Londres – A guerra entre o governo de Vladimir Putin e as Big Techs em torno da propaganda estatal e de fake news relacionadas à invasão da Ucrânia teve mais um capítulo: o YouTube confirmou a remoção de mais de 70 mil vídeos e 9 mil canais que violaram a política da plataforma para “grandes eventos violentos”.

Enquanto muitas redes sociais norte-americanas, como o Twitter e Facebook, fecharam ou foram restringidas por autoridades russas com o início da guerra, o YouTube continuou bastante popular no país, ajudando a informar sobre o conflito mas também  transformando-se  um grande difusor da propaganda pró-Kremlin e de suas alegadas motivações para a invasão ao país vizinho.

A remoção dos conteúdos, alguns chamando a guerra de uma “missão de libertação” empreendida pelo governo da Rússia, foi revelada pelo jornal britânico The Guardian e classificada como “sem precedentes” pelo YouTube, devido à quantidade de vídeos e canais retirados do ar ao mesmo tempo. 

YouTube aponta violação de diretrizes em vídeos sobre guerra na Ucrânia

A discórdia entre Putin e as plataformas já vinha desde antes da guerra. Em dezembro do ano passado, um tribunal de Moscou aplicou uma multa equivalente a US$ 98 milhões (RS$ 550 milhões) ao Google e outra de US$ 27 milhões (R$ 152 milhões) à Meta, controladora do Facebook, por não excluírem conteúdo proibido pela lei local. 

Com a guerra, as tensões aumentaram, e a pressão sobre as Big Techs para conterem a desinformação e a propaganda estatal subiu na mesma proporção. Na semana passada, o Twitter anunciou uma nova política, com sinalização de conteúdo contendo desinformação até em contas governamentais.

Antes da derrubada dos 70 mil vídeos e 9 mil canais, o YouTube já vinha removendo canais de jornalistas, de emissoras de TV que apoiam a invasão e até de órgãos do governo de Vladimir Putin por violação de suas diretrizes.

Canais como o do jornalista pró-Kremlin Vladimir Solovyov e que tinham relação com os Ministérios da Defesa e Relações Exteriores da Rússia estão entre os que ficaram temporariamente suspensos de postar vídeos nos últimos meses.

O The Guardian afirma que a remoção de vídeos e canais relacionados à guerra na Ucrânia anunciada agora foi feita com base no que o YouTube identificou como quebra de suas diretrizes nesses conteúdos. A  “política de grandes eventos violentos” proíbe negar ou banalizar de conflitos armados.

Em entrevista ao jornal britânico, o diretor de produtos do YouTube, Neal Mohan, explicou a “política de grandes eventos violentos”:

“Ela se aplica a situações como negação de grandes eventos violentos, desde o Holocausto até [o massacre da escola] Sandy Hook.

E, claro, o que está acontecendo na Ucrânia é um grande evento violento. E então usamos essa política para tomar medidas sem precedentes.”

Na semana passada, Neal Mohan participou de um evento em Londres para falar sobre a importância da empresa ser a última grande plataforma disponível na Rússia e as medidas que estava tomando para combater a desinformação durante a guerra na Ucrânia. 

Segundo ele, o YouTube tem como primeira e grande responsabilidade garantir que informações confiáveis e de alta qualidade estejam disponíveis sobre eventos como a guerra entre Rússia e Ucrânia para seus usuários. 

 

Mohan acrescenta que, com o início do conflito no Leste Europeu, o consumo de canais que publicavam notícias ou análises sobre ele cresceu significamente na Ucrânia e países ao redor, como Polônia, além do próprio território russo.

Conteúdos de notícias sobre o conflito receberam mais de 40 milhões de visualizações somente na Ucrânia.

Apesar de o  YouTube não revelar de forma detalhada quais conteúdos e canais foram retirados do ar, o diretor de produtos disse ao Guardian que grande parte deles representava “narrativas do Kremlin” sobre a invasão:

“Eu não tenho os números específicos, mas você pode imaginar muito disso sendo as narrativas que vêm do governo russo, ou atores russos em nome do governo russo.”

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YouTube, fonte de informação sobre guerra na Ucrânia 

Maior site de compartilhamento de vídeos em funcionamento no país, O YouTube tem cerca de 90 milhões de usuários na Rússia.

Em março, o Google suspendeu toda a publicidade online de suas plataformas no país, incluindo o serviço de streaming de vídeo. Twitter e Snapchat já tinham feito o mesmo. 

Mohan disse ao The Guardian:

“O YouTube é um lugar onde os cidadãos russos podem obter informações sem censura sobre a guerra, inclusive de muitos dos mesmos canais aos quais temos acesso fora do país.

Continuamos a ser uma plataforma importante para os próprios cidadãos russos à medida que esta crise continua a evoluir.”

Na semana passada, a Rússia sinalizou, que não tinha intenção de bloquear o YouTube no país, apesar de já ter multado a empresa por não remover “vídeos proibidos”, ou seja, que não foram aprovados pelo Kremlin.

A mudança da plataforma, porém, pode reverter isso, apesar do próprio ministro russo para o desenvolvimento digital, Maksut Shadaev, reconhecer o impacto de um possível banimento do site no país.

“Não estamos planejando fechar o YouTube”. Acima de tudo, quando restringimos algo, devemos entender claramente que nossos usuários não sofrerão”, disse Shadev a jornalistas.

Mas uma reação diferente depois da derrubada maciça de vídeos e canais não deve ser descartada.

Na semana passada, o governo russo mandou fechar o escritório da emissora pública canadense CBC em Moscou e determinou que os profissionais estrangeiros saíssem do país em três semanas, atribuindo a decisão a uma resposta ao banimento da Russia Today no Canadá.

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Twitter toma medida semelhante ao YouTube sobre guerra na Ucrânia

Assim como o YouTube, o Twitter também fez um movimento para frear a disseminação de fake news sobre a guerra na Ucrânia em sua plataforma.

Na semana passada, a empresa anunciou uma nova diretriz, chamada “política de desinformação de crise”, para publicações que contiverem informações falsas sobre o conflito, mesmo que em contas governamentais, ganhem um aviso sinalizando “desinformação que pode trazer riscos às populações afetadas por crises”.

Conteúdos classificados dessa forma pelo Twitter terão curtidas, retuítes, compartilhamentos e a amplificação monetizada impedidos. A remoção do conteúdo, no entanto, não acontecerá por receios do Twitter de ferir a liberdade de expressão.

“Em tempos de crise, informações enganosas podem minar a confiança do público e causar mais danos a comunidades já vulneráveis”, disse Yoel Roth, chefe de segurança e proteção do Twitter, em um post no blog da empresa anunciando as mudanças.

A empresa reforça que a prioridade para a classificação de fake news sobre a guerra na Ucrânia será para perfis de mídias afiliadas ao estado e contas oficiais do governo verificadas.

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