A situação frágil e preocupante da imprensa independente na Nicarágua, vítima de perseguições e censura, foi destaque na conferência realizada nesta semana pela Associação Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), sediada em Miami, nos EUA.
O país vive uma perseguição sistemática de jornalistas e veículos de comunicação sob o regime de Daniel Ortega, com diversos profissionais condenados, presos ou exilados para fugir da censura.
No encontro, um manifesto assinado por 27 entidades internacionais que defendem o jornalismo elaborou um plano de ação para o país voltar a ter uma imprensa livre, assegurando a liberdade de expressão para os cidadãos e o acesso a informações confiáveis.
Censura na Nicarágua é um dos problemas da região
A conferência da SIP, ocorrida entre 19 e 21 de abril, condenou os atentados cada vez mais frequentes contra a liberdade de imprensa na América Latina.
Das pelo menos 30 mortes de jornalistas e profissionais de mídia a serviço no primeiro trimestre de 2022, 14 aconteceram na região.
E mesmo com a guerra na Ucrânia vitimando sete jornalistas, o México continua sendo o país mais perigoso do mundo para a mídia, com oito assassinatos entre janeiro e março de 2022.
Em seu discurso na abertura do encontro, o presidente da associação, Jorge Canahuati, considerou que a profissão enfrenta um “panorama desanimador” no continente devido à crise do setor e ao “desrespeito colossal” ao trabalho de jornalistas e meios de comunicação pelas autoridades.
Entre as barbaridades ocorrendo região, a situação da Nicarágua ganhou atenção especial no evento da SIP por causa da crescente repressão contra a mídia independente e crítica ao governo.
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O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, Carlos Jornet, avaliou que o presidente do país busca a “extinção” o jornalismo independente.
“Daniel Ortega, não continue traindo o ideal de liberdade do povo nicaraguense que você defendeu e hoje reprime selvagemente”, pediu Jornet.
Segundo ele, estima-se que, desde junho de 2021, 75 jornalistas e donos de meios de comunicação foram presos de forma arbitrária.
Além de prisões, a imprensa na Nicarágua sofre com intimidações e assédios governamentais, com a aplicação de medidas extremas como condenações sem o devido processo judicial.
O regime também usa as mídias sociais para disseminar desinformação e atacar opositores.
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Familiares narram censura e brutalidade na Nicarágua
A crise institucional e social na Nicarágua se agravou a partir de abril de 2018, quando mais de 335 opositores foram mortos em confrontos com a Polícia Nacional e grupos paramilitares, segundo a SIP.
Depois de reprimir duramente os massivos protestos civis contra seu governo, o regime de Daniel Ortega endureceu sua posição diante das exigências e sanções impostas pela comunidade internacional.
Desde então, por meio de um aparato jurídico que incluiu novas leis de censura, o governo prendeu opositores, perseguiu dissidentes, fechou organizações da sociedade civil, exilou jornalistas e confiscou meios de comunicação.
A Associação Interamericana de Imprensa estima que atualmente há mais de 170 presos políticos, incluindo a candidata presidencial às eleições de novembro de 2021, Cristiana Chamorro, e Pedro Joaquín Chamorro, membro do conselho de administração do jornal La Prensa e da Fundação Violeta Barrios de Chamorro, condenados a oito e nove anos de prisão, respectivamente.
Um dos piores ataques à imprensa ocorreu em agosto de 2021, com o fechamento da La Prensa e a detenção do diretor do jornal, Juan Lorenzo Holmann Chamorro.
Como em todos os julgamentos a portas fechadas contra dissidentes, Holmann foi condenado a nove anos de prisão por crimes falsos e sem o devido processo.
Para relatar essa e outras brutalidades do governo Ortena, a conferência da SIP teve um painel com familiares de presos políticos.
Carlos Fernando Chamorro foi um deles. O jornalista foi um dos que abandonou a Nicarágua em 2021.
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No encontro da SIP, ele afirmou: “A Nicarágua deve conquistar a liberdade com a libertação dos presos políticos que representam a esperança da mudança democrática” .
E acrescentou: “Meu primo Juan Lorenzo Holmann é o quarto membro da minha família que foi condenado em um ato covarde de vingança política por Daniel Ortega para tentar esmagar o direito a eleições livres”.
A filha de Holmann, Renata, denunciou as condições desumanas em que seu pai está detido.
“Ele continua firme em seus valores e compromissos com a Nicarágua. Hoje, mais do que nunca, meu pai vê a importância de defender a liberdade de expressão.”
“Estamos extremamente preocupados com sua saúde física e mental. Rejeitamos as acusações porque ele é inocente ”, disse entre lágrimas sob os aplausos dos demais palestrantes.
O jornalista Cristopher Mendoza, sobrinho do também comunicador Miguel Mendoza, preso pelo regime, denunciou que seu tio foi detido “por falar sua opinião e divulgá-la ao público. Ele foi considerado culpado por acusações falsas”, disse ele.
Ele lembrou que Miguel Mendoza disse que ser jornalista é uma bênção para ele. “O jornalismo é mais uma questão de satisfação pessoal do que econômica.”
Manifesto cobra apoio à imprensa na Nicarágua
Intitulado “Declaração sobre a Nicarágua”, o manifesto assinado no evento da SIP por 27 entidades que defendem a liberdade de imprensa propõe um plano de ação para proteger e reerguer o jornalismo independente do país.
O documento sugere, entre outras coisas, novas sanções da comunidade internacional ao governo Ortega até que os presos políticos e jornalistas sejam libertados, assim como o retorno do exílio de profissionais e veículos.
Também são sugeridas campanhas para a incentivar doações que apoiem a mídia independente nicaraguense dentro e fora do país.
Os governos dos Estados Unidos e da União Europeia também são cobrados para que, em meio ao clima de confronto internacional pela invasão da Ucrânia, não se dissipe o interesse pelos problemas vividos na Nicarágua.
Entre os signatários estão a Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA), Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (ADEPA), Associação Nacional de Imprensa (ANP, Bolívia), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação Nacional dos Jornais (ANJ, Brasil), Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel), Fundação para a Liberdade de Imprensa (Flip, Colômbia) e MX Media Alliance (México).
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