Londres – Com o mundo atento aos problemas ambientais do Brasil e à situação dos povos indígenas dois brasileiros tiveram este ano suas fotos premiadas em importantes concursos internacionais, com trabalhos expondo diferentes realidades.
Ricardo Teles levou o primeiro prêmio na categoria Esportes do Sony Photo Awards com uma série de imagens sobre as lutas que fazem parte do ritual Kuarup, a cerimônia em homenagem aos mortos praticada pelos índios no Xingu, que conseguiram manter suas tradições graças à proteção e vivem felizes em seu território, como ele conta.
E Lalo de Almeida foi o vencedor do World Press Photo na categoria Projetos de Longo Prazo, em reconhecimento a um trabalho de 12 anos retratando o impacto social da devastação da Amazônia, que tem na questão indígena um dos seus pontos mais dramáticos.
Fotos premiadas retratam ‘Distopia Amazônica’
Almeida conversou com o MediaTalks sobre a série que ganhou o nome de Distopia Amazônica, resultado de um acompanhamento que começou em 2009, quando Almeida viajou para documentar as audiências públicas sobre a hidrelétrica de Belo Monte.
Em 2012 o fotógrafo ganhou uma bolsa para registrar os impactos socioambientais da obra.
Vista aérea da construção da Barragem de Belo Monte no Rio Xingu. Mais de 80% da água do rio foi desviada de seu curso natural para construir o projeto hidrelétrico.
Menino descansa em tronco de árvore morta no Rio Xingu em Paratizão, comunidade localizada próxima à hidrelétrica de Belo Monte. Ele é cercado por restos de árvores mortas, dizimadas após a inundação do reservatório.
Desde então vem fazendo reportagens fotográficas abordando a complexidade da Amazônia. Seu objetivo é chamar a atenção para a conexão entre devastação do meio ambiente e os problemas sociais de quem vive na região, incluindo os indígenas. Algumas reportagens foram publicadas pela Folha de S.Paulo.
“O Brasil sempre tratou a Amazônia como colônia, adotando um modelo extrativista, mas não há solução fácil para romper esse ciclo. Meu objetivo é mostrar a complexidade da questão”, disse o fotógrafo ao MediaTalks.
Lalo acredita que o prêmio internacional para o seu trabalho contribui para um entendimento melhor sobre a situação da Amazônia no mundo e também no Brasil.
“Muitos acham que a região é um tapete de grama verde com índios nus passeando, mas a própria população indígena da região é extremamente diversa.”
Em sua experiência fotografando a Amazônia, ele encontrou comunidades mais fechadas, sem interesse em se modernizar, e outras inseridas no mundo moderno e favoráveis a atividades como o garimpo.
O fotógrafo é pessimista com a situação, que a seu ver foi agravada com as políticas do governo de Jair Bolsonaro e com um discurso contrário à preservação que empoderou os que adotam práticas predatórias.
Um outdoor com uma mensagem de apoio ao presidente Bolsonaro ao lado da Rodovia Transamazônica. Foi financiado por agricultores locais.
Mas ele tem esperança no papel dos indígenas.
“Eles estão cada vez mais organizados e combativos, fazendo a conexão com o mundo. Jovens lideranças e mulheres estão no front da luta pela preservação.
São a resistência da floresta”
Almeida lembra que os mais velhos eram mais isolados, mas agora quase todas as aldeias têm conexão à internet, facilitando a organização.
Vida de indígenas semi-nômades
O fotógrafo relatou que nunca enfrentou resistências ao fotografar os povos indígenas, porque sempre foi convidado ou apresentado por alguma liderança.
E que antes das sessões, é prática comum os membros da aldeia se reunirem para ouvir sobre as intenções do trabalho.
Entre as fotos que compõem a série premiada estão registros dos índios Pirahã, semi-nômades que vivem em um território perto da cidade de Humaitá (Amazonas), às margens da rodovia Transamazônica.
“Eles foram contactados há 200 anos mas não quiseram aprender português. Algumas vezes por ano vão até a beira da rodovia e montam um acampamento ali.
Os poucos contatos são com uma missionária americana que vive no local”.
Mãe e filho observam de longe um caminhão percorrendo a Transamazônica.
Nesse período, conta Almeida, integrantes da aldeia ficam perto de uma ponte de madeira que obriga os motoristas a reduzirem a velocidade para receber salgadinhos e refrigerantes.
“Ali eles vivem em dois mundos”, disse.
Neste vídeo compartilhado pelo World Press Photo Lalo de Almeida expõe ao mundo as dificuldades enfrentadas pela Amazônia e o paradoxo entre preservar e sobreviver.
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Fotos premiadas no Sony Photo Awards retratam Kuarup
Enquanto Lalo de Almeida usa o preto e branco para registrar as questões sociais, na fotos premiadas de Ricardo Teles as cores se destacam.
O prêmio para o brasileiro foi na categoria Esportes do concurso realizado pela Organização Mundial de Fotografia, retratando cenas pouco comuns em fotografia esportiva: uma competição tradicional dos índios do Xingu que faz parte da homenagem aos mortos.
O contraste dos dois trabalhos não se resume ao uso da cor.
Diferentemente dos povos indígenas de boa parte da Amazônia, os que vivem no Xingu conseguiram preservar sua cultura e seu território graças à criação da reserva, uma das maiores do mundo, localizada ao norte de Mato Grosso.
Ao MediaTalks, Teles contou sua história com os povos indígenas da região:
“Estive pela primeira vez no Xingu em 2016 para retratar um grupo de médicos cuidando da população local.
Naquela ocasião tive a oportunidade de conhecer algumas importantes lideranças indígenas. Uma delas, o cacique Kotok da comunidade Kamayura do Alto Xingu, me convidou para a celebração do Kuarup, uma homenagem aos mortos que naquele ano homenageava o pai dele, Tukumán Kamayurá, um símbolo do Xingu.
Desde então mantenho contato com os amigos que deixei por lá, inclusive pelas redes sociais, nas quais os mais jovens são bastante ativos.
O Kuarup é a despedida e encerramento de um período de luto. A celebração acontece uma vez por ano em diferentes aldeias e dura três dias.
O ponto alto da celebração é uma competição de uma arte marcial chamada Huka-huka, semelhante à luta greco-romana, que tem um simbolismo competitivo para mostrar a força e a virilidade dos jovens.
O ritual deste ano homenageou cinco pessoas que perderam a vida entre os anos de 2020 e 2021 em uma aldeia com cerca de 200 habitantes. Dos cinco mortos, quatro foram vítimas da covid.
O fotógrafo conta que a primeira impressão no Xingu é sempre marcante.
“Um idioma diferente, pessoas nuas sem constrangimento e com a maior naturalidade, adornadas por pinturas corporais exuberantes.
Impressiona a maneira como mantiveram sua cultura e modo de vida tão preservados, principalmente para quem conhece minimamente a história e os destinos dos povos indígenas no Brasil.”
Sua percepção é de que as relações humanas são mais harmônicas.
“As crianças nunca são repreendidas, mas orientadas e tem uma infância muito feliz. O mundo real, o natural e o mágico se misturam estabelecendo um equilíbrio entre homem e natureza”, segundo Teles.
“A importância desse exemplo no momento atual em que colocamos em risco nossa própria existência no planeta é essencial
As comunidades indígenas são detentores de uma cultura rica e particular e guardiãs de áreas de proteção ambiental fundamentais para um mundo mais saudável”.
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