A “politização crescente” do trabalho de jornalistas e demais profissionais da mídia ameaça a imprensa independente e torna o exercício da profissão mais arriscado diariamente, alertou o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

A data, celebrada na terça-feira (3), foi instituída pela ONU em 1993. Na mensagem, Guterres destacou o trabalho de jornalistas que “buscam transparência e responsabilidade daqueles que estão no poder”, apesar de enfrentarem “grande risco pessoal” muitas vezes.

O chefe da ONU citou a cobertura das mudanças climáticas e da pandemia de covid-19 como exemplos da importância do trabalho da imprensa. “Da saúde global à crise climática, corrupção e abusos dos direitos humanos, [jornalistas] enfrentam uma crescente politização de seu trabalho e tentativas de silenciá-los de muitos lados.”

Redes sociais também são ameaças à liberdade de imprensa

António Guterres observou também os riscos que as plataformas de mídia social representam ao jornalismo profissional.

Ele disse que muitas dessas empresas não ganham dinheiro amplificando os fatos, mas sim aumentando o engajamento, “o que geralmente significa provocar indignação e espalhar mentiras”.

O secretário-geral da ONU afirmou que a tecnologia digital também “torna a censura ainda mais fácil” para governos autoritários, que reprimem a verdade prendendo e perseguindo jornalistas.

“Muitos jornalistas e editores em todo o mundo correm o risco constante de suas reportagens ficarem offline.”

A tecnologia digital também está criando novos “canais de opressão e abuso”, com mulheres jornalistas “em risco particular ” de assédio e violência online, disse Guterres.

Estudo da Unesco descobriu que mulheres jornalistas são as maiores vítimas de violência online. Hacking e vigilância ilegal também foram citados pelo chefe da ONU por impedirem que profissionais da mídia façam seu trabalho.

“Os métodos e as ferramentas mudam, mas o objetivo de desacreditar a mídia e encobrir a verdade continua o mesmo de sempre.

Os resultados também são os mesmos: pessoas e sociedades que são incapazes de distinguir fato de ficção e podem ser manipuladas de maneiras horríveis.

Sem liberdade de imprensa, não há verdadeiras sociedades democráticas. Sem liberdade de imprensa, não há liberdade.”

Guterres apontou que as fake news em ambiente de guerra também são ameaças à liberdade de imprensa. 

“Os trabalhadores da mídia em zonas de guerra são ameaçados não apenas por bombas e balas, mas pelas armas de falsificação e desinformação que acompanham a guerra moderna.

Eles podem ser atacados como inimigos, acusados ​​de espionagem, detidos ou mortos, simplesmente por fazerem seu trabalho”.

Assista à mensagem do chefe da ONU, António Guterres, para o Dia Mundial de Liberdade de Imprensa:

O impacto da internet e das redes sociais no exercício do jornalismo foi o tema escolhido pela Unesco para sua conferência global em comemoração ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

O encontro, em Punta del Leste (Uruguai), começou na segunda-feira (2) e vai até 5 de maio, em formato presencial e virtual. Qualquer interessado pode assistir aos debates pelo site da organização.

Entre os temas discutidos estão os impactos e ameaças para o trabalho de jornalistas na era digital, segurança, liberdade de expressão e privacidade nas redes sociais.

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Em nota conjunta para o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, organizações internacionais que defendem os direitos humanos, incluindo a ONU, exigiram o fim dos ataques a profissionais de imprensa que cobrem a guerra na Ucrânia.

Representantes das Nações Unidas, da Comissão Africana de Direitos Humanos (CADH), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) se mostraram “profundamente preocupados com a segurança dos jornalistas” na região de conflito.

Desde a invasão russa, em fevereiro, ao menos sete profissionais da mídia já morreram. Além de atentados letais, há dezenas de relatos de sequestros, torturas e prisões de jornalistas pelo exército da Rússia.

