Londres – O bloqueio de sites pela Rússia atinge até mesmo aqueles que não são de jornalismo, mas hospedam conteúdo sobre a guerra na Ucrânia.

Foi o que aconteceu com o Brainly, plataforma educacional semelhante a uma rede social para professores e estudantes, retirado do ar no país por determinação do Roskomnadzor, o órgão regulador estatal russo das comunicações e mídia.

Em comunicado, a startup polonesa diz que a determinação aconteceu após a recusa da remoção de conteúdos sobre a invasão da Ucrânia. Redes sociais como o Facebook, Twitter e Instagram também foram bloqueados sob a mesma justificativa na Rússia.

Bloqueio de sites na Rússia virou hábito desde o início da guerra

Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, a Rússia tem bloqueado sistematicamente sites que promovam qualquer versão sobre o conflito diferente daquela aprovada pelo Kremlin — de que se trata de uma “operação especial”, e não uma guerra com o país vizinho.

O Brainly funciona de forma semelhante ao extinto Yahoo Respostas: usuários podem fazer perguntas sobre diversos temas, desde matemática a fatos históricos, e recebem respostas da comunidade, com destaques para aquelas verificadas por especialistas.

No início dessa semana, a plataforma foi notificada pelo Roskomnadzor para remover do Znanija, o site local da empresa, conteúdos relacionados à guerra.

“Claramente, não atenderemos a essa demanda”, afirmou a startup no comunicado.

“A remoção desse conteúdo seria contra nossa missão e violaria a promessa do Brainly aos nossos usuários, que confiam na plataforma para encontrar informações comprovadas para acelerar seu entendimento e aprendizado.”

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Segundo a empresa, o Znanija (conhecimento, em russo) tem 350 milhões de usuários ativos mensais em todo o mundo, incluindo o Brasil, sendo 45 milhões na Ucrânia, Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão.

Em exemplo de publicação que irritou o governo russo, o Brainly disse que a página da pergunta “O que aconteceu na Ucrânia depois de 24/02/2022?” teve dezenas de milhares de visualizações.

O texto é crítico às ações da Rússia. Começa explicando o início das hostilidades nas regiões de Donetsk e Luhansk, atribuídas à “invasão ilegal do exército russo em terras ucranianas. “

Segue falando sobre a invasão ocorrida em 24 de fevereiro, e afirma que “o fato é que a vida dos ucranianos não é mais a mesma.”

“Cerca de 3 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas e deixar o território da Ucrânia em busca de segurança. Centenas de milhares de pessoas estão em masmorras para se protegerem de bombardeios ativos.

E dezenas de milhares pegaram em armas para proteger a terra onde vivem, suas famílias e seus entes queridos. Armas eram levadas até mesmo por aqueles que trabalharam no computador a vida toda e nunca iriam para a guerra.”

A postagem diz que a guerra não é uma escolha pessoal, mas uma medida forçada, e defende o direito de os cidadãos pegarem em armas, pois se não o fizessem ” não haveria Ucrânia nem ucranianos”. 

“Algumas casas foram destruídas, algumas pessoas já ficaram sem família, centenas de milhares de pessoas já estão à beira da vida, porque não têm acesso a comida e água.

Mas apenas uma coisa se sabe – as pessoas estão lutando, elas não concordam em viver em uma ditadura e defender o direito à liberdade de escolha. Os ucranianos escolhem a democracia e a liberdade de expressão pelas quais lutaram.”

O tópico de consulta do Bramley diz ser “assustador imaginar que tudo isso esteja acontecendo no século 21, quando a vida já se acalmou, a maioria das pessoas vivia pacificamente em apartamentos aconchegantes, resolvia seus problemas cotidianos e trabalhava em laptops.”

“Agora, as pessoas estão sentadas em masmorras frias, pensando apenas em ver o sol da manhã e orar, porque não há mais nada.

A guerra é algo que ninguém esperava e algo com que ninguém está feliz. Os moradores da Ucrânia são pessoas comuns que só querem viver, fazer seu trabalho, assistir suas séries de TV favoritas à noite e preparar o jantar em paz.”

Ao justificar a manutenção da postagem, o Bramley disse: “Nossa equipe do Znanija irá manter [esse conteúdo] ativo e continuará fornecendo aos usuários de língua ucraniana e russa acesso à plataforma de onde seja possível”.

O Brainly admitiu que, desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, aumentou a visibilidade das respostas relacionadas à guerra na plataforma.

“[E com isso] fornecendo acesso aprimorado a informações não censuradas sobre o conflito, seu contexto histórico e a resposta internacional em andamento.

Além disso, desde o início de março, a Brainly desativou todos os anúncios e pagamentos no Znanija.”

O que site bloqueado na Rússia escreveu sobre a guerra no Brasil 

A versão brasileira do site que sofreu bloqueio na Rússia também exibe respostas a perguntas sobre a guerra da Ucrânia, mas em tom menos dramático do que o texto publicado na versão russa. 

Uma delas, de autoria de um participante da comunidade que responde sobre matemática, história e geografia, classifica o problema de “grave e muito complicado”, explicando o contexto da guerra fria entre a União Soviética e os EUA e chamando a atenção para o risco de um conflito nuclear.

Ele diz que sua ex-companheira é filha de russos que nasceu na Ucrânia. E afirma que “os russos são os principais herdeiros da Ex-União Soviética, apresentando muito ressentimento contra o Ocidente, a Europa, e os Estados Unidos”, razão pela qual o país “busca resgatar a glória perdida.”

A resposta classifica a Rússia de “país não democrático” e compara a pressão para tornar a Crimeia uma região russa a uma tentativa de o Rio Grande do Sul se integrar ao Uruguai, “ferindo a constituição federal.”

E finaliza destacando o perigo de uma guerra envolvendo boa parte do mundo e o  grande número de bombas nucleares na Rússia quanto na Ucrânia, Estados Unidos, e Europa.

VPN ajuda a driblar bloqueio de sites na Rússia

Com a guerra, cidadãos russos têm cada vez menos opções para se informar de forma independente e acessar conteúdos sobre o conflito sem a propaganda do Kremlin.

Sites de veículos de mídia russos independentes e até de grandes empresas também estão restritos no país.

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Para driblar a censura, os russos estão usando conexão VPN (rede privada virtual), uma forma de navegar na internet com dados criptografados e que ocultam a localização ao mascarar o IP do usuário. 

Dessa forma, a população da Rússia consegue acessar sites bloqueados no país “fingindo” que estão em outro país, por exemplo.

Em março, quando o Instagram foi bloqueado no país, a utilização de VPNs disparou na Rússia.

De acordo com empresa de monitoramento de internet móvel a SensorTower, cerca de seis milhões de downloads desse tipo de aplicativo foram feitos desde o dia 24 de fevereiro (dada da invasão da Ucrânia) até 8 de março na Rússia.

À agência italiana ANSA, a empresa de cibersegurança SurfShark, especializada em privacidade digital, informou que as vendas de VPNs em território russo aumentaram pelo menos 3.500%.

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