Mesmo com o ex-presidente Donald Trump fora do poder dos Estados Unidos, a teoria conspiratória QAnon resiste entre uma parcela dos americanos, de acordo com uma nova análise divulgada pelo Public Religion Research Institute (PRRI).

A pesquisa do PRRI descobriu que cerca de um em cada cinco americanos (16%) acredita no QAnon, taxa que se manteve estável ao longo de 2021. O estudo não inclui outros países, mas o mito espalhou-se pelo mundo, influenciando comportamentos como negacionismo da covid e a defesa da Rússia na guerra da Ucrânia. 

Outra revelação é que os americanos que se informam mais por meios de comunicação associados à extrema direita têm quase cinco vezes mais chances de acreditarem no QAnon do que aqueles que acompanham meios de comunicação tradicionais. 

O que é o QAnon

O QAnon é um movimento de extrema-direita que tem como guru uma figura anônima que só se manifesta em mensagens enigmáticas pela internet e atende pelo nome de Q.

Por ter a visão apocalíptica de que um dia de ajuste de contas está próximo (conhecido pelos seguidores como “A Tempestade” ou “O Grande Despertar”), o movimento assume ares de seita religiosa. Só que o todo-poderoso venerado é Donald Trump. 

Atuando como uma rede viral de apoio ao Partido Republicano, o QAnon defende  que Trump foi eleito para proteger os norte-americanos e comandar uma guerra secreta (a Operação Storm) contra uma elite mundial de pedófilos adoradores de Satanás (a cabala) que trafica e abusa impunemente de crianças, além de sumir com elas (geralmente em túneis).

Os adeptos mais radicais adicionam as práticas de canibalismo e a extração de uma substância do sangue das crianças para o prolongamento da vida e a manutenção da juventude.  

QAnon: maioria é republicana

O relatório do PRRI  inclui a maior coleta de dados sobre teorias QAnon feita até o momento, monitorando as conspirações disseminadas pelo grupo ao longo de 2021.

A proporção de americanos que acredita em teorias do QAnon aumenta entre os republicanos, já que um em cada quatro (25%) são apoiadores do grupo de extrema-direita, em comparação com 14% dos independentes e 9% dos eleitores democratas.

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A parcela de americanos que rejeita por completo as teorias de conspiração QAnon caiu ligeiramente em 2021, de 40% em março para 34% em outubro.

“As teorias de conspiração QAnon não estão perdendo popularidade ao longo do tempo, apesar de não terem mais seu líder no poder”, explicou Natalie Jackson, diretora da pesquisa.

“Os dados indicam quantas pessoas estão abertas a acreditar em conspirações mais profundas e, embora 16% pareça pouco, isso representa cerca de 41 milhões de americanos.”

A especialista disse que mesmo essas pessoas sendo racial, religiosa e politicamente diversas, elas acreditam que seu estilo de vida está sob ataque. “Por isso, estão dispostas a recorrer à violência para defender sua visão de mundo.”

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Para o estudo, as afinidades com as teorias de conspiração do QAnon foram medidas usando três declarações que são princípios fundamentais do movimento, mas não mencionam especificamente o grupo:

  1. O governo, a mídia e o setor financeiro são controlados por um grupo de pedófilos adoradores de Satanás que administram uma operação global de tráfico sexual infantil;
  2. Há uma tragédia se aproximando que varrerá as elites do poder e restaurará os líderes legítimos;
  3. Como tudo saiu de controle, os verdadeiros patriotas americanos podem ter que recorrer à violência para salvar o país.

Dos 19.399 participantes da pesquisa, aqueles que concordaram com todas as declarações foram classificados como apoiadores do QAnon; quem discordou completamente das três afirmações, foi identificado como contrário ao grupo de extrema direita, e quem ficou indeciso, mas discordou da maioria das frases, foi rotulado como cético à teoria de conspiração.

Informados por notícias extrema-direita

Ainda segundo o estudo do PRRI, os americanos que mais confiam em portais de notícias de extrema-direita, como One America News Network (OANN) e Newsmax, por exemplo, são quase cinco vezes mais propensos a acreditarem em teorias falsas propagadas pelo QAnon do que leitores de veículos tradicionais.

Os seguidores do QAnon também estão fortemente comprometidos com o nacionalismo cristão. Dois terços das pessoas que acreditam no grupo (66%) dizem que ser cristão é importante para ser um verdadeiro americano, em comparação com 43% de todos os americanos e 1/5 dos rejeitadores do QAnon (20%).

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“Os americanos que acreditam nas conspirações do QAnon compartilham uma crença comum de que há uma ameaça cultural generalizada à sua visão da América como uma nação cristã branca”, disse Robert P. Jones, CEO e fundador da PRRI.

A maioria dos apoiadores do movimento de extrema-direita (81%) concorda com a afirmação de que a América corre o risco de perder sua cultura e identidade.

Cerca de três em cada quatro seguidores do QAnon (73%) concordam que o modo de vida americano precisa ser protegido da influência estrangeira, em comparação com 33% dos que rejeitam o grupo.

Segundo os pesquisadores, todas essas percepções estão associadas ao preconceito racial.

Apoiadores do grupo conspiracionista têm cinco vezes mais chances de concordar com a afirmação de que “a ideia da América onde a maioria das pessoas não é branca me incomoda”.

Outra semelhança encontrada no estudo entre os apoiadores do QAnon é à lealdade a Trump. Sete em cada dez seguidores do grupo concordam com a ideia de que as eleições de 2020 foram roubadas do ex-presidente (69%), e 67% acreditam que Trump é um “verdadeiro patriota”.

Em relação à invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, adeptos da teoria de conspiração são mais propensos a culpar grupos de esquerda como Antifa (59%) pelo tumulto. Apenas 30% responsabilizam Trump, em comparação com 56% de todos os americanos.

Brancos e sulistas apoiam o QAnon

Outros dados levantados pela pesquisa do PRRI são mostram o perfil social e econômico dos seguidores da teoria conspiratória.

Racial e etnicamente, a maioria dos apoiadores do QAnon (58%) são americanos brancos; 20%, hispânicos; 13%, negros; 6% pertencem a outras raças ou etnias, incluindo descendentes asiáticos e nativos americanos; e 2% são multirraciais.

Religiosamente, o grupo que apoia teorias da conspiração é diversificado. Embora sejam mais propensos do que a população em geral a se identificar como protestantes evangélicos brancos (20%), uma porcentagem significativa dos seguidores do QAnon são americanos religiosamente não afiliados (17%).

Apoiadores do grupo de extrema-direita costumam ter renda familiar inferior a US$ 50 mil por ano (48%), enquanto cerca de um terço tem renda anual até US$ 100 mil (31%). 21% dos entrevistados identificados como favoráveis às conspirações cinco tem renda anual acima de US$ 100 mil.

Grande parte dos seguidores do QAnon (45%) vivem em áreas suburbanas. Três em cada dez (31%) vivem em áreas urbanas e 24% vivem em áreas rurais. A maioria dos apoiadores estão no Sul (44%) dos Estados Unidos.