“Um ataque para matar, ferir ou sequestrar um jornalista constitui um crime de guerra”, diz o texto, acrescentando que os responsáveis “devem ser levados à Justiça”. Apesar de não responsabilizarem diretamente as tropas russas pelos ataques a jornalistas, o comunicado critica a guerra:

“Condenamos coletivamente a invasão e a agressão contínua contra a Ucrânia, a sua soberania e integridade territorial pela Federação Russa.”

“[As ações da Rússia] violam o direito internacional e os compromissos da ONU, da OSCE, da CIDH e da CADH, bem como os próprios princípios nos quais as nossas organizações se baseiam (…). Essas ações são abomináveis e devem parar imediatamente.”

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O Conselho da União Europeia também criticou a Rússia pela atuação contra a imprensa durante o conflito na Ucrânia em declaração para a data.

“Bravos jornalistas, equipes de câmera, repórteres, fotógrafos e blogueiros estão arriscando suas vidas para nos manter informados sobre a agressão militar não provocada e injustificada da Rússia contra a Ucrânia.”

O bloco afirma que a “segurança dos jornalistas é uma prioridade” para a União Europeia, e denunciou que tropas do exército russo estão “detendo, sequestrando e alvejando” profissionais de imprensa e ativistas civis para impedir a cobertura factual e relatos da guerra.

“Ao reportar da linha de frente e esclarecer as graves violações dos direitos humanos e cometidas pelas forças armadas russas, os jornalistas contribuem de forma importante para combater a desinformação e a manipulação de informações em torno da invasão.

Eles desempenham um papel crucial para garantir que essas atrocidades não permaneçam impunes. Os responsáveis ​​serão responsabilizados por suas ações.”

O conselho ainda disse que a imprensa livre permite uma sociedade “mais democrática, mais forte e inclusiva e é fundamental na proteção e promoção dos direitos humanos”.

“Continuaremos a lutar pela liberdade de imprensa e não retrocederemos.”

A organização internacional CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas) fez um apelo nas redes sociais pedindo o fim de ataques a jornalistas e profissionais de profissionais da mídia na guerra na Ucrânia.

Com a #NotATarget (#NãoSãoAlvos), o comitê divulgou um vídeo com depoimentos de familiares e colegas de trabalho dos profissionais que perderam a vida no conflito.

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“Todos os jornalistas e profissionais da mídia são civis sob o Direito Internacional Humanitário, e seus direitos devem ser respeitados e protegidos”, lembra o diretor executivo do CPJ, Robert Mahoney.

Já a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) divulgou o Índice de Liberdade de Imprensa na terça-feira — o Brasil ficou em 110º lugar na avaliação de 180 países.

“Mesmo depois de Trump ter ido embora da Casa Branca, ainda temos ‘mini-Trumps’ espalhados pelo mundo, e eles são uma ameaça à liberdade de imprensa global, com retórica e políticas que causam grandes estragos.”

A opinião é de Rebecca Vincent, diretora de campanhas globais da RSF, em entrevista ao MediaTalks após um encontro organizado pela FPA (Foreign Press Association) para falar sobre os dados do relatório.

Em fala semelhante sobre a repressão da imprensa por governos autoritários, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) alertou sobre a necessidade de combater a espionagem cibernética de jornalistas — uma das maiores ameaças atuais à liberdade de imprensa.

Nos últimos anos, o mundo viu crescer de forma aterradora o número de relatos sobre espionagem de governos sobre jornalistas, revelando a amplitude e extensão do uso de softwares destinados a combater o crime organizado contra a imprensa e jornalistas independentes.

Para a FIJ, a falta de regulamentação e controle sobre o uso dos sistemas spyware é uma das causas que permite a utilização por governos e agentes interessados em monitorar de perto o trabalho de profissionais de mídia, com o claro objetivo de deter a divulgação de informações à sociedade.

A espionagem digital é feita com o uso de spyware, programas de computadores originalmente projetados para combater o crime e o terrorismo.

Esses softwares, porém, permitem um uso malicioso contra jornalistas, políticos, defensores dos direitos humanos e líderes da sociedade civil, afirma a federação.

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