Uma nova forma de intimidação a jornalistas — pouco usual e nada sutil — foi usada contra a diretora do noticiário colombiano Noticias Uno, Cecilia Orozco: a perseguição por um carro funerário.
Ao deixar o prédio da redação com uma equipe de segurança na semana passada, a jornalista notou que era seguida pelo automóvel usado para transportar pessoas mortas, o que foi interpretado como um recado.
A perseguição se estendeu por mais de 4 km e a polícia foi acionada para abordar o motorista. Ele disse estar indo buscar um corpo, porém não soube informar o local exato nem para qual empresa prestava serviços.
Entidade se manifesta contra perseguição a jornalista
O Noticias Uno é um noticiário noturno colombiano produzido pela NTC Televisión. Em 2011, Cecilia Orozco Tascón assumiu a direção do telejornal, que é transmitido sempre aos fins de semana e feriados no canal de TV paga CableNoticias.
O noticiário já recebeu o prêmio India Catalina como o melhor programa jornalístico em 2006 e por sete anos consecutivos foi apontado como o melhor programa de notícias colombiano.
A perseguição à jornalista foi divulgada pelo próprio telejornal, que mostrou imagens do carro funerário seguindo o da jornalista e o momento da abordagem policial. Assista abaixo:
À polícia, o motorista afirmou que estava em serviço para recolher um corpo e um colega tinha lhe dito para seguir o esquema de segurança que transportava Cecilia.
Além disso, na apuração do Noticias Uno, não foi possível encontrar qualquer vínculo empregatício com as duas empresas às quais ele disse pertencer.
Em nota, a Fundación para la Libertad de Prensa (FLIP) condenou a perseguição à jornalista e instou as autoridades a investigarem o caso para encontrar as causas e responsáveis pelo ato.
A FLIP ainda relata outros ataques sofridos tanto pelo Noticias Uno quanto por Cecilia Orozco.
O mais recente ocorreu em dezembro, quando o Ministério Público ordenou uma inspeção nos arquivos do veículo de imprensa.
“Embora a fiscalização não tenha ocorrido, esse tipo de ação de uma entidade estatal não contribui para um bom clima de liberdade de imprensa e coloca em risco as fontes da mídia e os jornalistas”, diz a entidade.
Em 2021, a diretora do telejornal também enfrentou quatro processos judiciais que buscavam silenciar suas opiniões. O assédio judicial, segundo a FLIP, teve impactos econômicos, trabalhistas e pessoais para Cecilia.
“Para a FLIP, a situação que Orozco enfrenta é preocupante, pois envia uma mensagem intimidadora ao restante da imprensa que cobre fontes semelhantes às do Noticias Uno.”
No Twitter, Cecilia também criticou a intimidação a jornalistas. “A Colômbia sofre um pacto de silêncio. Por isso está corrompida. Mas a mídia e os jornalistas que decidem relatar o que está acontecendo, quem quer que seja, não cederão à intimidação.”
Gracias a @elespectador y a su director @fidelcanoco por su respaldo. Colombia sufre un pacto de silencio. Por eso está corrompida. Pero los medios y periodistas que decidimos contar lo que sucede, afecte a quien afecte, no cederemos a intimidaciones. https://t.co/k6XSrXI75l
— CeciliaOrozcoTascón (@CeciliaOrozcoT) April 5, 2022
Leia também
Premiado por ‘Mariupol’, cineasta lituano é morto fugindo da cidade ucraniana que retratou
Decisão histórica na Colômbia contra impunidade de crimes contra jornalistas
A Colômbia tem histórico de perseguições e crimes contra jornalistas e, no ano passado, uma decisão histórica da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi um fundamental para combater a impunidade desses casos.
A Colômbia foi condenada pelo sequestro, tortura e estupro da jornalista Jineth Bedoya, ocorrido há 20 anos. O crime foi praticado por paramilitares que ela investigava. Na época, a jornalista tinha 26 anos.
O tribunal concluiu que as provas contra o Estado colombiano eram “sérias, precisas e consistentes”.
Em virtude disso, o estado colombiano terá de pagar indenizações de US$ 30 mil (R$ 166 mil) à jornalista e à mãe dela.
A condenação determina também, entre outras medidas, a continuidade das investigações para responsabilizar os autores pelos crimes praticados e a realização de uma campanha de apoio ao movimento #NoEsHoraDeCallar (Não É Hora de Calar), criado pela jornalista.
A Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ) disse que a decisão constitui um grande passo na luta dos jornalistas contra a impunidade e as diversas formas de violência e discriminação a que estão diariamente expostos.
Leia também
Unesco vai treinar policiais em todo o mundo para proteger jornalistas durante manifestações