Forças do Talibã detiveram e libertaram pelo menos sete jornalistas e profissionais de mídia afegãos desde sábado (26) e investiram contra grandes redes globais de mídia, denunciou Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Com o aumento da repressão contra a imprensa no Afeganistão, o grupo extremista islâmico proibiu os meios de comunicação locais de transmitirem o conteúdo de três emissoras internacionais: BBC, DW e Voice of America (VOA).

Em agosto do ano passado, o Talibã tomou o poder no país e vem restringido as liberdades individuais da população desde então. O movimento mais recente contra jornalistas acontece na mesma semana em que o grupo voltou a proibir meninas de frequentarem escolas, situação vivida na primeira fase do domínio do grupo por uma jornalista homenageada pela revista Time.

Talibã persegue e intimida jornalistas com prisões temporárias

No sábado (26), o Talibã prendeu o diretor da emissora local independente Zema Radio, Mirwais Atal, segundo informações do CPJ obtidas com o grupo de liberdade de imprensa do Centro de Jornalistas do Afeganistão (AJC, na sigla em inglês).

As autoridades detiveram Atal por cerca de 15 horas antes de levá-lo de volta para casa para recuperar seu celular; eles então o transferiram para um local não revelado.

Em uma reunião com executivos da mídia local no dia seguinte, o vice-diretor de mídia e assuntos públicos da Diretoria Geral de Inteligência do Talibã, Jawad Sargar, disse que o jornalista foi detido devido a seus “pontos de vista feministas”, informaram ao CPJ dois participantes da reunião sob condição de anonimato.

Antes da prisão, Atal havia publicado comentários em sua página pessoal no Facebook, onde tem cerca de 5 mil seguidores, elogiando os protestos locais de estudantes do sexo feminino contra as ordens do Talibã de fechar escolas para meninas.

Na noite de segunda-feira, o AJC informou que o jornalista havia sido libertado.

Também no sábado, agentes de inteligência do Tabilã em Cabul detiveram Sarwar Hashemi, jornalista da emissora local independente Salam Watandar, enquanto cobria um protesto contra o fechamento das escolas, segundo a mídia local e o AJC.

As autoridades interrogaram Hashemi por cerca de seis horas e depois o libertaram sem acusações.

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Além de jornalistas, censura do Talibã afeta também entretenimento

Na mesma reunião com executivos da imprensa afegã, o representante do Talibã Jawad Sargar ordenou que todas as principais emissoras locais parassem de transmitir shows de música e entretenimento, bem como qualquer programação que fosse “contra os valores nacionais e islâmicos”, segundo os relatos anônimos ao CPJ.

O Talibã lhes deu um prazo de duas horas para cumprir a determinação, mas os executivos se recusaram e exigiram uma diretriz por escrito dos líderes ou ministérios do grupo extremista.

Na segunda-feira (28), agentes de inteligência do Talibã invadiram a estação de rádio independente Millat Zhagh, com sede em Kandahar, e detiveram o gerente de notícias Farid Alizai, o produtor Rahimullah Noori e o chefe técnico Mahmood Mehraban, e fecharam o prédio do veículo, informou o AJC.

As autoridades acusaram os três de não cumprirem o ultimato de Jawad Sargar. Os jornalistas foram liberados no mesmo dia, segundo reportou a associação de imprensa local.

Outros três funcionários de emissoras locais independentes foram detidos pelas forças talibãs na segunda-feira: o gerente da Sanga Radio, Agha Sher Menar; o gerente administrativo da Zema Radio, Waris Noori; e o produtor da Radio Tabassum, Samiullah Wahdat, de acordo com o AJC.

As autoridades detiveram os três por várias horas e depois os libertaram sob fiança, depois de forçá-los a assinar cartas prometendo cumprir as diretrizes do Talibã, disse o diretor do Kandahar Press Club, Jawed Tanwir, ao CPJ.

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A investida do Talibã contra jornalistas atingiu também três empresas internacionais que distribuem seus conteúdos por meio de parceiros afegãos.

No domingo (27), as autoridades do Talibã proibiram as emissoras locais de transmitirem os boletins de notícias em pashto, persa e uzbeque da BBC.

Em nota, Tarik Kafala, chefe de Idiomas da BBC World Service, disse a decisão do governo do Afeganistão é “preocupante em um momento de incerteza e turbulência” para a população do país.

“Mais de seis milhões de afegãos consomem o jornalismo independente e imparcial da BBC na TV todas as semanas e é crucial que não lhes seja negado o acesso no futuro.”

Já no caso da alemã DW, a repressão tem como alvo o talk show político Aashti, nos idiomas dari e pashto, que era retransmitido pelo parceiro local ToloNews. Programas científicos transmitidos pela Ariana TV e pela Shamshad também foram afetados.

O diretor-geral da DW, Peter Limbourg, disse que as crescentes restrições à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão no Afeganistão são “muito preocupantes”.

“O fato de que o Talibã está agora criminalizando a distribuição de programas da DW por nossos parceiros de mídia está impedindo desenvolvimentos positivos no Afeganistão. A mídia livre é essencial para isso, e faremos tudo o que pudermos para continuar a fornecer ao povo do Afeganistão informações independentes por meio da internet e das redes sociais.”

A emissora financiada pelo Congresso dos EUA Voice of America (VOA) também teve seus programas do ar no Afeganistão.

“Pedimos ao Talibã que reconsidere essa decisão preocupante e infeliz”, disse a diretora interina da VOA, Yolanda Lόpez, em comunicado.

“As restrições de conteúdo que o Talibã está tentando impor são antitéticas à liberdade de expressão que o povo do Afeganistão merece.”

A emissora americana produz um boletim de notícias de meia hora em pashto e dari, as duas principais línguas faladas no Afeganistão, cinco dias por semana para seus parceiros afegãos, TOLO News e Shamshad TV.

Os últimos ataques à liberdade de imprensa no Afeganistão coincidem com um esforço dos líderes do Talibã para voltar no tempo às políticas repressivas da década de 1990, avaliou o CPJ.

Em nota, a organização instou que os jornalistas afegãos presos pelo grupo extremista sejam libertados imediatamente:

“Tais detenções arbitrárias e recentes proibições de programação por vários grandes meios de comunicação internacionais estão destruindo o outrora próspero setor de mídia do país e privando o povo afegão de acesso a informações essenciais”.

O CPJ também está investigando relatos de que o Talibã deteve o jornalista e poeta da Rádio Nawroz Khalid Qaderi. Até o momento, a organização não conseguiu determinar se ele estava sendo detido por seu trabalho como jornalista.

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