Londres – Lançamento atropelado, diversos bugs e uma lista de espera com mais de 1,5 milhão de usuários impedidos de entrar por problemas técnicos são características que nada se aproximam das promessas feitas para a Truth Social, rede social conservadora anunciada por Donald Trump para combater as big techs que o baniram.

Mais de um mês depois da estreia oficial, os problemas se acumularam ao ponto de dois dos principais executivos terem aparentemente deixado o empreendimento, lançando mais dúvidas sobre o destino da sonhada plataforma de Trump — usada somente uma vez pelo próprio idealizador.

O interesse inicial já arrefeceu, com queda drástica no número de downloads, segundo agências de monitoramento de aplicativos, um mau sinal para a rede social que deveria atrair os seguidores de Trump que ficaram órfãos de suas postagens há pouco mais de um ano. 

Rede Social de Trump: “fracasso” e “desastre” 

A Truth Social está sob o guarda-chuva de uma nova empresa de mídia criada por Trump, a Trump Media & Technology Group (TMTG), comandada pelo ex-congressista republicano Devin Nunes, que se tornou CEO da companhia no início do ano.

Depois de muitos adiamentos desde o anúncio do projeto, em outubro de 2021, Nunes havia sinalizado em janeiro que a plataforma deveria chegar para os americanos em março.

No entanto, a previsão foi antecipada em ao menos três semanas — e, coincidência ou não, a estreia da Truth Social aconteceu no Presidents’ Day, em 21 de fevereiro, data cultuada por Trump durante seu mandato. 

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Os usuários desbravadores da plataforma relataram dificuldades em acessar e postar conteúdos nos primeiros dias, mas Nunes assegurou que o aplicativo estaria “totalmente operacional” para os americanos até o final de março.

Não foi o que aconteceu. As dificuldades da rede de Trump no primeiro mês viraram tema de reportagens nos EUA nos últimos dias,  com a Truth Social sendo classificada de “fracasso” e “desastre” por jornalistas e analistas que acompanham os passos do empreendimento. 

Rede social de Trump perde executivos importantes 

O suposto desligamento de dois importantes executivos revelada pela agência Reuters nesta segunda-feira (4) agravou ainda mais a crise. 

A reportagem ouviu oito pessoas ligadas à Truth Social para confirmar as saídas de Josh Adams e Billy Boozer, respectivamente chefes de tecnologia e desenvolvimento de produtos da empresa, que tinham papéis centrais na construção da rede social, mas não obteve resposta. 

No entanto, a notícia foi reproduzida globalmente sem contestação, sinal de provável veracidade. 

A agência de notícias descreve os executivos com duas das qualidades que a startup de Trump precisava: “experiência na indústria de tecnologia e uma visão de mundo politicamente conservadora alinhada com o ex-presidente, uma combinação rara na indústria de tendência liberal centrada em São Francisco.”

A Reuters não descobriu o que exatamente motivou a saída de ambos nem em quais circunstâncias. Eles podem, inclusive, ainda estar na TMTG, porém não mais nos cargos executivos, segundo fontes anônimas.

Boozer se recusou a comentar e Adams não respondeu a um pedido de entrevista da Reuters. Representantes do TMTG e de Trump também não retornaram.

“Se Josh foi embora, todas as apostas estão canceladas”, disse uma fonte à Reuters sobre o ex-chefe de tecnologia Josh Adams, chamando-o de “cérebro” por trás da Truth Social.

Billy Boozer também teria um importante papel de liderança como chefe de produto, gerenciando as equipes de infraestrutura de tecnologia, design e desenvolvimento.

Rede social de Trump é desastre de audiência 

Uma enxurrada de novos usuários tentando entrar na nova rede poderia ser a explicação para a longa fila de espera relatada por quem tenta se inscrever, um problema registrado nos primeiros dias que não foi contornado até hoje.

Em janeiro, quando a Truth Social de Trump entrou no ar em versão beta (de testes), apenas para Iphones, rapidamente ocupou lugar de destaques entre os apps mais baixados, com quase 1 milhão de visitas diárias.

Uma enxurrada de novos usuários tentando entrar na nova rede poderia ser a explicação para a longa fila de espera relatada por quem tenta se inscrever, um problema registrado nos primeiros dias que não foi contornado até hoje.

No entanto, o interesse arrefeceu, talvez pelas notícias de que a fila continua enorme, ou pelo desinteresse no conteúdo, já que os que querem saber o que pensa Donald Trump não conseguem fazê-lo dentro de sua própria rede, uma vez que o perfil dele ficou em silêncio.

O único post foi o primeiro, anunciado por seu filho no Twitter. 

Nem Melania Trump parecia acreditar muito no empreendimento, pois dias antes de a rede entrar no ar a ex-primeira-dama anunciou um acordo de postar com exclusividade na plataforma extremista Parler. 

