O Congresso de El Salvador aprovou na terça-feira (5) uma lei prevendo até 15 anos de prisão para quem preparar ou reproduzir “mensagens, denominações ou propaganda alusiva a gangues”, entendida como censura prévia aos meios de comunicação.
A medida foi proposta pelo presidente Nayib Bukele por meio do Ministério da Segurança na sequência do assassinato de 87 pessoas no país em apenas dois dias de março, e foi recebida com indignação por associações de jornalistas e de defesa da liberdade de imprensa.
A nova lei proíbe “a reprodução e transmissão para a população em geral” de mensagens que tenham origem comprovada ou presumida de gangues de El Salvador e que “possam gerar ansiedade e pânico na população”, valendo para todos os tipos de mídia do país.
Censura para ‘não gerar ansiedade’ em El Salvador
A censura ao noticiário da imprensa sobre relacionados às organizações criminosas em El Salvador, sem uma indicação precisa do que pode ser interpretado como “mensagem ou propaganda de gangues”, faz parte de uma série de reformas no Código Penal, que endureceram as penas para os membros de quadrilhas.
O pacote aprovado no Congresso também declara ilegais todos os “textos, pinturas, desenhos, desenhos, grafite e qualquer forma de expressão visual, incorporados em propriedade pública ou privada”, que transmitam mensagens relacionadas a grupos criminosos.
A medida de censura prévia na mídia abrange rádio, televisão, jornais impressos e digitais.
No entanto, não parece se aplicar à polícia do país, que continua divulgando a prisão de criminosos em suas redes sociais com destaque para a simbologia das gangues expressa nas tatuagens à mostra.
Capturamos a tres pandilleros, entre estos el corredor de clica Nelson Alejandro Fuentes, alias Maligno, responsable de ordenar todo tipo de delitos en San Vicente.
Los otros son:
– Carlos Ernesto Arce, alias Verdura– Franklin de Jesús Fuentes, alias Chiquilla pic.twitter.com/qH5t8GyoQm
— PNC El Salvador (@PNCSV) April 7, 2022
A Associação Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) condenou as novas regras, afirmando que representam a “criminalização do trabalho da mídia e dos jornalistas” e também violam princípios constitucionais e tratados internacionais sobre liberdade de imprensa e sobre o direito do cidadão de acessar informações relevantes e de interesse público.
A Associação de Jornalistas de El Salvador (APES) também expressou preocupação com a reforma, dizendo em comunicado que “o jornalismo será proibido de relatar a realidade vivida por milhares de pessoas que vivem em comunidades controladas por gangues”.
Após a publicação do comunicado, as redes sociais da APES foram inundadas com mensagens de trolls acusando a organização e os jornalistas de serem “defensores” das maras e gangues, segundo informe da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês), que também reprovou a medida do governo de El Salvador:
” O uso dessas ferramentas para intimidar e assediar os profissionais da imprensa mostra a grave situação em que se encontram realizando seu trabalho, que foi exposta há alguns meses quando foi descoberto o uso do software Pegasus para espionagem ilegal contra jornalistas no país”.
Proibição de notícias após onda de mortes
A aprovação da lei de censura prévia à imprensa no Legislativo ocorre depois que o governo atribuiu o assassinato de 87 pessoas entre os dias 25 e 27 de março a grupos criminosos organizados. Até dia 31 de março, mais de 2 mil pessoas ligadas a gangues foram presas.
A nova legislação foi aprovada por 63 deputados, contra 21 que rejeitaram ou se abstiveram da votação.
“A mídia nos encheu de lixo visual (alusão a gangues). Não podemos normalizar esse problema”, justificou o deputado do partido no poder, Caleb Navarro no plenário, citado em reportagem da VOA (Voice Of America).
O deputado de direita René Portillo Cuadra era a favor da criminalização de condutas violentas, mas não a favor de sancionar a imprensa e criticou a medida de censura ao noticiário:
“Se este artigo estivesse em vigor quando ocorreram os assassinatos de mais de 80 cidadãos, a mídia não poderia noticiar esse massacre ao qual nosso país foi submetido em 72 horas.
Essa é a importância do povo salvadorenho conhecer o direito à verdade e a liberdade de imprensa.”
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Pelo menos cinco deputados do partido no poder Nuevas Ideas disseram que a liberdade de expressão ou liberdade de imprensa não foi limitada pela reforma.
“Não está sendo dito à mídia ‘você não poderá mais transmitir notícias’, mas os membros da gangue estão sendo informados de que não podem usar a tecnologia para enviar áudio, correntes ou imagens na tentativa de gerar ansiedade no povo salvadorenho”, explicou a deputada Marcela Pineda.
Presidente de El Salvador justifica censura invocando Alemanha de Hitler
O Executivo, chefiado por Nayib Bukele, justificou a reforma legislativa comparando El Salvador com a Alemanha depois de Hitler.
Em um tweet, o presidente salvadorenho disse: “Quando os alemães quiseram erradicar o nazismo, eles proibiram por lei toda a simbologia nazista, assim como mensagens, apologias e tudo que visasse promover o nazismo”.
Cuando los alemanes querían erradicar el nazismo, prohibieron por ley toda la simbología Nazi, así como los mensajes, apologías y todo lo que fuera dirigido a promocionar el nazismo.
Nadie dijo nada, era entendible que fuera así.
Ahora nosotros haremos eso con las pandillas.
— Nayib Bukele (@nayibbukele) April 6, 2022
De acordo com a VOA, o governo salvadorenho mantém uma situação de emergência nas prisões do país, onde, por ordem de Bukele, mais de 20 mil membros de gangues permanecem em suas celas sem permissão para sair para as áreas recreativas. As esteiras de dormir foram confiscadas e a comida foi racionada para duas vezes por dia.
Além disso, por iniciativa do presidente, o Congresso aprovou um estado de emergência que limita a liberdade de associação, suspende o direito de uma pessoa ser devidamente informada sobre seus direitos e motivos de sua prisão e também o de receber a assistência jurídica.
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Jornalistas de El Salvador ameaçados com censura prévia
A nova lei de El Salvador ameaça a liberdade de imprensa e os jornalistas do país, que já se sentem ameaçados.
O jornalista Jorge Beltrán Luna, que cobre o Departamento de Polícia para o jornal El Diario de Hoy, considera grave esta reforma.
“Isso implica que não será possível publicar uma foto que mostre o controle que as gangues têm nas comunidades, violando tanto o direito do jornalista de informar quanto da população de receber informação”, disse à VOA.
O presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, Carlos Jornet, disse que “é evidente e lamentável que as circunstâncias da grave violência social que o país sofre sejam usadas para legalizar as restrições e aprofundar a hostilidade que este governo demonstrou contra a imprensa”.
El Salvador ocupa o 18o lugar entre 22 países no Índice Chapultepec da SIP, um barômetro que mede a liberdade de expressão e de imprensa. “O país centro-americano está se aproximando de altos níveis de restrição, em um contexto sem precedentes em sua história recente”, de acordo com o Índice.
Na semana passada, um jornalista que denunciou corrupção em El Salvador conseguiu asilo político nos EUA, onde mantém um canal de notícias para a comunidade hispânica e colabora com redes como CNN e Telemundo.
O caso de Manuel Durán pode servir como parâmetro para outros pedidos semelhantes.
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