadores como alienados que apenas cantam, dançam e gostam de animais.
Casa Branca percebeu a influência do TikTok
Nada mais distante do que o TikTok se tornou para essa guerra.
A plataforma continua apresentando vídeos engraçados, mas à medida que a crise na Ucrânia aumentou, a rede social virou uma das principais fontes de informação sobre a guerra, especialmente entre os jovens.
Foi lá que os primeiros vídeos da invasão russa foram compartilhados, mostrando cidadãos ucranianos escondidos em abrigos antiaéreos ou fugindo de suas casas.
Nos EUA e outros países do Ocidente, criadores digitais produziram conteúdo explicativo sobre o conflito na Ucrânia, gerando milhões de visualizações e fornecendo informações sobre a crise para as gerações mais jovens.
Mas a rede social também viu crescer a desinformação e a propaganda financiada pela Rússia contra a Ucrânia e seus aliados no conflito.
No meio dessa “guerra da verdade” dentro da plataforma, as estrelas do TikTok, muitas com milhões de seguidores, têm buscado cada vez mais dar sentido à crise para seus públicos nos EUA.
De olho nesse público ávido por informações e preocupado com a própria construção de imagem do país entre os jovens durante o conflito, o governo de Joe Biden começou a trabalhar com a ONG Geração Z For Change.
O esforço conjunto ajudou a identificar os principais criadores de conteúdo sobre a guerra na Ucrânia no TikTok para organizar a reunião com os funcionários da Casa Branca.
Kahlil Greene, de 21 anos, tem mais de 534 mil mil seguidores na plataforma, por isso, não ficou surpreso quando o convite chegou em sua caixa de entrada de e-mail.
“As pessoas da minha geração obtêm todas as informações pelo TikTok”, disse ele à CBS News. “É o primeiro lugar em que estamos pesquisando novos assuntos e aprendendo sobre as coisas.”
Ele foi um dos que compartilhou o encontro na sede do governo americano, relatando a pergunta que fez e as respostas recebidas, com total seriedade.
@kahlilgreene The White House invited content creators to learn more about the crisis in Ukraine. #hiddenhistory #ukraine #blackcommunitytiktok
Pode não estar vestido como um jornalista de TV ou portar o microfone típico dos repórteres de vídeo, mas sua mensagem atinge um público que cada vez mais se afasta da mídia tradicional.
TikTok é processado por estados norte-americanos
Enquanto a administração Biden enxerga o potencial do TikTok, coalizão formada por procuradores-gerais de oito estados norte-americanos instaurou um inquérito para apurar danos emocionais às crianças e adolescentes no TikTok.
A ação, anunciada no início do mês, é movida cerca de quatro meses após outra investigação semelhante ser aberta contra a Meta, antigo Facebook.
Anunciado pela procuradoria-geral de Massachusetts, o processo contra o aplicativo chinês quer saber se a empresa está arquitetando e promovendo sua plataforma de maneira prejudicial à saúde física e mental de crianças e adolescentes nos EUA.
“Como crianças e adolescentes já lidam com problemas de ansiedade, pressão social e depressão, não podemos permitir que as mídias sociais prejudiquem ainda mais sua saúde física e bem-estar mental”, disse a procuradora-geral de Massachusetts, Maura Healey, em comunicado divulgado à imprensa em 2 de março.
“Procuradores-gerais estaduais têm o imperativo de proteger os jovens e buscar mais informações sobre como empresas como o TikTok estão influenciando suas vidas diárias.”
Os procuradores-gerais querem entender a fundo quais danos o uso do TikTok podem causar às crianças e adolescentes, e se a empresa sabia desses riscos.
A investigação planeja se concentrar nos métodos e técnicas que o app chinês usa para aumentar o engajamento, atrair usuários jovens a passar mais tempo na plataforma e abrir o aplicativo com frequência.
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