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O levantamento de aplicativos mais baixados feito pela empresa de monitoramento Similar Web não inclui a Truth Social entre os 50 primeiros no dia 2 de abril. Mas lista alguns inimigos de Trump, o Facebook e o Instagram, entre os 10 principais.

Outro acompanhamento, feito pela empresa de pesquisas Apptopia e revelado pela Bloomberg, contabilizou queda de 170 mil downloads diários do aplicativo nos primeiros dias da Truth Social para uma faixa de 8 mil atualmente. O número de usuários ativos seria de 513 mil.

No entanto, a consultoria observou que a quantidade pode não refletir a realidade de usuários, visto que muitos baixaram o app mas continuam na fila de espera.

As visitas diárias não chegariam a 300 mil, segundo o Washignton Post citando dados da Sensor Tower. O patamar seria inferior ao da rede extremista Gab, uma plataforma marginal.

Os números na fila para entrar na rede social de Trump viraram notícia, publicados nas redes sociais e em reportagens sobre a Truth Social.

Um deles foi jornalista da BBC especializado em tecnologia James Clayton, baseado nos EUA, que em uma reportagem sobre as dificuldades da rede social relatou sua posição na fila de espera para se tornar usuário da Truth Social: 1,419,631.

Outros potenciais usuários reagiram com ironia às tentativas de entrar na Truth Social, que viraram motivo de memes nas redes sociais, como este que brincou com a falta de memória usando a imagem de um computador da década de 80. 

https://twitter.com/ZXretroXX/status/1511286855819534339?s=20&t=oRm4-eWCiZQXWv3mcWDTTQ

Rede social com ou sem moderação?

Outra promessa da rede Truth Social que não está sendo cumprida é a da liberdade plena, sem a incômoda moderação das grandes plataformas que sempre foi motivo de reclamações de Trump e de seus apoiadores.

O jornal americano The Daily Beast revelou que Roger Stone, republicano aliado do ex-presidente, teria sido “censurado” na Truth Social. 

Segundo o jornal, na noite de sábado, Stone fez uma postagem sobre o “Islã radical”, incluindo uma foto de um antigo bottom de campanha de Trump e o comentário: “Trump também alerta novamente uma crescente ameaça de terrorismo pela mistura radical do Islã na previsão do ataque de 11 de setembro.”

O post recebeu uma etiqueta de conteúdo sensível, alertando que poderia não ser adequado para todos os públicos.

O político repetiu a imagem com a pergunta: “Por que isso seria conteúdo censurado na Truth Social?”. O segundo post não foi sinalizado. 

O amigo de Trump tentou amenizar suas críticas à rede social, falando depois que havia sido “uma falha”. No entanto, o The Daily Beast afirma que outros usuários reclamaram de censura na rede de Donald Trump. 
A censura pode não valer para todos. Em uma reportagem sobre o que encontrou na rede social de Trump, o colunista do Washington Post Dana Milbank fez uma lista de teorias conspiratórias e inverdades associadas à guerra da Ucrânia: 

Hunter Biden [filho de Joe Biden, presidente dos EUA] está envolvido na construção e execução de laboratórios biológicos no país.

A CIA e os Institutos Nacionais de Saúde estão “profundamente envolvidos” nos biolaboratórios ucranianos.

A invasão da Ucrânia pela Rússia foi iniciada por uma operação da CIA financiada por George Soros.

O patógeno da covid-19 não se originou na China, mas em Shpyl’chyna, uma vila na Ucrânia.

Queda das ações de empresa investidora

Os problemas técnicos da rede Truth Social estão se refletindo no negócio. Além de começar o mês de abril sem dois de seus principais executivos, a DWAC (Digital World Acquisition Corp), empresa que está em processo de fusão com a TMTG e deve ser sua grande financiadora, registrou queda nas ações. 

Na segunda-feira (4), o anúncio do investimento do bilionário Elon Musk no Twitter fez as ações da rede social subirem 25%, enquanto os papéis da DWAC tiveram queda de 13% na abertura de Wall Street.

A fusão da DWAC e TMTG está em análise pelos órgãos reguladores e, segundo a Reuters, pode demorar ainda alguns meses para ser concluída.

Os investidores prometeram US $ 1 bilhão à empresa de Trump, mas não entregarão esse dinheiro até que o acordo seja fechado.

Paralelamente às movimentações externas, a revelação da Reuters sobre a saída de Josh Adams e Billy Boozer traz mais dúvidas sobre sobre a construção de um “império de mídia social” conservador  desejado pelo ex-presidente dos EUA. 

Muitos  críticos nas redes sociais associaram a situação da rede Truth Social a outros empreendimentos mal-sucedidos de Donald Trump, embaçando a imagem que ele sempre tentou transmitir de empresário eficiente. 

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